Parecer ECONOMIA/GEOT Nº 47 DE 08/03/2023


 Publicado no DOE - GO em 8 mar 2023


Mudança de entendimento. Utilitários. Art. 93, IV CTE.


Consulta de PIS e COFINS

RELATÓRIO:

(...) solicita solução de dúvidas acerca do correto enquadramento dos veículos do tipo caminhonete e camionetas no art. 93 do Código Tributário do Estado de Goiás, definindo qual alíquota seria a eles aplicada.

O cerne da questão trazida a lume se concentra na correta definição de veículos utilitários, se nesta categoria estariam incluídas as camionetas, as caminhonetes e outras picapes, como o veículo Ford/F250, GM/Silverado e Dodge/Ram.

Outra dúvida levantada, por meio do Despacho nº 519/2023, é a categorização do veículo conhecido por “motor-casa”, ou “motorhome”.

Por fim, resta solucionar como serão aplicadas as novas interpretações que eventualmente tenham impacto tributário.

Sinteticamente, é o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO:

O art. 96 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei 9.503/1997, classifica os veículos quanto à espécie em sete tipos: de passageiros, de carga, misto, de competição, de tração, especial e de coleção. Dentre os mistos, a lei subdivide os veículos em camionetas, utilitários e outros, claramente separando veículos utilitários de camionetas. Mister, portanto, é a distinção entre tais espécies de veículos.

Lei 9.503/1997

Art. 96. Os veículos classificam-se em:

(...)

II - quanto à espécie:

(...)

b) de carga:

(...)

5 - caminhonete;

(...)

c) misto:

1 - camioneta;

2 - utilitário;

3 - outros;

(...)

O Anexo I do CTB, que trata sobre conceitos e definições utilizados no código, define veículo misto como sendo os destinados ao transporte simultâneo de carga e passageiros. Define também camioneta como o veículo misto destinado ao transporte de passageiros e carga no mesmo compartimento. Utilitário é definido apenas como veículo misto caracterizado pela versatilidade do seu uso, inclusive fora de estrada.

Com essas sucintas definições, o CTB é insuficiente para distinguir utilitários de camionetas.

Historicamente, o termo utilitário começou a ser utilizado no início do século XX nos Estados Unidos da América. Na época, veículos destinados ao transporte de pessoas, mas que também contavam com espaço para transporte de cargas, inclusive com a remoção dos bancos, eram designados pelo termo “SubUrban Vehicle”, ou SUV. Mais tarde a sigla foi adaptada para designar os veículos utilitários esportivos (“Sport Utility Vehicle”).

Atualmente, o mercado divide os veículos utilitários em dois tipos principais: os tradicionais e os leves (utilitários esportivos).

Veículos utilitários tradicionais seriam os que possuem amplo espaço para transporte de cargas, mas que também levam em consideração o conforto e segurança dos passageiros. Já os utilitários esportivos focam mais no conforto dos passageiros, apesar de possuírem amplo espaço para carga.

Quanto às caminhonetes e às camionetas, até o advento da lei 9.503/1997 eram termos sinônimos. Com a lei, caminhonete passou a ser espécie de veículo de carga (ao lado de caminhões), ao passo que camioneta foi classificada pelo legislador como sendo da espécie mista.

Na definição do código, caminhonete é o “veículo destinado ao transporte de carga com peso bruto total de até três mil e quinhentos quilogramas”. Vê-se, pois, que o código diferenciou as caminhonetes das camionetas.

A Portaria nº 21/2016 do Departamento Nacional de Trânsito, DENATRAN, estabelece regras para que um veículo seja classificado como utilitário. Assim, em que pese algumas montadoras definirem, para fins de publicidade, alguns veículos como utilitário, somente serão assim considerados, oficialmente, se satisfizerem os requisitos previstos na portaria do DENATRAN.

A distinção de caminhonetes, camionetas e utilitários é evidenciada pela Portaria nº 681/2020 do DENATRAN, quando esta, no anexo I, lista dentre os tipos de veículos tais categorias em itens separados. Para o Denatran, os veículos possuem os seguintes tipos: ciclomotor, motoneta, triciclo, automóvel, micro-ônibus, ônibus, reboque, semirreboque, camioneta, caminhão, caminhão trator, Tr rodas, Tr esteiras, Tr Misto, quadriciclo, chassi plataforma, caminhonete, utilitário e motor-casa.

A conclusão é de que os veículos do tipo caminhonete não se confundem com as camionetas e tampouco com os utilitários.

O tratamento tributário dispensado para a matéria imprescinde da análise do artigo 93 do Código Tributário do Estado de Goiás, Lei nº 11.651/1991.

Antes da alteração levada a efeito pela lei nº 14.634/2003, o dispositivo tinha a seguinte redação:

Art. 93. As alíquotas do IPVA são:

I - 1,25% (um inteiro e vinte e cinco centésimos por cento) para ônibus, microônibus, caminhão, veículos aéreos e aquáticos utilizados no transporte coletivo de passageiros e de carga, isolada ou conjuntamente;

II - 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para motocicleta, ciclomotor, triciclo, quadriciclo, motoneta e automóvel de passeio com potência até 100 cv;

III - 3,12% (três inteiros e doze centésimos por cento) para os utilitários não especificados no inciso IV;

IV - 3,75% (três inteiros e setenta e cinco centésimos por cento) para veículo terrestre de passeio, jipe, picape e camioneta com cabine fechada ou dupla, veículo aéreo, veículo aquático e demais veículos não especificados.

Da análise do aspecto textual da norma, é possível observar que alguns veículos utilitários eram tributados com uma alíquota de 3,12% e outros com alíquota de 3,75%. De todo modo, o inciso IV do art. 93 já nos direcionava ao entendimento de que a alíquota de 3,75% era aplicada apenas a algumas espécies de veículos utilitários, sendo regra geral que aos utilitários fosse aplicada a alíquota de 3,12%.

Cabe ressalvar que a listagem de alguns veículos na redação anterior do inciso IV não significa que tais veículos eram necessariamente utilitários.

A exposição de motivos nº 229/03-GSF, concernente à lei nº 14.634/03, que alterou os incisos III e IV do art. 93 do Código Tributário estadual, assim consignou:

“inciso III e IV do art. 93 – alterações nos dispositivos para uniformizar a tributação dos utilitários em 3.45% (três inteiros e quarenta e cinco centésimos por cento), em razão das dificuldades de ordem prática trazidas pela previsão da tributação dos veículos automotores utilitários em dois incisos. Assim, alguns utilitários terão carga tributária aumentada de 3,12% (três inteiros e doze centésimos por cento) para 3,45% (três inteiros e quarenta e cinco centésimos por cento) enquanto outros terão carga tributária diminuída de 3,75% (três inteiros e setenta e cinco por cento) para 3,45% (três inteiros e quarenta e cinco centésimos por cento)”.

Vê-se que a intenção do legislador foi uniformizar a tributação dos veículos utilitários, submetendo todos à alíquota de 3,45%, não sendo possível inferir, das razões explicitadas, que os veículos exemplificados na redação anterior do inciso IV eram utilitários (jipe, picape e camioneta). Ademais, a classificação de um veículo como utilitário segue regras rígidas, estabelecidas objetivamente pelo Denatran, de forma que os conceitos não podem ser entendidos como jurídicos ou mesmo indeterminados.

Como dito, a modificação proposta pela lei nº 14.634/03 definiu a alíquota de 3,45% para todos os utilitários:

Art. 93. As alíquotas do IPVA são:

I - 1,25% (um inteiro e vinte e cinco centésimos por cento) para ônibus, microônibus, caminhão, veículos aéreos e aquáticos utilizados no transporte coletivo de passageiros e de carga, isolada ou conjuntamente;

II - 3% (três por cento) para motocicleta, ciclomotor, triciclo, quadriciclo, motoneta e automóvel de passeio com potência até 100cv;

III - 3,45% (três inteiros e quarenta e cinco centésimos por cento) para os veículos utilitários;

IV - 3,75% (três inteiros e setenta e cinco centésimos por cento) para veículo terrestre de passeio, veículo aéreo, veículo aquático e demais veículos não especificados.

A nova redação evitou o enquadramento específico das picapes, jipes e camionetas, o que levou a um entendimento da Administração Fazendária de que tais veículos seriam utilitários e tiveram a alíquota reduzida de 3,75% para 3,45%.

Tal entendimento, adotado desde o advento da lei nº 14.634/2003, merece uma nova análise.

Forte no princípio da autotutela administrativa, a Administração Pública tem o poder-dever de controlar seus próprios atos, revendo-os quando houverem sido praticados com alguma ilegalidade ou mesmo quando julgar conveniente e oportuno.

Neste sentido, é a lição de José dos Santos Carvalho Filho: “a autotutela envolve dois aspectos quanto à atuação administrativa: 1) aspectos de legalidade, em relação aos quais a Administração, de ofício, procede à revisão de atos ilegais; e 2) aspectos de mérito, em que reexamina atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de sua manutenção ou desfazimento”.

A mudança no enquadramento das caminhonetes (picapes) e camionetas implicará a elas a sujeição a uma alíquota de 3,75%, em vez de 3,45%, elevando a carga tributária.

Fulcrada no art. 146 do Código Tributário Nacional, no princípio fundamental da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, a modificação nos critérios jurídicos adotados pela administração pública não pode retroagir para alcançar fatos geradores passados relativos ao mesmo sujeito passivo.

Assim, os comportamentos adotados pelo Estado, em virtude da presunção de legitimidade, geram no particular a confiança de que são atos legais. Logo, o administrado não pode ser prejudicado caso esse ato seja desfeito já que, de boa-fé, confiou que eram legítimos.

Doutrinariamente chamado de “erro de direito”, a intepretação formalizada pelo Fisco no lançamento torna-se imutável.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ratifica esse entendimento. No Resp 259.057/RJ, a Corte considerou impossível que a municipalidade alterasse de forma retroativa os critérios para classificação das atividades dos imóveis, aumentando o valor do IPTU incidente:

Não pode o Município do Rio de Janeiro, unilateralmente, alterar a classificação das unidades dos hotéis-residência, mudando-a de imóveis residenciais para comerciais, para efeito de incidência de IPTU. Inexiste legislação federal que discipline a incidência de IPTU sobre apart-hotel ou unidades de hotel-residência. Dessa forma, ofendidos os arts. 142, 145, 146 e 149 do CTN, a Turma deu provimento ao recurso. REsp 259.057-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 12/9/2000.

A doutrina nacional ampara esse entendimento, verbis:

"Enquanto o 'erro de fato' é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o 'erro de direito' é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta.

Assim constitui 'erro de fato', por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município 'X', mas estar consignado como tendo acontecido no Município 'Y' (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo).

'Erro de direito', por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva." (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário - Linguagem e Método", 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, págs. 445⁄446)

"O erro de fato ou erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha equivocada de um módulo normativo inservível ou não mais aplicável à regência da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios jurídicos (art. 146, do CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Significa que tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa, mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos geradores posteriores à alteração." (Sacha Calmon Navarro Coêlho, in "Curso de Direito Tributário Brasileiro", 10ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, pág. 708)

"O comando dispõe sobre a apreciação de fato não conhecido ou não provado à época do lançamento anterior. Diz-se que este lançamento teria sido perpetrado com erro de fato, ou seja, defeito que não depende de interpretação normativa para sua verificação. Frise-se que não se trata de qualquer 'fato', mas aquele que não foi considerado por puro desconhecimento de sua existência. Não é, portanto, aquele fato, já de conhecimento do Fisco, em sua inteireza, e, por reputá-lo despido de relevância, tenha-o deixado de lado, no momento do lançamento. Se o Fisco passa, em momento ulterior, a dar a um fato conhecido uma 'relevância jurídica', a qual não lhe havia dado, em momento pretérito, não será caso de apreciação de fato novo, mas de pura modificação do critério jurídico adotado no lançamento anterior, com fulcro no artigo 146, do CTN, (...).

Neste art. 146, do CTN, prevê-se um 'erro' de valoração jurídica do fato (o tal 'erro de direito'), que impõe a modificação quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua ocorrência. Não perca de vista, aliás, que inexiste previsão de erro de direito, entre as hipóteses do art. 149, como causa permissiva de revisão de lançamento anterior." (Eduardo Sabbag, in "Manual de Direito Tributário", 1ª ed., Ed. Saraiva, pág. 707)

Desse modo, a mudança de interpretação, que passa a enquadrar caminhonetes (picapes) e camionetas no inciso IV do art. 93 do CTE, deixando de considerá-los veículos utilitários, deve ser realizada de forma prospectiva, não abarcando os lançamentos já realizados pela Administração Tributária.

Da mesma forma, os veículos conhecidos por "motor-casa" também não se confundem com utilitários. Considerando que tais veículos não são classificados como ônibus, micro-ônibus ou caminhão, resta classificá-los no inciso IV do art. 93 (outros veículos não especificados), sujeitando-os à alíquota de 3,75%.

CONCLUSÃO:

Com base na legislação tributária transcrita, a Gerência de Orientação Tributária, reinterpretando o art. 93 do CTE, entende que os veículos do tipo camioneta e caminhonete, bem como motorcasa, não são veículos utilitários, pois assim não são considerados pelo órgão técnico competente, o que implica a mudança de enquadramento desses veículos para o inciso IV do art. 93, sujeitando-os à alíquota de IPVA de 3,75% (três inteiros e setenta e cinco centésimos por cento).

Quanto às picapes Dodge Ram, Ford F250 e GM Silverado, tendo em vista que a classificação desses veículos num ou noutro tipo foge ao escopo da análise deste setor, manifestamo-nos no sentido de que deve ser adotada a classificação proveniente do Denatran, que consta da base cadastral dos veículos.

A mudança de interpretação não deve atingir os lançamentos já realizados, devendo produzir efeitos "ex nunc", isto é, de forma prospectiva.

É o parecer.

GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA DO (A) SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, ao(s) 08 dia(s) do mês de março de 2023.