Resolução CONAMA Nº 503 DE 14/12/2021


 Publicado no DOU em 16 dez 2021


Define critérios e procedimentos para o reúso em sistemas de fertirrigação de efluentes provenientes de indústrias de alimentos, bebidas, laticínios, frigoríficos e graxarias.


Consulta de PIS e COFINS

O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, no uso das competências que lhe são conferidas pelos arts. 6º, inciso II e 8º, inciso VII, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990 e suas alterações, tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, e

Considerando o que consta no Processo Administrativo nº 02000.002784/2020-98,

Resolve:

CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta Resolução estabelece critérios e procedimentos para o reúso em sistemas de fertirrigação de efluentes provenientes de indústrias de alimentos, bebidas, laticínios, frigoríficos e graxarias.

§ 1º O reúso de que trata esta Resolução deve ser realizado com o efluente estabilizado de acordo com os parâmetros e valores nela previstos.

§ 2º Esta Resolução não se aplica:

I - a efluentes de curtumes e de indústrias produtoras de etanol, açúcar e cachaça; e

II - aos fertilizantes utilizados para fertirrigação credenciados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

§ 3º Esta Resolução permite o reúso de efluentes industriais que não tenham passado por processos de estabilização para fertirrigação, desde que seja autorizado pelo órgão ambiental competente.

Art. 2º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:

I - Anotação de Responsabilidade Técnica (ART): instrumento que define, para efeitos legais, os responsáveis técnicos pela execução de obras ou prestação de serviço;

II - área degradada: toda área que, por ação natural ou antrópica, teve suas características originais alteradas, exigindo, assim, a intervenção do ser humano para sua recuperação;

III - efluente estabilizado: efluente que passa por processo de fermentação anaeróbia, oxidação aeróbia ou redução fotossintética, proporcionando a eliminação ou redução de odores, de DBO, de organismos patogênicos e da capacidade de putrefação de matéria orgânica;

IV - extrator de solução do solo: equipamento constituído de tubo de polivinil com uma cápsula microporosa em cerâmica na ponta, acoplado a uma câmara de pré-vácuo, utilizado para retirar amostras da solução do solo, segundo estudo da Embrapa - Montagem de extratores de solução do solo (2019);

V - fertirrigação: técnica de adubação que utiliza a água de irrigação ou efluentes para levar nutrientes ao solo, que compreende em aplicar qualquer elemento químico de interesse agronômico, sendo estes de origem orgânica ou inorgânica via água de irrigação;

VI - recuperação de área degradada: recuperação da integridade física, química e/ou biológica e da capacidade produtiva de uma área, seja para produção de alimentos e matérias-primas ou na prestação de serviços ambientais;

VII - Taxa de Aplicação do Efluente (TAE): quantidade de efluente estabilizado (m³) aplicada por unidade de área (hectare) e de tempo (ano), calculada com base nos critérios definidos nesta Resolução;

VIII - titular da autorização: pessoa física ou jurídica geradora do efluente autorizada pelo órgão ambiental competente no processo autorizativo para utilizar o efluente estabilizado em consonância com o projeto agronômico; e

IX - reúso: tecnologia que consiste no conjunto de procedimentos e técnicas com a finalidade de promover a reutilização de efluente estabilizado.

Art. 3º O reúso de efluentes em sistemas de fertirrigação será realizado mediante autorização emitida pelo órgão ambiental competente, devendo o titular da autorização apresentar o projeto agronômico, conforme art. 18 desta Resolução, com a respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

Parágrafo único. A pedido do requerente, o reúso de efluente em sistema de fertirrigação poderá constar na mesma licença ambiental emitida pelo órgão ambiental competente.

CAPÍTULO II DA CARACTERIZAÇÃO DO EFLUENTE A SER REUSADO EM SISTEMAS DE FERTIRRIGAÇÃO

Art. 4º A caracterização do efluente para reúso em sistemas de fertirrigação deve ser realizada antes da primeira aplicação e, após, anualmente, considerando-se estabilizado caso atenda aos seguintes parâmetros e valores máximos:

I - pH: entre 5 e 9;

II - óleos e graxas: óleos minerais: até 20 mg/L; óleos vegetais e gorduras animais: até 50 mg/L;

III - parâmetros e valores máximos estabelecidos na Resolução CONAMA nº 430, de 2011, art. 16, II, exceto aqueles de interesse agronômico quais sejam, Boro total, Cobre dissolvido, Ferro dissolvido, Manganês dissolvido, Nitrogênio amoniacal total e Zinco total.

