Parecer ECONOMIA/GEOT Nº 35 DE 27/02/2024


 Publicado no DOE - GO em 27 fev 2024


Recurso contra o indeferimento de pedido de restituição. Autoridade incompetente. ADC 49.


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RELATÓRIO:

Trata-se de recurso interposto pela (...) , em face da decisão pelo indeferimento da restituição referente ao processo (...).

Para melhor entendimento do assunto, convém rememorar os processos pretéritos que deram origem ao presente recurso.

Por meio do processo nº l(...), a requerente solicitou a restituição do ICMS pago referente a diversas transferências interestaduais entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica realizadas entre setembro de 2013 e maio de 2015. O valor requerido na época foi de R$ 802.366,98 (oitocentos e dois mil, trezentos e sessenta e seis reais e noventa e oito centavos).

O Parecer nº 12/2022-GEST, ratificado pelo Despacho 1415/2022-GEST, opinou pelo indeferimento do pedido.

Irresignada a requerente interpôs recurso, autuado no processo nº 202200004068194. Por meio do Parecer nº 8/2023-GEST, ratificado pelo Despacho nº 1380/2023-GAB, a Administração manifestou-se novamente pelo indeferimento.

Inconformada com a nova decisão, outro recurso foi interposto e autuado no processo nº (...). A recorrente alegou, dentre outros argumentos, que a autoridade que proferiu o Despacho nº 1380/2023-GAB é incompetente nos termos do art. 56, §1º, da lei nº 13800/2001. Portanto, o despacho seria nulo.

A Administração manifestou-se pelo indeferimento do recurso por meio do Despacho nº 2652/2023-GAB.

Dessa decisão, mais um recurso foi interposto, autuado sob o no processo nº (...), o qual passa-se a analisar.

É o sucinto relatório.

FUNDAMENTAÇÃO:

De início, em relação à questão da incompetência da autoridade que proferiu o Despacho nº 1380/2023-GAB, no processo nº (...), é importante destacar que, segundo a lei nº 13.800/2001, art. 13, a decisão de recursos administrativos não pode ser delegada. Explicitando:

Art. 13 - Não podem ser objeto de delegação:

I - Revogado;

II - a decisão de recursos administrativos;

Os procedimentos para restituições de tributos são apreciados pela Superintendência de Política Tributária e, no caso do IPVA, pela Superintendência de Controle e Fiscalização, conforme estabelecido no art. 51, inciso IV, e art. 56, inciso IX, do Decreto nº 9.585/2019:

Art. 51. Compete à Superintendência de Política Tributária:

(...)

IV - deliberar sobre processos de restituição de indébito tributário, exceto IPVA;

(...)

...............

Art. 56. Compete à Superintendência de Controle e Fiscalização:

(...)

IX - deliberar sobre pedidos de restituição de indébito tributário e recursos relativos a reconhecimento de desoneração de IPVA;

Além disso, a Portaria nº 130/2023 da Secretaria da Economia, repetindo o teor das Portarias anteriores, delegou a atribuição de autorizar os pedidos de restituição ao Superintendente de Política Tributária.

Caso deferido o pedido de restituição pela Superintendência de Política Tributária, caberia à Secretária-Adjunta da Economia autorizar o pagamento (Portaria nº 196/2023).

No que diz respeito aos recursos, o tema é tratado pelo art. 56 da lei nº 13.800/2001, o qual determina que os recursos deverão ser dirigidos a quem proferiu a decisão e, caso não haja reconsideração em cinco dias, o recurso deve ser encaminhado de ofício à autoridade superior.

Art. 56 - Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 1o - O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.

§ 2o - Salvo exigência legal, a oposição de recurso administrativo independe de caução.

Assim, assiste razão à recorrente quando alega que o Despacho nº 2.652/23-GAB foi exarado por autoridade incompetente. Tendo em vista que o recurso anterior, protocolizado pelo processo nº (...), teve o indeferimento manifestado por meio do Despacho 1.380/23-GAB do Superintendente de Política Tributária, o recurso contra esse despacho, caso não reconsiderado pela SPT, deveria ter sido submetido à deliberação da Subsecretaria da Receita Estadual. Não obstante, o processo foi novamente indeferido pela Superintendência de Política Tributária (Despacho 2652/23-GAB contido no processo nº (...)), o que torna o ato praticado nulo de pleno direito.

Passando ao exame do mérito, no que tange ao argumento central apresentado pela requerente, enfocando a não aplicabilidade da incidência tributária nas operações de transferência de bens e mercadorias realizadas entre estabelecimentos situados em diferentes estados, é importante rememorar o que o Supremo Tribunal Federal decidiu no bojo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49/RN.

