ITCMD – Cisão parcial – Transferência de patrimônio para empresa cindida – Permuta de quotas societárias. I. Em regra, os negócios jurídicos que envolvem a reorganização societária (por incorporação, fusão ou cisão, ou outras) não são hipóteses de incidência previstas na legislação do ITCMD. II. A distribuição de quotas societárias de forma desproporcional por ocasião da cisão da empresa ou a assimetria na permuta de quotas após a cisão, sem a devida compensação pecuniária podem ensejar a incidência de ITCMD.
ITCMD – Cisão parcial – Transferência de patrimônio para empresa cindida – Permuta de quotas societárias.
I. Em regra, os negócios jurídicos que envolvem a reorganização societária (por incorporação, fusão ou cisão, ou outras) não são hipóteses de incidência previstas na legislação do ITCMD.
II. A distribuição de quotas societárias de forma desproporcional por ocasião da cisão da empresa ou a assimetria na permuta de quotas após a cisão, sem a devida compensação pecuniária podem ensejar a incidência de ITCMD.
Relato
1. A Consulente, localizada no Estado de Minas Gerais, que afirma ter como atividade principal a “compra e venda de imóveis próprios” (CNAE “68.10-2-01”), relata que a empresa “A” transferiu parte de seu patrimônio para a empresa “B” (Consulente), criada como resultado da cisão parcial da referida empresa “A”. Acrescenta que nessa operação houve a transferência de ativos e passivos da empresa “A” para a “B”, entre os quais, um imóvel situado em município paulista.
2. Informa que as duas empresas têm os sócios em comum e que houve a permuta de suas quotas como parte desse processo de restruturação empresarial.
3. Expõe que o Registro de Imóveis, em nota, sugeriu uma possível incidência do ITCMD nessa operação, indicando como fundamento a Resposta à Consulta Tributária nº 22070/2020, deste órgão consultivo.
4. Argumenta que não há previsão na legislação de incidência de ITCMD sobre a integralização de capital social, cisão, fusão ou incorporação de empresas. Informa, ainda, que a transferência do imóvel em questão, decorre da integralização de quotas do capital social da empresa cindida (“A”) em favor da empresa sucessora (“B”), a qual recebe todos os direitos e obrigações relacionados ao bem. Ademais, entende que, por se tratar de transferência de quotas de capital, não haveria que se falar em atualização do valor do bem.
5. Cita os artigos 35 a 37 do Código Tributário Nacional – CTN, os artigos 2º, 7º e 17 da Lei Estadual 10.705/2000 e o artigo 538 do Código Civil, como fundamento de seu entendimento de que na situação em questão não há incidência do ITCMD.
6. Diante do exposto, indaga se tal entendimento está correto.
7. Anexa cópia digital dos seguintes documentos: “Instrumento particular de permuta de participação societária e outras avenças – Contrato”, ”Ata de reunião para formalização de proposta de cisão parcial da empresa” e “4ª alteração contrato social”.
Interpretação
8. Inicialmente, tendo em vista o relato e os documentos apresentados, entende-se que a criação da empresa “B” (Consulente) resultou da cisão parcial da empresa “A”, a qual transferiu parcela do seu patrimônio nessa restruturação societária, de maneira que a Consulente é sucessora de direitos e obrigações da sociedade cindida (empresa “B”), incluindo o citado imóvel paulista. Consideramos também que a distribuição das quotas aos sócios na nova empresa (“B”) foi proporcional à sua participação na empresa cindida.
9. Ademais, em nosso entendimento o imóvel mencionado foi entregue à empresa “A” por ocasião da integralização do capital dessa empresa, sendo transferido agora para a empresa “B” (Consulente) no âmbito do processo de cisão parcial da empresa “A”, como já mencionado.
10. Desse modo, seja por não terem sido trazidas informações suficientes, seja por não ser objeto da consulta, não nos manifestaremos sobre a integralização do capital social da empresa “A” pela entrega do referido imóvel.
