ITCMD – Partilha de bens em divórcio direto consensual – Patrimônio dividido desigualmente, composto de imóveis localizados neste e em outro Estado e de cotas de sociedade limitada estabelecida em outro Estado – Excesso de meação que configura doação, estando sujeita ao imposto – Critérios para apuração do valor devido a este Estado – Constituição Federal, artigo 155, § 1º, e Lei 10.705/2000.
1. O Consulente relata ter se separado de sua ex-esposa, "em 09 de abril de 2007, por meio de sentença transitada em julgado, proferida nos autos da separação consensual (...)", que também homologou a partilha dos bens "que constituíam todo o patrimônio do casal que, à época, atingia o valor de R$ 2.608.651,80 (dois milhões, seiscentos e oito mil, seiscentos e cinqüenta e um reais e oitenta centavos)."
2. No tocante à partilha dos bens havidos no curso do matrimônio, informa:
"Do patrimônio que constituíram, a ex-esposa do Consulente ficou com bens, todos localizados no Estado de São Paulo, que foram avaliados no valor total de R$ 1.037.523,00 (um milhão, trinta e sete mil, quinhentos e vinte e três reais).
O Consulente, por sua vez, diante do que foi convencionado, ficou com a parte maior do patrimônio, no valor de R$ 1.517.128,80 (um milhão, quinhentos e dezessete mil, cento e vinte e oito reais e oitenta centavos), compreendida pelos seguintes bens:
I. Um veículo, licenciado no Estado de Santa Catarina, marca Mitsubishi, modelo MMC Pajero HPE 3.2, Diesel, ano 2004/2005, no valor de R$ 132.842,00 (cento e trinta e dois mil, oitocentos e quarenta e dois reais);
II. Um automóvel, licenciado no Estado de Mato Grosso, marca Toyota, modelo Hilux CD SRV, ano 2006, no valor de R$ 98.616,00 (noventa e oito mil, seiscentos e dezesseis reais);
III. Um lote de terreno, localizado no Estado_de Goiás, na cidade de Goiânia, no valor de R$ 147.668,81 (cento e quarenta e sete mil, seiscentos e sessenta e oito reais e oitenta e um centavos);
IV. Um imóvel rural, localizado no Estado de Mato Grosso, na cidade de Nova Bandeirantes, no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais);
V. Direitos sobre a metade de um imóvel, localizado no Estado de São Paulo, na Capital, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);
VI. As cotas do capital social da empresa Primo Indústria de Laticínios Ltda., sediada no Estado de Mato Grosso, na cidade de Colíder, no valor de R$ 688.002,00 (seiscentos e oitenta e oito mil e dois reais)."
3. Dessa forma, tendo havido excesso da meação que cabia ao Consulente, demonstra ter ciência da ocorrência da "doação e, por conseguinte, o fato gerador do imposto de doação, de competência estadual, por força do disposto no artigo 155, I, da Constituição Federal".
4. No entanto, expõe que, mesmo que "a separação e divisão do patrimônio comum tenham ocorrido no Estado de São Paulo", como os imóveis estão em Estados distintos da Federação, paira "dúvida sobre a incidência ou não do Imposto de doação neste caso; e, no caso de incidência, da competência para recebimento de tal imposto; e, o valor do imposto que deve ser pago ao Estado de São Paulo", considerando o artigo 155, I e §1º, "1", da Constituição Federal, que estabelece que "o imposto de doação, de quaisquer bens ou direitos, relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem ou ao Distrito Federal (...)".
5. Dessa forma, indaga "se ocorre a incidência ou não do imposto de doação devido ao Estado de São Paulo, referente aos bens imóveis localizados em outros estados, bem como, sobre os direitos que possui sobre as cotas sociais da empresa que mantém sede no Estado do Mato Grosso". E solicita que se "informe, ainda, no caso de incidência, a forma de cálculo, os fundamentos jurídicos para tanto e o valor que deve ser recolhido, a fim de que possa providenciar o necessário".
6. Em primeiro lugar, observamos que não se inserem na competência deste órgão consultivo a verificação da correção dos valores informados e do cálculo referente ao imposto devido. Por isso, esta resposta irá se ater à análise dos critérios a serem adotados para o cálculo do imposto devido, na hipótese trazida a exame.
7. Nessa esteira, como bem notado pelo Consulente, ocorre o fato gerador do ITCMD quando um dos cônjuges, que era proprietário de metade do patrimônio da sociedade conjugal, recebe uma parcela maior que o quinhão a que tinha direito. É preciso, também, que a parte que excede a meação seja cedida graciosamente. Segundo o § 5º do artigo 2º da Lei 10.705/2000 e suas alterações, "estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão" (grifos nossos).
