Parecer GEOT/ECONOMIA Nº 5 DE 10/01/2024


 Publicado no DOE - GO em 10 jan 2024


Decreto Nº 10229/2023. Dúvidas sob a aferição da quota de consumo mensal de combustível das empresas de transporte coletivo.


Comercio Exterior

RELATÓRIO:

Versam os autos sobre consulta formulada pela (...) solicitando esclarecimentos sobre a aplicação do disposto no inciso CXLIII do art. 6º do Anexo IX do RCTE/GO.

O dispositivo foi alterado pelo Decreto nº 10.299/2023, dispondo que a operação interna com óleo diesel destinado a empresas de transporte coletivo é isenta de ICMS, no entanto, a isenção é limitada à quota de consumo mensal estabelecida para cada empresa pela AGR com base na média consumida nos últimos 12 (doze) meses. Anteriormente, a redação estipulava que o cálculo levaria em consideração a média dos últimos 6 (seis) meses.

Sinteticamente, a AGR levanta três relevantes questões para a operacionalização do dispositivo:

a) Para que seja realizado o levantamento e informado a média do consumo mensal dos últimos 12 meses à Secretaria de Estado da Economia até o dia 10 do último mês de cada ano, isto é, até dia 10 de dezembro de cada ano, qual seria o período de estudo de agora em diante?

b) A nova redação da alínea “a” não deixa claro como se daria a transição do estudo de 6 meses para o estudo de 12 meses, pois o estudo referente a 01 de julho a 31 de dezembro de 2022 seria aplicado no 1º semestre de 2023. Com a aprovação do decreto como ficaria a aplicação da quota referente ao segundo semestre de 2023, já que o estudo será anual? Só será possível o cumprimento do prazo estipulado pelo Decreto se as empresas do transporte coletivo da RMG e a CMTC/RedMob entregarem os dados para o estudo dentro do prazo a ser estipulado pela AGR.

c) Em decisão, o Conselho Regulador determinou à Gerência de Transportes a apuração dos dados apresentados pelas empresas relacionando-os aos dados da RedeMob Consórcio, quanto a quilometragem percorrida, verificado por rastreamento de sistema de GPS, por veículo utilizado na operação, integrantes da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos, separados por empresa e mensal, visando a realização de auditagem por esta Agência reguladora, o que demanda um prazo razoável para análise. Esta auditagem será mantida?

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO:

O foco desta análise é a interpretação do art. 6º, inciso CXLIII do Anexo IX do RCTE/GO, que foi modificado pelo Decreto nº 10.229 de 6 de março de 2023. Este artigo estabelece a isenção de ICMS para operações internas com óleo diesel destinadas a empresas de transporte coletivo em Goiás, sob condições específicas.

Assim dispõe a norma:

Art. 6º São isentos do ICMS:

(...)

CXLIII - a operação interna com óleo diesel destinada a empresa de transporte coletivo detentora de contrato de concessão celebrado com a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos - CMTC, ficando mantido o crédito e observado o seguinte:

a) a isenção é limitada à quota de consumo mensal estabelecida para cada empresa, apurada pela Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos - AGR, com base na média do consumo mensal dos últimos 12 (doze) meses, cujo resultado será comunicado oficialmente à Secretaria de Estado da Economia até o dia 10 do último mês de cada ano;

b) o valor correspondente à isenção do ICMS deve ser transferido para a empresa de transporte adquirente do combustível, mediante redução do seu preço;

c) será excluída do rol das beneficiárias a empresa que prestar informações inexatas para apurar a quota de consumo mensal ou que utilizar o combustível adquirido com a isenção em atividade fora da Rede Metropolitana de Transporte Coletivo – RMTC;

d) a utilização do benefício fica condicionada a celebração de Termo de Acordo de Regime Especial com a Secretaria de Estado da Fazenda, no qual serão estabelecidas as regras de utilização do benefício;

e) o Secretário de Estado da Fazenda fica autorizado a expedir os atos necessários à aplicação do benefício;

f) a fim de adequar as quotas mensais fixadas ao consumo efetivo ao longo dos meses, o uso dessas quotas pode ser compensado de modo que a média mensal de consumo, durante os 12 (doze) meses de vigência da quota utilizada, seja igual ou menor que a quota mensal fixada; e

g) a AGR pode aumentar ou reduzir a quota mensal de consumo fixada para cada empresa, mediante decisão fundamentada, a partir da identificação de situações que alterem o consumo de óleo diesel das empresas concessionárias de transporte coletivo em Goiás, devendo esta alteração ser comunicada à Secretaria de Estado da Economia em até 10 (dez) dias a partir de sua ocorrência;

A questão crucial reside na determinação do período específico de 12 meses que deverá ser utilizado como interstício temporal para a apuração e quantificação da quota mensal de consumo. A indagação afigura-se revelevante, posto que emerge a incerteza sobre se este período abrange os 12 meses imediatamente antecedentes a dezembro ou um lapso temporal distinto, anterior à apuração realizada pela Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR).

Cediço que na interpretação da norma revela-se primordial a aplicação dos princípios de hermenêutica jurídica, especialmente os da razoabilidade e da praticabilidade. Tais princípios direcionam que as leis sejam interpretadas e aplicadas para atingir resultados que sejam justos, eficazes e exequíveis, contemplando o contexto específico de sua aplicação. A doutrina jurídica, ao reconhecer a importância de considerar as circunstâncias reais e as consequências práticas da aplicação das normas, assegura que a interpretação evite impor obrigações irrealistas ou inviáveis, possibilitando uma implementação efetiva sem criar encargos desproporcionais.

A propósito, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro orienta em seu artigo 20 que:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

O Decreto nº 10.229, de 06 de março de 2023, alterou significativamente o texto normativo, modificando o período de referência para o cálculo da quota de consumo mensal de óleo diesel, passando de seis para doze meses. Essa mudança legislativa levanta questionamentos acerca do prazo para que a AGR comunique à Secretaria da Economia o valor da quota mensal estipulada para cada empresa, após a devida apuração, estabelecendo que tal comunicação ocorra até o dia 10 do mês de dezembro de cada ano.

Consequentemente, surge a dúvida sobre qual o intervalo de 12 meses a norma se refere: os últimos 12 meses anteriores ao mês de dezembro ou os 12 meses que antecedem a apuração efetuada pelo órgão regulador?

Na busca pela interpretação mais adequada de determinada norma, a doutrina jurídica frequentemente enfatiza a importância da aplicabilidade das normas no contexto real. Leis e regulamentos devem ser adaptáveis às circunstâncias práticas e às consequências de sua implementação. De acordo com o princípio da praticabilidade, as normas jurídicas devem ser viáveis e levar em conta as realidades concretas, evitando impor obrigações ou restrições impraticáveis ou impossíveis. A praticabilidade garante que as normas sejam implementadas de forma eficaz, sem gerar encargos desproporcionais ou inviáveis.

Esses princípios são essenciais para evitar uma aplicação rígida e inflexível da lei, que pode resultar em desfechos injustos ou ilógicos, conduzindo a indesejáveis distorções e desvirtuamentos não almejados pelo legislador. Por essa razão, a solução que se apresenta adequada no caso concreto é considerar que o período de doze meses, referido pela norma para que a AGR calcule a quota de combustíveis mensal de cada empresa, é o imediatamente anterior ao da apuração levada a efeito pela AGR.

Como salientado pelo auditor fiscal (...), no documento SEI (...), o intervalo temporal para que a AGR operacionalize o cálculo da quota mensal deve ser razoável, pois envolve I) coleta de dados, II) auditagem das informações fornecidas pelas empresas de transporte público, III) confronto com os dados da RedeMob Consórcio, realizado por rastreamento do sistema GPS, e IV) disponibilização das informações para a Secretaria da Economia, sendo extremamente exíguo o prazo de dez dias para todo esse trabalho.

Além disso, configura ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade exigir que a Agência Goiana de Regulação apresente os dados à Secretaria da Economia em prazo tão exíguo. Tal exigência pode levar a resultados imperfeitos, incorretos e distorcidos, com consequências danosas ao interesse público, uma vez que a pressa pode comprometer a qualidade e a precisão das informações, contrariando os objetivos da eficácia e eficiência esperados nos processos regulatórios.

Diante da ausência de definição de um prazo razoável estipulado na legislação para que a AGR operacionalize os procedimentos necessários após a coleta de dados, a Gerência de Orientação Tributária manifesta o entendimento de que o período de doze meses a ser considerado para o cálculo da quota de consumo mensal de cada empresa deve ser o imediatamente anterior ao início dos procedimentos de apuração pela AGR. Nesse caso, a AGR, baseada nas práticas administrativas, deve exigir das empresas de transporte coletivo os dados necessários para verificação da quota mensal em tempo hábil de modo a lhe possibilitar entregar o relatório para a Secretaria da Economia até o dia 10 de dezembro de cada ano.

A título de exemplo, supondo que a AGR necessite de sessenta dias para coletar, comparar e auditar os dados fornecidos pelas empresas, o período considerado para o cálculo da quota mensal será os 12 meses imediatamente anteriores a esses sessenta dias.