11. Isso posto, em nosso entendimento, a situação apresentada deve ser analisada na perspectiva da transferência do patrimônio entre as duas empresas e, especialmente, em relação à permuta de quotas sociais entre os sócios, como informado no relato, não sob o ponto de vista da integralização do imóvel especificamente.
12. Prosseguindo, convém esclarecer que, em regra, os negócios jurídicos que envolvem a reorganização societária (por incorporação, fusão ou cisão, ou outras) não são hipóteses de incidência previstas na legislação do ITCMD.
13. Todavia, o mesmo não pode, necessariamente, ser dito de eventual doação de bens, em decorrência de distribuição desproporcional de quotas aos sócios por ocasião da cisão ou na permuta de quotas societárias de forma assimétrica após a cisão, sem a devida contrapartida pecuniária.
14. Com efeito, o Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) incide sobre a transmissão de qualquer direito havido por doação, sujeitando-se a esse imposto a transmissão de qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia (artigo 2º, inciso II, artigo 3º, inciso I, ambos da Lei 10.705/2000).
15. Dito isso, cabe-nos registrar que, regra geral, a base de cálculo do ITCMD é o valor de mercado do bem ou direito transmitido (artigo 9º, caput e § 1º). Contudo, o artigo 14 da Lei 10.705/2000 estabelece que:
“Artigo 14 - No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.
§ 1º - À falta do valor de que trata este artigo, admitir-se-á o que for declarado pelo interessado, ressalvada a revisão do lançamento pela autoridade competente, nos termos do artigo 11.
§ 2º - O valor das ações representativas do capital de sociedades é determinado segundo a sua cotação média alcançada na Bolsa de Valores, na data da transmissão, ou na imediatamente anterior, quando não houver pregão ou quando a mesma não tiver sido negociada naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias. (Redação dada ao § 2º pelo inciso II do artigo 1º da Lei 10.922, de 21-12-2001; DOE 22-12-2001, efeitos a partir de 01-01-2002)
§ 3º - Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial.”
16. Da análise desse dispositivo, depreende-se que, mesmo aplicando-se o § 3º do artigo 14, o valor das quotas para apuração da base de cálculo, seria o mesmo do considerado no artigo 9º - o seu valor corrente de mercado - ou seja, a regra geral da base de cálculo do ITCMD.
16.1. Isso porque, de acordo com o “caput” do referido artigo 14, deve-se levar em conta para a apuração da base de cálculo dos bens móveis e direitos por ele abrangidos o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo. Os parágrafos 1º e 3º desse artigo admitem, e não impõem, modos diferentes para a apuração desse valor corrente de mercado – o valor que for declarado pelo interessado (§ 1º) ou o valor patrimonial (§ 3º).
16.2. Assim, mesmo aplicando-se o § 3º do artigo 14 ao presente caso, as quotas transmitidas devem, a priori, ser avaliadas conforme seu valor de mercado. O que pretendeu o legislador foi aproximar o máximo possível a base de cálculo do valor de mercado do bem ou direito transmitido, apenas admitindo outros critérios na dificuldade de se encontrar tal valor. Forçoso reconhecer, portanto, que o § 3º contém mera possibilidade, cuja adoção depende do consenso entre o Fisco e o contribuinte.
17. É importante ressaltar, também, a multiplicidade de variáveis envolvidas no cálculo de uma participação societária – cotação no mercado, expectativas de rentabilidade, relação custo/benefício, cenário econômico, análise setorial, entre outras – destacando-se o papel importante de informações não contábeis, sendo por demais simplista delimitar o valor de uma quota ou ação com base apenas no patrimônio líquido da empresa. A matéria envolve questões complexas, possuindo estreita ligação com problemas de economia, avaliação de ativos e análise de investimentos.
18. Nesse sentido, andou bem o legislador ao usar a expressão “admitir-se-á” no § 3º do artigo 14, tendo em vista a dificuldade na apuração do valor de mercado de quotas representativas do capital social de sociedades.