§ 1º Para fins de balanço de massa, Razão de Adsorção de Sódio - RAS e Porcentagem de Sódio Trocável - PST, a caracterização do efluente deve abranger também os seguintes parâmetros: Na, P, K, Ca, Mg e Al.

§ 2º O uso de efluentes industriais com ou sem mistura com esgoto sanitário deverá ser precedido de análise microbiológica conforme a tabela a seguir:

Aplicação  Parâmetro  Valor Máximo Permitido (UFC ou NMP/100mL)  Frequência de Monitoramento 
Alimentos consumidos crus e cuja parte comestível tenha contato com o solo  E. Coli  1.000  bimestral 
Outras culturas e pastagens  E. Coli  10.000  trimestral

Art. 5º O efluente estabilizado que não se enquadrar nos limites e critérios definidos nesta Resolução deverá receber outra forma de tratamento ambientalmente adequado, observado o disposto no § 3º, do art. 1º.

CAPÍTULO III DA CARACTERIZAÇÃO E MONITORAMENTO DO SOLO

Art. 6º A caracterização do solo deve ser realizada antes da primeira aplicação e, após, anualmente, compreendendo:

I - análise de interesse agronômico: pH, condutividade elétrica, matéria orgânica, P, K, Ca, Mg, Al, S, Na, B, Cu, Fe, Zn, Mn, H+Al;

II - análise física: teores de areia, argila e silte; e

III - ensaio de infiltração de água no solo.

Art. 7º O titular da autorização deverá instalar 1 (uma) estação de monitoramento para cada 50 ha.

Parágrafo único. A estação de monitoramento a que se refere o caput deve compreender 3 (três) extratores de solução de solo considerando as profundidades: 0 - 30 cm; 30 - 60 cm; 60 - 90 cm, as quais poderão ser ajustadas, caso necessário, mediante justificativa técnica.

Art. 8º O responsável técnico deverá implementar medidas para manutenção ou redução de valores de TAE e realizar amostragens em intervalos menores, comunicando ao órgão ambiental competente nas seguintes condições, a que for mais restritiva:

I - caso a concentração dos elementos químicos referidos no inciso I, do art. 6º alcance a condição prevista no parágrafo único deste artigo para os valores previstos no projeto agronômico; ou

II - caso a concentração de cobre e zinco alcance 80% do Valor de Prevenção do solo estabelecido na Resolução CONAMA nº 420, de 28 de dezembro de 2009.

Parágrafo único. Para fins da verificação referida no inciso I do caput deste artigo, deverão ser considerados os valores constantes da tabela a seguir, não devendo ultrapassar 80% do valor máximo constante na classificação Alto:

(Fonte: Adaptado de VAN RAIJ et al., Boletim Técnico nº 100 - Recomendações de adubação e calagem para o Estado de São Paulo, 1996).

Art. 9º O titular da autorização deverá realizar monitoramentos adicionais do solo quando da ocorrência de alterações nos parâmetros de controle operacional do processo e alterações significativas das características do efluente gerado.

Parágrafo único. O titular da autorização poderá, mediante fundamentação técnica, requerer ao órgão ambiental competente a alteração de frequência de monitoramento do solo.

Art. 10. As análises de qualidade do efluente estabilizado e do solo, previstas nesta Resolução, serão de responsabilidade do titular da autorização, podendo ser utilizado laboratório próprio, conveniado ou subcontratado, desde que se comprove a existência de um sistema de gestão de qualidade laboratorial e atendimento a normas de qualidade laboratorial.

Art. 11. A aplicação de efluente estabilizado em solos deve ser interrompida nos locais em que forem verificados danos ambientais ou à saúde pública.

CAPÍTULO IV DAS RESTRIÇÕES E PERMISSÕES DE REÚSO DE EFLUENTES EM SISTEMAS DE FERTIRRIGAÇÃO

Art. 12. Quando o efluente estabilizado for aplicado em sistema de fertirrigação associado ao cultivo de alimentos consumidos crus e cuja parte comestível tenha contato com o solo, deverá ser observado o período de carência de 1 (um) mês entre a última aplicação e a colheita.

Art. 13. A restrição prevista no art. 12 não se aplica às seguintes situações:

I - produtos alimentícios que não têm contato com o solo;

II - produtos alimentícios que não são consumidos crus;

III - pastagens e forrageiras;

IV - produtos não alimentícios; e

V - sistema de fertirrigação associado a florestas plantadas, recuperação de solos e de áreas degradadas.

Art. 14. Fica autorizado o reúso de efluente estabilizado em sistema de fertirrigação de que trata esta Resolução em quaisquer culturas, para fins de pesquisa, bem como uso em solos para o cultivo de cortinas verdes, jardins e gramados, desde que cumpram os preceitos de segurança desta norma e demais legislações aplicáveis.

CAPÍTULO V DAS RESTRIÇÕES LOCACIONAIS PARA APLICAÇÃO DE EFLUENTES EM SISTEMAS DE FERTIRRIGAÇÃO

Art. 15. Fica permitida a aplicação do efluente estabilizado em sistema de fertirrigação em áreas degradadas e em áreas legalmente protegidas.

Parágrafo único. A permissão de que trata o caput não se aplica:

I - às Unidades de Conservação de Proteção Integral;

II - às Áreas de Preservação Permanente - APP de recursos hídricos delimitadas pelos incisos I, II, III, IV, VII e XI do art. 4º da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012;

III - em distância inferior a 100 metros de conjunto de residências e logradouros em área urbana, podendo este limite, a critério do órgão ambiental, ser ampliado quando as condições ambientais, incluindo as climáticas, usos do solo no entorno e formas de aplicação exigirem ou justificarem visando garantir que não ocorram incômodos à vizinhança, como odores.

Art. 16. Nas áreas onde houver o reúso de que trata esta Resolução, devem ser adotadas as medidas necessárias para evitar o carreamento de efluente estabilizado para os cursos hídricos.

Art. 17. O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá vedar a aplicação de efluente estabilizado em áreas específicas definidas como não adequadas.

CAPÍTULO VI DAS ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS E DAS CONDIÇÕES DE REÚSO DE EFLUENTES EM SISTEMAS DE FERTIRRIGAÇÃO

Art. 18. O reúso de efluentes em sistemas de fertirrigação deve ser obrigatoriamente condicionado à elaboração de projeto agronômico para as áreas de aplicação, firmado por profissional devidamente habilitado, que atenda aos critérios e procedimentos estabelecidos nesta Resolução.

§ 1º O projeto agronômico deve conter:

I - fundamentação técnica e científica;

II - princípio de extração de nutrientes (balanço de massa de macronutrientes);

III - valores de concentração dos elementos químicos referidos no inciso I, do art. 6º;

IV - projeto de irrigação e Taxa de Aplicação do Efluente (TAE);

V - caracterização do solo como receptor da fertirrigação, incluindo avaliação de aptidão da área de aplicação quanto à textura superficial, suscetibilidade à erosão, drenagem, ensaio de infiltração de água no solo, profundidade de solo e, para áreas com lençol freático com profundidade menor que 1,5m (um metro e meio), suscetibilidade de contaminação;

VI - cálculo da Razão de Adsorção de Sódio (RAS) e da Porcentagem de Sódio Trocável (PST), e, se necessário, cálculo da dose de gesso para correção de sódio, conforme os seguintes estudos da Embrapa: Recuperação de solos afetados por sódio através do uso de gesso (1986); Manual de métodos de análises de solo (1997) e Uso de gesso, calcário e adubos para pastagens no cerrado (2001) e sucedâneos;

VII - monitoramento do solo e da solução do solo para controle ambiental da fertirrigação;

VIII - frequência de monitoramento;

IX - método de amostragem para obtenção de amostras representativas de efluentes;

X - localização e planta topográfica da área de aplicação;

XI - descrição do procedimento de transporte do efluente estabilizado para as áreas de aplicação;

XII - identificação de eventuais áreas com restrições de uso, conforme art. 15;

XIII - identificação e assinatura do responsável técnico pelo projeto e do titular da autorização ou licença ambiental no caso previsto no parágrafo único do art. 3º; e

XIV - cálculo do balanço hídrico, conforme estudo da Embrapa - Requerimento de Água das Culturas (2002).

§ 2º O projeto, acompanhado da Anotação de Responsabilidade Técnica, deverá ser específico para cada área onde o efluente estabilizado será aplicado.

Art. 19. Os reservatórios de regularização de vazão e armazenamento de efluentes deverão ser impermeabilizados com camada de material geossintético ou com outra técnica de igual efeito, de forma a garantir um coeficiente de permeabilidade menor ou igual a 10 cm/s.