Conforme estabelecido na ADC nº 49, o STF determinou que a transferência de bens ou mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não constitui fato gerador do ICMS. A Corte Suprema, diante do acolhimento parcial dos embargos de declaração, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos termos do voto do ministro Edson Fachin, para que a decisão somente passe a ter eficácia em 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais que estavam pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento do acórdão que analisou o mérito do tema (04/05/2021). Vejamos a ementa:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS- ICMS. TRANSFERÊNCIAS DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENETOS DA MESMA PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO ICMS . MANUTENÇÃO DO DIREITO DE CREDITAMENTO. (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA AUTONOMIA DO ESTABELECIMENTO PARA FINS DE COBRANÇA. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA DECISÃO. OMISSÃO. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Uma vez firmada a jurisprudência da Corte no sentido da inconstitucionalidade da incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica (Tema 1099, RG) inequívoca decisão do acórdão proferido. 2. O reconhecimento da inconstitucionalidade da pretensão arrecadatória dos estados nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica não corresponde a não-incidência prevista no art. 155, § 2º, II, ao que mantido o direito de creditamento do contribuinte. 3. Em presentes razões de segurança jurídica e interesse social (art. 27 , da Lei 9868 /1999) justificável a modulação dos efeitos temporais da decisão para o exercício financeiro de 2024 ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito. Exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos. 4. Embargos declaratórios conhecidos e parcialmente providos para a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11 , § 3º , II , da Lei Complementar nº 87 /1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.

Ao ser instada pelo requerente, a Administração identificou que o requerente, na maioria das transferências, classificou erroneamente os itens como material de uso e consumo, sob o CFOP 6557, deixando de se valer dos créditos conforme a proporção estabelecida no art. 46, §4º do RCTE/GO, o qual trata da possibilidade de apropriação do crédito relativo ao ativo imobilizado.

Durante as diversas manifestações, a Administração, provocada pelo requerente, verificou que a empresa realizou a maioria das transferências classificando-a, incorretamente, como material de uso e consumo, CFOP 6557, quando o correto seria apropriar-se dos créditos na proporção determinada no art. 46, §4º do RCTE/GO. Dessa forma, a ação correta seria corrigir os registros e solicitar o crédito extemporâneo na escrituração fiscal do Ativo Imobilizado (CIAP/Bloco "G" da EFD), tal como feito em outras entradas de itens similares, de acordo com o Parecer nº 8/2023-GEST, emitido em 31/05/2023.

Essa manifestação foi proferida em 31/05/2023, momento em que ainda estava pendente de julgamento os embargos de declaração na ADC nº 49/RN, cujo resultado somente foi publicado em 15/08/2023. Com a modulação dos efeitos pelo STF, explicitando a ressalva dos processos administrativos pendentes em 04/05/2021, a situação apresentada pelo requerente deve ser analisada sob nova perspectiva.

Cediço que atualmente as legislações tributárias internas, dos Entes Federados, não podem considerar as transferências entre estabelecimentos do mesmo proprietário como fatos geradores do ICMS, conforme estabelecem  o Convênio Confaz nº 178/2023 e a LC nº 204/2023. A propósito, no Estado de Goiás foi publicada em 25/03/2024 a Lei n.º 22.575/2024, que disciplina a inocorrência do fato gerador do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

Nesse cenário, as transferências realizadas pelo requerente, mesmo que erroneamente classificadas no CFOP 6557 como material de uso e consumo, não deveriam, ordinariamente, ter sido submetidas à incidência do ICMS.

Todavia, não se pode olvidar que, durante o período em que as transferências foram operacionalizadas (setembro de 2013 a maio de 2015), a legislação tributária considerava tais operações como hipótese de incidência do imposto. No entanto, devido à modulação de efeitos pelo STF, apenas as empresas que ajuizaram processo judicial ou administrativo até 04/05/2021 não podem ser atingidas pelos efeitos prospectivos da decisão do STF. Faz-se imperativo, portanto, definir a que processos administrativos o STF se referiu no aludido aresto.

Embora o Supremo Tribunal Federal não declare expressamente a quais processos administrativos está fazendo menção, o contexto deixa claro que os processos ressalvados da modulação de efeitos são os processos administrativos de lançamento em que se discutia a incidência da exação tributária sobre as transferências operadas entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, não abrangendo, consequentemente, questões supervenientes à extinção da relação jurídico-tributária subjacente à obrigação tributária, como eventuais pedidos de repetição de indébitos, em situações nas quais o contribuinte optou pela extinção do crédito tributário mediante o pagamento, efetuado sem sujeição a protesto ou qualquer insurgência e, posteriormente, manifesta arrependimento.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal foi estruturada nesse sentido argumentativo, como é possível verificarmos no seguinte trecho, em que se divisa os contribuintes em dois grupos: de um lado os que efetuaram o pagamento para possibilitar a transferência de créditos e do outro os contribuintes que eclodiram demandas administrativas e judiciais:

11. (...) muitos contribuintes efetuaram o pagamento, sobretudo para possibilitar a transferência de créditos entre seus estabelecimentos, sem o risco de virem a ser anulados os relativos às operações anteriores, com base no art. 155, § 2º, II, b, da CF/1988. Outros contribuintes, diversamente, iniciaram demandas administrativas e judiciais, pretendendo afastar a referida cobrança. Esse cenário se protraiu no tempo e atingiu um estágio em que os Estados e alguns contribuintes buscam a modulação dos efeitos da decisão de mérito, com a atribuição de eficácia prospectiva. Procura-se, desse modo, conferir prazo aos Estados para adaptar a legislação ao entendimento consolidado nesta ação, sem prejuízo das deliberações no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), especialmente para viabilizar a aludida transferência de créditos entre estabelecimentos de mesmo titular.

Percebe-se que ao fazer menção a demandas administrativas e judiciais, o Pretório Excelso está se referindo a processos cujo objetivo foi no sentido de afastar a incidência do ICMS nas transferências. Apenas esses processos inaugurados com esse propósito foram ressalvados na modulação de efeitos. A decisão do STF, portanto, não resguarda os contribuintes inseridos no primeiro grupo, que efetuaram espontaneamente o pagamento do imposto exigido, à luz da norma de incidência então vigente e, em consequência, extinguiram a obrigação tributária e o crédito tributário constituído, daí decorrente.

Isso ocorre porque, na essência da decisão de modulação dos efeitos pelo STF, o foco está em delimitar a aplicabilidade de uma determinada interpretação ou regra jurídica a situações específicas, visando a estabilizar o entendimento jurídico e prevenir consequências negativas que uma alteração abrupta poderia trazer ao ordenamento jurídico e à segurança jurídica dos cidadãos.

Os processos de repetição de indébitos tributários, como se sabe, concernem especificamente à devolução de valores pagos a mais ou indevidamente por contribuintes à Fazenda Pública. Eles são regidos por normas específicas que estabelecem os procedimentos para a solicitação e o processamento dessas restituições, independente de questões constitucionais que poderiam ser objeto de modulação pelo STF.

No contexto do Direito das Obrigações, a realização do pagamento é um dos modos de extinção das obrigações, conforme estipulado pelo Código Civil. Quando o pagamento é efetuado pelo devedor ao credor, há a satisfação da prestação devida, resultando na extinção da obrigação. Esta lógica é igualmente aplicável às obrigações tributárias, onde o pagamento do tributo devido pelo contribuinte à Fazenda Pública extingue a obrigação tributária e, por conseguinte, o crédito tributário.

A extinção da obrigação tributária é efetivada juntamente com o crédito tributário, o qual se dá pelo pagamento, conforme previsão do Código Tributário Nacional (CTN), especificamente no artigo 156, inciso I, que enumera o pagamento como a primeira das causas de extinção do crédito tributário. Nesse sentido, o ato de pagar o tributo devido não apenas satisfaz a obrigação específica, mas também encerra a relação jurídico-tributária existente entre o contribuinte e o Estado, como é expresso o art. 113 do CTN:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

..................

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I - o pagamento;

Portanto, ao pleitear a restituição do indébito tributário, o contribuinte invoca uma relação jurídica que, embora conectada ao universo tributário, opera sob premissas e fundamentos jurídicos próprios, distintos daqueles que foram objeto de deliberação pela ADC nº 49. Esta compreensão é essencial para assegurar a correta aplicação dos princípios tributários e a efetiva proteção dos direitos dos contribuintes.

CONCLUSÃO:

Com base nos argumentos expostos, levando em consideração a análise detalhada das normas e da jurisprudência pertinentes, em especial a interpretação do art. 113, §1º, do CTN e o entendimento firmado pelo STF na ADC nº 49/RN, a Gerência de Orientação Tributária se manifesta no sentido de que os processos administrativos de repetição de indébito tributário não se enquadram na categoria dos processos administrativos de lançamento ressalvados pela modulação dos efeitos estabelecida pela Suprema Corte. A natureza desses processos, que surgem após a extinção da obrigação tributária pelo pagamento, delineia um contorno jurídico que os distingue das situações contempladas nos processos que visam o reconhecimento da não ocorrência do fato gerador e da relação jurídica obrigacional que se estabelece entre o sujeito ativo - Estado de Goiás - e o sujeito passivo. Portanto, a situação concreta submetida a análise não é ressalvada pela decisão do STF, o que torna a repetição dos valores pleiteados indevida.

É nesse sentido que nos manifestamos.

Encaminhe-se à Subsecretaria da Receita Estadual para providências pertinentes, com nossa sugestão de indeferimento do pedido de restituição deduzido na exordial.

GOIANIA, 27 de fevereiro de 2024.

HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual