Consulta Nº 7 DE 05/02/2022


 


Gás Natural Renovável. Biogás. Biometano. Convênio ICMS 112/13. Autorizativo. Redução de Base de Cálculo: Requer Ato do Executivo Estadual


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RELATÓRIO.

O presente processo foi inicialmente protocolado na repartição fazendária de vinculação da empresa em 30/08/2019, em meio físico, e, posteriormente, digitalizado para ser inserido no Sistema Eletrônico de Informação (SEI), em 12/11/2021, por meio dos arquivos Processo FLS. 02-35 (24805539) e Processo FLS. 36-65 (24805686).

Em sua petição, a empresa supraqualificada - após informar ter por objeto principal a produção, processamento, distribuição e comercialização de gás natural, obtido através do aproveitamento do biogás, decorrente naturalmente da decomposição de resíduos de aterro sanitário, localizado no Município de Seropédica -, expõe o que segue.

Conforme artigo 47 do Livro IV do Regulamento do ICMS (RICMS/00), aprovado pelo Decreto n.º 27.427/00, com fundamento no Convênio ICMS 18/92, a base de cálculo do ICMS na saída interna de gás liquefeito de petróleo (GLP), de gás liquefeito derivado de gás natural (GLGN) e de gás natural é reduzida de forma que a carga tributária incidente resulte no percentual de 12% (doze por cento).

Posteriormente, foi editado o Convênio ICMS 112/13, que autorizou o Estado a conceder redução da base de cálculo do ICMS nas saídas internas com biogás e biometano, de tal forma que a carga tributária do imposto resulte na aplicação do percentual de 12% (doze por cento) sobre o valor da operação.

Não obstante a edição do Convênio ICMS 112/13, a redação do artigo 47 do Livro IV do RICMS/00 permaneceu contemplando somente o “gás natural”, conforme previsto originalmente no Convênio ICMS 18/92.

A consulente se reporta à consulta tributária respondida por esta Coordenadoria, internamente Consulta n.º 12/2019, por meio da qual divulgou seu entendimento de que o gás natural renovável (GNR) também estaria sujeito à redução de base de cálculo de forma que a carga tributária incidente resulte no percentual de 12% (doze por cento).

No entender da consulente, é acertado o entendimento manifestado na referida Consulta n.º 12/2019, considerando que:

(i) O Convênio ICMS 18/92 e o artigo 47 do Livro IV do RICMS/00 não fazem diferenciação entre o gás natural renovável e o não renovável;

(ii) Fazer tal distinção representaria verdadeiro retrocesso em matéria tributária e ambiental, já que privilegiaria o gás natural não renovável, que é um combustível fóssil decorrente da exploração das jazidas de petróleo, com mais poder poluente, e;

(iii) O Rio de Janeiro está autorizado a conceder redução de base de cálculo também ao biogás e ao biometano, na forma do Convênio ICMS 112/13.

Tendo em vista que a referida Consulta n.º 12/2019, embora sirva de diretriz para os demais contribuintes, somente produz efeitos entre as partes (auditores fiscais e contribuinte que formalizou a consulta), pretende a consulente obter esclarecimentos sobre sua interpretação sobre o tema. Para tal, entende necessário discorrer sobre a natureza e aplicação do GNR, na forma abaixo.

De acordo com a Resolução ANP n.º 41/2013:

(i) Gás natural é todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gasíferos, incluindo gases úmidos, secos, residuais e gases raros, e;

(ii) Gás natural veicular (GNV) é um combustível gasoso, cujo principal componente é o metano, tipicamente proveniente do gás natural ou do biometano (ou ainda da mistura de ambos), destinado ao uso veicular.

(iii) O gás natural produzido pela consulente, por sua vez, é classificado como renovável (GNR), nos termos da Política Estadual de Gás Natural Renovável no Estado, instituída pelo Decreto n.º 44.855/14, que define GNR como sendo “o gás resultante do processo de purificação do biogás oriundo da biodigestão anaeróbica de resíduos orgânicos provenientes de aterros sanitários, aterros controlados, produção agrícola, estações de tratamento de esgoto e de setores industriais”.

Segundo determinado na Resolução ANP n.º 685/2017, o “gás constituído essencialmente de metano, derivado da purificação do biogás” classifica-se como biometano.

Nesse sentido, a Nota Técnica da ANP n.º 132/2013 esclarece que:

O biogás é um “gás inflamável produzido a partir da digestão anaeróbica de matéria orgânica, gerando uma mistura composta principalmente de metano e dióxido de carbono”, sendo “uma fonte de energia renovável”, e, por essa razão, considerado um biocombustível;

O biometano é obtido do biogás por meio do enriquecimento no teor de metano e pela remoção das impurezas e “dependendo do grau de enriquecimento em metano”, “pode atender à especificação do gás natural”.

Prossegue seu relato esclarecendo que o biogás que adquire do aterrosanitário possui, em regra, uma mistura de hidrocarbonetos constituída essencialmente de metano, usualmente na proporção base de 50%, e outros hidrocarbonetos e gases combustíveis, além de gás carbônico, que perfazem a proporção restante e, durante o seu processamento, é submetido a processo de purificação a partir do qual é obtido o GNR, destinado à distribuição e revenda no Estado.

Esclarece também que, sob esse aspecto, o gás processado é classificado com biometano, conforme Resolução 746 e Despacho 1.331, que atende às especificações do gás natural e, portanto, pode ser utilizado para fins industriais, residenciais e como GNV.

Esclarece ainda que, nesse contexto, o GNR que produz é vendido tanto na forma original a indústrias locais, como na forma comprimida, como GNV a postos de combustíveis do Estado, tendo a mesma destinação do gás natural provenientes das jazidas de petróleo, mas, em substituição aos combustíveis fósseis, reconhecidamente prejudiciais ao meio ambiente, é uma forma alternativa sustentável de energia, classificado como biocombustível.

Enfim, considerando que o gás natural renovável e o não renovável possuem a mesma destinação final, e que, para incentivar o uso de combustíveis renováveis, o CONFAZ editou o Convênio ICMS 112/13, autorizando o Rio de Janeiro a aplicar a redução de base de cálculo do ICMS também às operações com biogás e biometano, na Consulta n.º 12/2019, a autoridade fiscal se manifestou pela equivalência de biogás e biometano ao gás natural, para fins de aplicação da redução da base de cálculo do ICMS nas saídas de gás natural renovável aduzido pele empresa consulente.

Assim, a consulente formula a presente consulta visando o esclarecimento desse órgão sobre a possibilidade de aplicar às suas operações o entendimento manifestado pela Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias, na resposta à Consulta n.º 12/2019.

A Consulta:

Em face do questionamento acima, requer o processamento da presente consulta aguardando confirmação por parte dessa Superintendência quanto ao entendimento da consulente:

A redução de base de cálculo do ICMS nas operações com gás de forma que a carga tributária do imposto resulte na aplicação do percentual de 12%, prevista no artigo 47 do Livro IV do RICMS/00 abrange a totalidade das operações internas com gás natural, independentemente de sua natureza renovável ou não, no pressuposto de que tal diferenciação se figura desnecessária, e;

A redução de base de cálculo nas operações internas de forma que a carga tributária do imposto resulte na aplicação do percentual de 12% é aplicável às saídas de biogás e biometano, conforme entendimento manifestado por esta d. Autoridade fiscal na Consulta 12.

O processo foi instruído com cópias digitalizadas que comprovam a habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da empresa, que se encontram no documento Procuração (fls. 11) e documentos de identificação (fls. 12/15) do arquivo Processo FLS. 02-35 (24805539). O pagamento da TSE está no arquivo Processo FLS. 36-65 (24805686), às fls. 58/60. O processo foi formalizado na SEFAZ/AUDFE04, que informou, em Despacho de 29/10/2019, às fls. 63: (i) a inexistência de qualquer ação fiscal
para a inscrição relativa ao estabelecimento do estabelecimento consulente;

(ii) que não se constatou qualquer autuação pendente de decisão final cujo fundamento esteja direta ou indiretamente à consulta formulada no presente processo.

ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO.

Tendo por fundamento central decisão anterior emanada desta Superintendência, é imperioso esclarecer que, no uso da atribuição conferida pelo inciso IV do artigo 34 do Anexo IV da Resolução SEFAZ n.º 48, de 18 de junho de 2019 -, a Superintendência de Tributação assentou em rever ex-officio a decisão proferida no processo de consulta SEI-04/079/000032/2019, que internamente recebeu o número 012/2019, a qual se reporta a consulente, sendo a mesma CANCELADA, em 30/08/2019, quando foi firmado novo entendimento sobre a matéria (a alteração ex-officio já se encontra no site da SEFAZ-RJ). Isto posto, passando aos fundamentos e à resposta em conformidade com o atual entendimento.

O inciso I do artigo 2º da Resolução ANP n.º 41/2007, dispõe que:

“Art. 2º- Para os fins desta Resolução, ficam estabelecidas as seguintes definições:

I - Gás Natural (GN) ou Gás: todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gasíferos, incluindo gases úmidos, secos,
residuais e gases raros;”.

Da mesma forma, o inciso XX do artigo 2º da Resolução ANP n.º 852/21 define gás natural ou gás como “todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos, cuja composição poderá conter gases úmidos, secos e residuais”.

De acordo com a definição da ANP, passada e presente, a expressão “gás natural” se refere ao gás convencional, de origem fóssil, fonte de energia não renovável.

Somente em 2005, com a edição da Lei Federal n.º 11.097/2005, acrescentando o inciso XII ao artigo 1º da Lei Federal n.º 9.478/1997, na esteira do crescimento da importância das fontes de energia renováveis, iniciou-se o incremento da participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional, entre eles o biogás.

Em sua formulação, a consulente esclarece que tem por objeto principal a produção, processamento, distribuição e comercialização de gás natural, “obtido através do aproveitamento do biogás, decorrente naturalmente da decomposição de resíduos de aterro sanitário”.

O artigo 2º da Resolução ANP n.º 685/2017, mencionado pela consulente, que estabelece as regras para aprovação do controle da qualidade e a especificação do biometano oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto destinado ao uso veicular e às instalações residenciais, industriais e comerciais a ser comercializado em todo o território nacional, contém as definições desse tipo de gás natural:

“Art. 2º - Para os fins desta Resolução ficam estabelecidas as seguintes definições:

I - Biogás: gás bruto obtido da decomposição biológica de resíduos orgânicos;

II - Biometano: gás constituído essencialmente de metano, derivado da purificação do Biogás;”.

No que tange ao ICMS, os §§ 1º e 2º do Convênio ICMS 112/13 definem biogás e biometano nos seguintes termos:

“§ 1º - Define-se como BIOGÁS o gás oriundo do processo de biodigestão anaeróbica de resíduos orgânicos, sobretudo, provenientes de produção agrícola e pecuária, aterros sanitários, estações de tratamento de efluentes, entre outras fontes geradoras e que seja composto majoritariamente de metano.

§ 2º - O biogás será considerado BIOMETANO quando sua composição e características físico-químicas forem compatíveis com a Resolução da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP nº 16/08, de 17 de junho de 2008”.

Assim, ao utilizar a expressão “gás natural”, o legislador está se referindo ao gás extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos; quando se refere ao gás oriundo do processo de biodigestão anaeróbica de resíduos orgânicos, utiliza os termos “biogás” ou “biometano”. Ou seja, sob a ótica do legislador tributário, a expressão “gás natural” não abrange os termos “biogás” ou “biometano”.

Com efeito, no tocante à tributação, com é de conhecimento da consulente, a carga tributária reduzida do ICMS nas operações com gás natural de petróleo e o biogás tem fundamento em convênios distintos, celebrados no âmbito do CONFAZ:

1 - Gás Natural de Petróleo: o Convênio ICMS 18/92 autoriza os estados nele relacionados a concederem redução da base de cálculo do ICMS de tal forma que a incidência do imposto resulte no percentual de 12% (doze por cento) nas saídas internas com gás natural. O ato foi ratificado pelo Decreto n.º 17.451/92, incorporado à legislação fluminense, primeiramente, pela Resolução SEEF n.º 2.130/1992, tendo sido posteriormente incluído no artigo 47 do Livro IV do RICMS/00. Àquela época o legislador estava claramente se referindo ao gás natural, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos.

2 - Biogás: nos termos do Convênio ICMS 112/13, autorização para que as unidades da Federação nele relacionadas concedam redução da base de cálculo do ICMS de forma que a incidência do imposto resulte no percentual de 12%. Todavia, até a presente data, esse convênio NÃO foi incorporado à legislação fluminense por ato do Poder Executivo, conforme prevê a Lei Complementar federal nº 24, de 7 de janeiro de 1975.

RESPOSTA.

Considerando que as interpretações exaradas por esta Superintendência de Tributação possuem fulcro no disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo os quais a interpretação de isenções e benefícios fiscais deve ser feita de forma literal e restritiva.

Considerando que, de acordo com a doutrina jurídica, a interpretação literal, imperiosa em se tratando de exclusão (total ou parcial) do crédito tributário, afasta a utilização da analogia, não cabendo neste caso ao intérprete da legislação buscar semelhanças de modo a se aplicar a um novo texto normativo.

Considerando que o Convênio ICMS 112/13 tem caráter autorizativo - que se traduz na faculdade que cada unidade da Federação tem em implementá-lo ou não, levando em consideração fatores variáveis diversos, tais como a conveniência e oportunidade, a critério da Administração Superior -, é entendimento da Superintendência de Tributação que a alíquota reduzida nele prevista somente poderá ser utilizada após sua incorporação, através da edição de ato próprio do Poder Executivo Estadual, inserindo o benefício à legislação tributária fluminense, cumprindo-se assim as normas da Lei Complementar federal n.º 24/75, bem como os requisitos e condições estabelecidos no artigo 14 da Lei Complementar federal n.º 101/00.

Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.