CAPÍTULO VII DA DETERMINAÇÃO DA TAXA DE APLICAÇÃO DO EFLUENTE (TAE)

Art. 20. A determinação da Taxa de Aplicação do Efluente (TAE) deverá ser realizada em função do balanço de massa, na condição de implantação, com definição da demanda de nutrientes para a cultura, mediante a produção esperada de Matéria Seca (MS) dentro do sistema de produção, observando os seguintes critérios:

I - total anual de Nitrogênio liberado pela fertirrigação deve ser menor ou igual ao Total de Nitrogênio

Exportado (TNE) na produção anual da cultura; e

II - o cálculo deverá ser realizado utilizando-se as equações 1, 2 e 3:

TNMSR = TMSP * 0,1 * 0,150

Eq. 1

TNE = NET - (Net*0,135) + TNMSR

Eq. 2

Onde:

TNE = Total de Nitrogênio Exportado pela cultura (kg de N/ha.ano);

TNMSR = Total de Nitrogênio na Matéria Seca Reciclada (kg de N/ha.ano);

NEt = Nitrogênio Extraído durante o ciclo da cultura (kg de N/ha.ano);

TMSP = Total de Matéria Seca Produzida pela cultura (t MS/ha.ano);

0,1 = Média da Massa Reciclada do Total de Matéria Seca Produzida por uma cultura;

0,135 = Índice de reciclagem do Nitrogênio com relação ao extraído pela cultura; e

0,150 = Índice de eficiência do Nitrogênio retido na Massa Reciclada do Total de Matéria Seca Produzida.

Onde:

TAE = Taxa de Aplicação do Efluente (m³/ha.ano);

TNAnálise = Teor de Nitrogênio na Análise do Efluente (kg de N/m³ do Efluente); e

IEAN = Índice de Eficiência Agronômica do Nitrogênio (0,80 a 0,92).

Art. 21. O cálculo da Razão de Adsorção de Sódio (RAS) e da Porcentagem de Sódio Trocável (PST) deverá ser realizado utilizando-se as equações 4 e 5, respectivamente:

Eq. 4

Onde:

RAS = Razão de Adsorção de Sódio, adimensional;

Na+ = Teor de Sódio, mmolc/dm³;

Ca2+ = Teor de Cálcio, mmolc/dm³;

Mg2+ = Teor de Magnésio, mmolc/dm³.

Onde:

PST = Porcentagem de Sódio Trocável

Na+ = Teor de Sódio, mmolc/dm³;

Ca2+ = Teor de Cálcio, mmolc/dm³;

Mg2+ = Teor de Magnésio, mmolc/dm³;

K+ = Teor de Potássio, mmolc/dm³;

H+ = Teor de Hidrogênio, mmolc/dm³; e

Al3+ = Teor de Alumínio, mmolc/dm³.

CAPÍTULO VIII DO TRANSPORTE

Art. 22. Os procedimentos de transporte do efluente estabilizado deverão ser descritos no projeto agronômico, ficando o transporte dispensado de autorização ou licença específica.

Art. 23. O titular da autorização deverá informar, imediatamente, aos órgãos competentes, quaisquer situações de desconformidade na condução do processo.

CAPÍTULO IX DAS RESPONSABILIDADES

Art. 24. São de responsabilidade do titular da autorização:

I - o processo de gerenciamento do reúso de efluentes em sistema de fertirrigação;

II - a garantia da qualidade do efluente estabilizado para fertirrigação;

III - utilizar o efluente estabilizado em consonância com o projeto agronômico e com os critérios de manuseio, estocagem, aplicação e prazo de garantia; e

IV - os monitoramentos do solo e da solução do solo, de forma a garantir que não haja degradação e contaminação do solo e das águas subterrâneas.

Art. 25. O responsável técnico deverá informar, imediatamente, ao órgão ambiental competente qualquer acidente durante a aplicação de que trata esta Resolução, que importe em seu despejo acidental no meio ambiente.

CAPÍTULO X DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 26. O órgão ambiental competente poderá solicitar, mediante motivação técnica, outros ensaios e análises não listados nesta Resolução.

Art. 27. Para fins de fiscalização, o titular da autorização deverá manter, em arquivo, todos os documentos referidos nesta Resolução, em especial os projetos agronômicos, relatórios e resultados de análises e monitoramento, conforme legislação em vigor.

Art. 28. Os sistemas de fertirrigação em operação terão prazo de 01 (um) ano a partir da data de publicação desta Resolução para realizar as adequações necessárias para o seu atendimento.

Art. 29. Esta Resolução entra em vigor em 23 de dezembro de 2021.

JOAQUIM ALVARO PEREIRA LEITE