ICMS – Restaurantes – Convênio entre empresas – Programa de descontos – Fornecimento de Refeição – Base de cálculo. I. Crédito obtido em programa de descontos, sem estar sujeito a qualquer condição, e utilizado como dedução do valor da operação, não se inclui na base de cálculo do imposto. II. O valor correspondente ao desconto incondicional deve constar expressamente no documento fiscal referente à operação.
ICMS – Restaurantes – Convênio entre empresas – Programa de descontos – Fornecimento de Refeição – Base de cálculo.
I. Crédito obtido em programa de descontos, sem estar sujeito a qualquer condição, e utilizado como dedução do valor da operação, não se inclui na base de cálculo do imposto.
II. O valor correspondente ao desconto incondicional deve constar expressamente no documento fiscal referente à operação.
Relato
1. A Consulente “representa sociedades empresárias que desenvolvem a atividade comercial de fornecimento de refeições e bebidas, tais como restaurantes, lanchonetes, bares e congêneres. Trata-se de Associação sem fins lucrativos que tem por objetivo precípuo a defesa dos interesses de seus associados.”
2. Informa que “os associados da Consulente pretendem se conveniar a programa de descontos que lhes fora oferecido que, em síntese, funciona do seguinte modo:
a) estabelecimentos comerciais de categorias diversas (restaurantes, frigoríficos, salões de beleza, clínicas de estética, lojas de eletrônicos, etc.) e consumidores se cadastram no programa, por meio de endereço eletrônico, o qual fornece dados pessoais e intransferíveis de acesso e gozo dos benefícios;
b) os consumidores, ao adquirirem e pagarem pelas aquisições de bens e serviços em estabelecimentos conveniados, recebem, em proporção idêntica ao montante que foi gasto em Reais, créditos que receberão nomenclatura fictícia (para esta consulta, consideraremos a denominação “AB”);
c) tais créditos proporcionam, em compras futuras nos estabelecimentos conveniados, descontos de até 50% nos preços das mercadorias ou serviços, os quais podem variar em função do dia e horário das aquisições, estimulando, assim, a redução do período de ociosidade dos estabelecimentos conveniados;
d) assim, por exemplo, parte do montante cobrado pelos estabelecimentos conveniados pode ser pago através de instrumentos monetários usuais (dinheiro) e a parte remanescente pode ser paga através de créditos “AB”, detidos pelo consumidor, de modo que, numa mesma operação, o consumidor poderá ter créditos “AB” creditados e debitados;
e) segundo as regras do programa, tais créditos são pessoais, intransferíveis, possuem validade de 30 (trinta) dias a partir da data da compra que os originaram e não podem ser utilizados no mesmo estabelecimento comercial onde foram originados;
f) a unidade de medida “AB”, embora equivalha ao Real em termos quantitativos, não é conversível em moeda corrente, servindo apenas como redução do valor pago em Reais aos estabelecimentos conveniados; e
g) os estabelecimentos conveniados devem pagar à empresa que desenvolveu o programa de créditos uma comissão, calculada sobre o montante recebido em Reais, a título de intermediação dos negócios”.
3. A seguir, dá um exemplo:
“04 Os estabelecimentos associados à Consulente e que se conveniarem ao programa de créditos permitirão que suas mercadorias e serviços sejam negociados, a consumidores também cadastrados no programa, por um preço líquido inferior ao que é costumeiramente cobrado para aqueles consumidores não cadastrados.
05. A título de exemplo, o estabelecimento associado à Consulente e conveniado ao programa de descontos “A” dispõe para venda um produto “B” pelo valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais). O consumidor conveniado “C” que possui 50 créditos “AB”, desejando adquirir este produto, poderá efetuar o pagamento de R$ 100,00 em dinheiro (ou qualquer outra forma de pagamento aceita pelo estabelecimento) e o saldo remanescente será quitado com os 50 “AB” de sua titularidade.
06. Ao adquirir este produto, ainda, serão debitados 50 “AB” da conta virtual do consumidor “C” e creditados 100 créditos “AB” nesta mesma conta, em função da paridade das moedas (cada “AB” equivale a R$ 1,00).
07. Estes 100 “AB” creditados na aquisição do produto “B” no estabelecimento “A” somente poderão ser gastos em compras realizadas em outros estabelecimentos conveniados.”
4. Após, a Consulente alega que “para o estabelecimento conveniado o pagamento de parte do preço do produto com os créditos “AB” não representa qualquer benefício econômico ou financeiro, seja ele presente ou futuro, uma vez que os créditos em questão não são conversíveis em Real ou em qualquer outra moeda circulante. Ou seja, os estabelecimentos conveniados não podem utilizar os créditos “AB” para adquirir produtos, assim como o fazem os consumidores associados. (...) Em outras palavras, os créditos “AB”, quando utilizados pelos consumidores em estabelecimentos conveniados, não são mais por estes aplicados em quaisquer operações, perdendo completamente suas funções, de modo que se distinguem do instrumento monetário padrão em razão da suspensão de sua circulação. (...) Dessa forma, a ausência da característica de livre circulação impede, de forma categórica, que os créditos “AB” sejam comparados ao instrumento monetário padrão brasileiro. É inadmissível, com isso, que o crédito em debate seja considerado como instrumento de pagamento com poder liberatório tal qual o Real”.
5. Então, a Consulente deduz o seguinte:
“14. Diante disso, entende a Consulente que o programa em questão se traduz num desconto oferecido pelo estabelecimento conveniado ao cliente que possua o referido crédito “AB”, assemelhando-se, assim, a qualquer outro desconto concedido aos consumidores.
15. Entende, ademais, que o desconto concedido pelos estabelecimentos conveniados é incondicional, uma vez que independe de qualquer condição, ou seja, não exige que o consumidor pratique qualquer ato subsequente ao de compra para fruição do benefício. Explica-se:
16. Condição é, de acordo com o Código Civil Brasileiro, a postergação dos efeitos de um negócio jurídico a um evento futuro e incerto. Desconto incondicionado, então, é aquele segundo o qual o estabelecimento vendedor confere ao comprador um desconto independentemente de qualquer evento futuro e incerto. O desconto é concedido, surte efeitos no momento da compra e não está sujeito a qualquer acontecimento futuro e incerto.
17. Esta é a exata realidade dos créditos “AB” concedidos pelo programa de descontos em discussão. O consumidor detentor dos créditos, ao adquirir mercadorias ou serviços em estabelecimentos conveniados, utiliza-os para redução do valor a pagar em moeda corrente independentemente de qualquer evento futuro e incerto. O desconto, aliás, também é conhecido no momento da compra, por meio de aplicativo que é baixado via internet e utilizado em aparelhos de telefonia móvel e tablets.
18. Entende ainda a Consulente que o cadastro no programa não é considerado uma condicionante ao desconto, haja vista que ocorre antes da concessão deste, ou seja, trata-se de evento passado à utilização dos créditos e, consequentemente, à fruição dos descontos.
19. Em outras palavras, quer-se dizer que, uma vez utilizados os créditos e auferidos os descontos, o estabelecimento não poderá, em nenhuma circunstância, suspender o benefício e cobrar, retroativamente, o consumidor.
20. Não obstante o saldo de créditos não utilizados possa ser cancelado (por decurso de prazo, por exemplo), nada pode ser feito em relação aos créditos já utilizados, comprovando-se novamente a incondicionalidade do desconto concedido.
21. Assim, tratando-se de desconto incondicionado, os associados da Consulente e conveniados ao programa de descontos poderiam excluir da base de cálculo do ICMS os valores em referência (“pagos” pelos consumidores com créditos “AB”).”
6. A Consulente transcreve o artigo 13 da Lei Complementar n°. 87/96 e o artigo 37 do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, aprovado pelo Decreto 45.490/2000, atestando que “os descontos incondicionais não integram a base de cálculo do referido tributo estadual” e que não há “incidência deste imposto sobre os valores concedidos a título de descontos incondicionais”. Ainda transcreve a Súmula nº457 do Superior Tribunal de Justiça: “Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS”.
7. Ainda entende que “os descontos concedidos pelos seus associados por intermédio do programa de descontos são classificados como “incondicionais” e que, por esta razão, tais valores podem ser deduzidos da base de cálculo do ICMS, posto que não integram o valor das operações mercantis praticadas pelos seus associados.”
8. Finalmente, faz a sua indagação:
“(i) Considerando que:
a) não obstante tenha sido criada uma “moeda” própria para fruição dos benefícios econômicos decorrentes do programa de descontos, os estabelecimentos conveniados não desfrutam do suposto poder liberatório dessa “moeda”, o qual é restrito para utilização pelos consumidores;
b) o preço líquido das mercadorias e serviços comercializados, após a imputação dos créditos detidos no programa, é quitado pelo consumidor através de instrumentos monetários ordinários, constituindo a diferença em desconto incondicionalmente concedido;
c) reforça a incondicionalidade deste desconto, o fato de que, uma vez utilizado e mesmo que o usuário seja descadastrado do programa, os créditos permanecem válidos e não haverá cancelamento dos créditos utilizados e nem mesmo cobrança retroativa por parte dos estabelecimentos conveniados;
(ii) Questiona a Consulente:
a) Poderão os associados da Consulente conveniados ao programa de descontos considerar os descontos concedidos aos consumidores associados ao programa como descontos incondicionais?
b) Sendo negativa a resposta à pergunta acima, qual a natureza dos descontos concedidos aos consumidores associados ao programa de descontos?
c) Sendo positiva a resposta à pergunta formulada no item “a” acima, com o reconhecimento da incondicionalidade dos descontos concedidos pelos estabelecimentos conveniados aos consumidores associados ao programa, poderão os associados da Consulente que se conveniarem ao programa de descontos (ou que já estejam conveniados) excluir da base de cálculo do ICMS os referidos valores, nos termos do artigo 13, da Lei Complementar nº 87/96, do artigo 37 do Decreto nº 45.490/00 (RICMS/SP) e da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça?”
Interpretação
9. Inicialmente, enfatize-se que o ICMS incide, entre outras hipóteses, na operação relativa à circulação de mercadorias, inclusive “o fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias em qualquer estabelecimento” (inciso II do artigo 2º do RICMS/2000; Lei Complementar federal 87/1996, artigo 12, II). E, conforme artigo 37, inciso II, do RICMS/2000, a base de cálculo do imposto, no fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias, realizado por qualquer estabelecimento, incluídos os serviços que lhe sejam inerentes, é o valor total da operação, compreendendo as mercadorias e os serviços (Lei Complementar federal 87/1996, artigo 13, II).
10. Por sua vez, o item 1 do § 1º do mesmo artigo 37 estabelece que estão incluídos, na base de cálculo do imposto, “os seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, descontos concedidos sob condição, bem como o valor de mercadorias dadas em bonificação.”
10.1. Como a redação do item 1 do § 1º do artigo 37 do RICMS/00 refere-se a descontos concedidos sob condição, infere-se, contrario sensu, que não se incluem na base de cálculo do ICMS os descontos concedidos incondicionalmente (item 4 da Decisão Normativa CAT – 04/2000), ou seja, aqueles que não se subordinam a nenhuma condição nem a eventos futuros e incertos, e , tampouco, se sujeitam ao talante de uma das partes do contrato após a sua concessão.
10.2. Dessa forma, o desconto concedido incondicionalmente é um valor deduzido do preço da mercadoria. Assim, na emissão do documento fiscal que acoberta a operação, o valor do desconto, desde que incondicional, deverá ser expressamente discriminado, sob pena de tipificar desconto condicional, e deduzido do valor da mercadoria, tendo em vista que este último não integra o valor da operação. Nesse sentido, ensina Hugo de Brito Machado: “Na base de cálculo, incluem-se as despesas recebidas do adquirente, ou a este debitadas, bem como os descontos condicionais a este concedidos, mas não se incluem os descontos incondicionais, porque evidentemente não integram estes o valor da operação” (g.n.).
10.3. Nesse mesmo sentido, a Secretaria da Receita Federal do Brasil entende que somente são considerados como descontos incondicionais as parcelas redutoras de preço de venda quando constarem da Nota Fiscal de venda de bens ou da fatura de serviços e não dependerem, para sua concessão, de evento posterior à emissão desses documentos (IN SRF nº. 51/1978).
11. Por seu lado, entende também esta Consultoria Tributária que os descontos ou abatimentos, concedidos na forma de valor, representam vantagem auferida pelo destinatário e não pelo contribuinte remetente e quando concedidos independentemente de condição, excluem-se da base de cálculo do imposto.
12. Posto isso, entende-se que o crédito utilizado é hipótese de desconto incondicional, cujo valor deve ser expresso no documento fiscal do fornecimento da refeição, e não se inclui na base de cálculo do ICMS referente à operação.
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.