19. Ademais, como se não bastasse a infinidade de elementos necessários para se atribuir valor às participações societárias, o próprio elemento “valor patrimonial” não é conceito único, se dividindo em valor patrimonial contábil e valor patrimonial real. Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho ensina:
“Podem-se considerar duas modalidades de valor patrimonial: o contábil e o real. Nas duas, o divisor é o número de ações emitidas pela companhia, variando o dividendo. O valor patrimonial contábil tem por dividendo o patrimônio líqüido constantes das demonstrações financeiras ordinárias da sociedade anônima, quer dizer, aquelas que ela está obrigada a levantar ao término do exercício. O instrumento que, especificamente, contém a informação é o balanço. A medida do patrimônio líquido ostentada pelo balanço ordinário, contudo, não raras vezes, encontra-se defasada. O valor em reais atribuído a cada bem ou direito do ativo, bem assim a exata e atualizada mensuração do passivo podem não retratar, de forma adequada, a situação real do patrimônio da sociedade, ou seja, pode ser que, no mercado, os bens do patrimônio social, se fossem postos à venda, alcançassem preços diferentes, menores ou maiores, dos valores referidos na demonstração contábil. Dois são, basicamente, os motivos da defasagem: em primeiro lugar, com o passar do tempo, tende a oscilar o valor dos bens da sociedade, e nem sempre a oscilação é devidamente reavaliada e apropriada; em segundo, os critérios para classificar ou quantificar determinado fato contábil são, em parte, discutíveis. Desse modo, os dados constantes das demonstrações financeiras podem acabar tornando-se infiéis à realidade da companhia. O instrumento contábil perde, como se costuma dizer, a sua consistência, justificando-se a reavaliação dos ativos e a conferência dos lançamentos, com vistas à elaboração de novo balanço patrimonial. Trata-se de balanço de ‘determinação’, cujo objetivo é possibilitar o cálculo do valor patrimonial ‘real’ da ação” (Curso de direito comercial, v. 2 – São Paulo: Saraiva, 1999, p. 85-86).
20. Em consonância com esse raciocínio, o valor patrimonial mencionado no § 3º só pode ser o valor patrimonial real, que é o que mais se aproxima do valor de mercado.
21. Nesse sentido, concluímos que, para efeitos de cálculo do ITCMD, o valor a ser atribuído às quotas deve refletir o seu valor de mercado (conforme os artigos 9º e 14, “caput”), podendo ser admitido o valor patrimonial desde que se leve em conta o valor patrimonial real, ou seja, aquele que mais se aproxima do valor de mercado (valor com que referidas quotas de patrimônio seriam passíveis de ser negociadas no mercado – preço de venda).
22. Cabe registrar, ainda, que à “Fazenda” estará sempre reservado o direito de não concordar “com o valor declarado ou atribuído ao bem ou direito” e buscar, pelos meios que lhe são próprios, o correto valor de mercado do bem ou direito transmitido (de forma análoga ao artigo 11 da Lei 10.705/2000).
23. Feitas essas considerações, convém ressaltar que, no caso em tela, por existir a possibilidade de doação, deverá ser verificado se houve distribuição de quotas societárias de forma desproporcional por ocasião da cisão das empresas ou assimetria na permuta das quotas após a cisão, sem a devida compensação pecuniária. Essa análise deve ser feita adequadamente, levando em consideração a forma de avaliação explicitada nesta consulta, no que se refere a avaliação dos bens.
24. Tendo em vista que a consulta tributária é um instrumento para elucidação de dúvida pontual quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária estadual, na forma estabelecida pelos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000, combinados com o artigo 31-A da Lei 10.705/2000, fugindo à competência desta Consultoria Tributária a tarefa de verificar concretamente se os valores informados pelo contribuinte se aproximam do valor de mercado ou efetuar qualquer arbitramento, recomenda-se que a Consulente, caso tenha dúvidas a respeito da análise em questão, procure o Posto Fiscal, que tem competência para, sendo o caso, avaliar a correção dos valores atribuídos aos bens, observando o disposto na Portaria CAT 83/2020 (Sistema de Peticionamento Eletrônico – SIPET).
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.