8. Até esse ponto a questão é incontroversa. A dúvida surge quando o patrimônio dividido desigualmente não se compõe apenas de imóveis e quando os imóveis são localizados em mais de um Estado, como ocorre na situação sob análise.
9. A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre o ITCMD em seu artigo 155, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 3/93, buscou evitar conflitos de competência entre os Estados, nos termos do § 1º desse mesmo dispositivo:
"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 3, de 1993)
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 3, de 1993)
(...)
§ 1.º O imposto previsto no inciso I: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 3, de 1993)
I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal
II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;
(...)" (grifos nossos).
10. Como já assinalado, somente haverá incidência do ITCMD quando, em uma separação, um dos cônjuges receber graciosamente mais que o quinhão a que teria direito, configurando o excesso de meação e, por conseqüência, a doação. Para se calcular o excesso de meação é preciso considerar a parcela do patrimônio partilhado que coube ao donatário (ou seja, ao cônjuge que ficou com o excesso). Havendo, na parte cabente a este cônjuge, bens imóveis em mais de um Estado, deve-se calcular qual a proporção do imposto que cabe a cada um deles. Neste ponto é preciso voltar a considerar os bens propriamente ditos, porque o critério constitucional para a solução do conflito de competência é fundamentado na localização – para os bens imóveis – e no domicílio do doador – para os bens móveis.
11. Assim, independentemente do domicílio dos cônjuges ou da existência ou não de bens móveis, se no quinhão do donatário há bem imóvel, uma parte do imposto incidente sobre o excesso de meação ficará com o Estado no qual está localizado tal imóvel, sob pena de desrespeito ao inciso I do § 1º do artigo 155 da Constituição Federal. Desse modo, se ao donatário couberam bens imóveis situados em mais de um Estado, o imposto deverá ser repartido entre eles na proporção do valor que tais imóveis representam no patrimônio conferido ao donatário.
12. Em relação às cotas da empresa sediada no Estado do Mato Grosso, firme-se que elas são consideradas "bens móveis por determinação legal", conforme artigo 83 do Código Civil:
"Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I - as energias que tenham valor econômico;
II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;
III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações."
12.1 O jurista Carlos Roberto Gonçalves, ao discorrer sobre os bens abrangidos pelo artigo acima, esclarece que "são bens imateriais que adquirem essa qualidade jurídica por disposição legal. Podem ser cedidos, independentemente de outorga uxória ou autorização marital. Incluem-se, nesse rol, o fundo de comércio, as quotas e ações de sociedades mercantis, os créditos em geral." (Direito Civil – Parte geral, 5ª edição - São Paulo: Saraiva, 1999, v.1., Sinopses Jurídicas, p. 73) – grifos nossos.
13. A sociedade limitada (como é chamada a sociedade por cotas de responsabilidade limitada no novo Código Civil) tem personalidade jurídica, a qual não se confunde com a de seus sócios, e possui patrimônio próprio, o qual, salvo em casos excepcionais, não se mistura com o de seus sócios. É de se notar que o imóvel que constitui o estabelecimento da empresa não pertence aos sócios, mas sim à empresa, de modo que não há que se falar da transmissão desse imóvel, mas sim em transmissão das cotas da sociedade, de cujo ativo constam, entre outros bens e direitos, o imóvel do estabelecimento.
13.1. Assim, como a sociedade limitada tem personalidade jurídica e sua transmissão (antes de sua dissolução) corresponde necessariamente à transmissão de suas cotas, que são bens móveis por determinação legal, e, considerando ainda que o doador tem domicílio no Estado de São Paulo, é de se concluir que o ITCMD relativo à doação das cotas da sociedade limitada situada no Mato Grosso será devido ao Estado de São Paulo, nos termos do artigo 155, § 1º, II, da Constituição Federal de 1988, combinado com os artigos 83, III, do Código Civil, e 3º, inciso I, da Lei 10.705/2000.
14. Por fim, para a apuração do valor devido a este Estado, considera-se que a universalidade de bens, patrimônio do casal, foi dividida em partes iguais, tendo sido doada a parte excedente. O ITCMD incidente sobre a quota que excede o quinhão do cônjuge é calculado por:
Onde:
I = Valor do imposto a ser calculado
Aliq = Alíquota do imposto
QT = Quinhão Total que coube ao cônjuge donatário
qd = Quinhão atribuído ao cônjuge doador
Im = Valor dos bens imóveis localizados em São Paulo atribuídos ao donatário
M = valor dos bens móveis atribuídos ao donatário (se o cônjuge doador for domiciliado em São Paulo)
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.