Quanto ao segundo questionamento (item b), tendo em vista que o Decreto nº 10.229/2023 entrou em vigor no dia 06 de março de 2023, estabelecendo que a quota mensal deveria ser calculada com base nos últimos 12 meses, para o primeiro semestre de 2023 deve ser adotada a quota mensal já estipulada nos termos da redação anterior. Tão logo definidas novas quotas, com base nos últimos 12 meses, e comunicadas à Secretaria da Economia, estas devem ser adotadas até o fim do exercício de 2023, repetindo-se o procedimento para definição das quotas a vigorarem durante todo o exercício de 2024.

A terceira questão, a respeito da auditagem realizada pela AGR, entende-se que a decisão de manter a auditagem das quotas informadas pelas empresas é tecnicamente embasada em princípios de interesse público e transparência na gestão dos serviços de transporte coletivo. A comparação e análise dos dados fornecidos pelas empresas com os dados obtidos através do rastreamento por GPS são cruciais para garantir a veracidade, autenticidade e precisão das informações sobre a quilometragem percorrida por cada veículo. Esta ação é fundamental para assegurar que não haja informações imprecisas de modo a permitir uma quota de consumo de combustível maior do que o necessário para a prestação do serviço de transporte coletivo de passageiros.

Alfim, é essencial estabelecer o início do prazo de vigência das cotas de consumo mensal definidas pela AGR. Visto que o aproveitamento do benefício está vinculado à assinatura de um Termo de Acordo de Regime Especial com a Secretaria da Economia, a solução mais apropriada seria que esse Termo determinasse a data inicial para o gozo do benefício. No entanto, levando em consideração que o objetivo principal da isenção mencionada no art. 6º, inciso CXLIII, do Anexo IX,  é diminuir o custo final da tarifa de transporte coletivo, e que a alínea “b” do mesmo dispositivo legal estipula que o valor da isenção seja repassado à empresa de transporte, que adquire o combustível com a redução do seu preço, torna-se evidente que o fornecedor de combustível deve, no momento da venda, deter todas as informações necessárias para calcular a quantidade de combustível que pode ser fornecida com isenção de ICMS a cada transportador. Dessa forma, o mais apropriado é que a quota definida pela AGR deve começar a contar a partir do momento em que estas informações são disponibilizadas aos fornecedores das empresas transportadoras.

Além disso, a quota fixada pela AGR deve vigorar por um período determinado de doze meses, cabendo ao órgão regulador programar-se para calcular novas quotas e informá-las até o dia 10 de dezembro à Secretaria da Economia.
Por derradeiro, cumpre salientar que, no que tange à atualização das quotas, eventual inação da Agência Goiana de Regulação não pode ser utilizada como justificativa para obstar o gozo do benefício. Neste caso, até que sejam atualizadas, as quotas do período anterior devem permanecer vigentes.

CONCLUSÃO:

Com base nos argumentos constantes da fundamentação acima expendida, esta Gerência de Orientação Tributária conclui que a apuração das quotas de consumo mensal deve ser feita levando em consideração o período dos últimos doze meses antecedentes à apuração efetuada pela Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR). Tal decisão está alinhada com os princípios hermenêuticos de razoabilidade, eficiência e praticabilidade, assegurando a aplicabilidade efetiva e justa da normativa em questão.

Quanto à transição do período de estudo, relativamente ao ano de 2023, aplicar-se-á a quota mensal determinada conforme a legislação precedente. Com a nova apuração baseada na média de consumo dos últimos doze meses e sua subsequente comunicação à Secretaria da Economia, esta passará a ser aplicável até o término do exercício de 2023, estabelecendo-se um padrão semelhante para o ano subsequente, de 2024.

Acerca da manutenção da auditagem pela AGR, reafirma-se a decisão pela continuidade da auditagem das quotas de consumo, em conformidade com os princípios de interesse público e transparência administrativa. Essa medida é imprescindível para a validação da fidedignidade das informações relativas à quilometragem percorrida pelos veículos e, por conseguinte, do consumo apropriado de óleo diesel.

No que tange à determinação do início do prazo de vigência das quotas, o termo "a quo" das quotas de consumo mensal estabelecidas pela AGR deve ser contado a partir da disponibilização das informações pertinentes aos fornecedores de combustível. Esta medida assegura que os fornecedores estejam devidamente munidos das informações necessárias para a correta aplicação da isenção do ICMS.

Finalizando, sobre a perenidade e atualização das quotas, a norma determina que a quota fixada pela AGR tenha um período de vigência de doze meses, incumbindo ao órgão regulador a preparação e comunicação de novas quotas à Secretaria da Economia até o dia 10 de dezembro de cada ano. Importante realçar que em caso de eventual inércia da AGR na atualização das quotas, as quotas anteriormente estipuladas deverão permanecer vigentes até que se implemente sua atualização.

É o parecer.

GOIANIA, 10 de janeiro de 2024.

HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual