Obrigatoriedade de manifestação do destinatário na NF-E. Compra valor superior a r$ 100.000,00. Contribuinte alega possuir Imunidade tributária do ICMS.
RELATÓRIO
Trata-se de consulta tributária formulada pela empresa acima qualificada, sobre interpretação da aplicação da legislação tributária quanto a obrigatoriedade de manifestação do destinatário na NF-e para operações que tenham valor superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Na sua inicial (index 79464108), a consulente expõe, em síntese, o que segue:
A empresa é entidade de serviço social autônomo, voltada para a educação profissional e assistência social – instituída pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), com finalidade, dentre outras, de organizar e administrar escolas e cursos de aprendizagem e especialização na área comercial, os quais contribuem para o bem-estar social, conforme Decreto-Lei nº 8.621 e 8.622 de 1946; e Decreto nº 61.843/1967, artigos 1º a 3º.
Destaca que, conforme previsão da CRFB/88, a entidade se enquadra na hipótese de imunidade tributária do art. 195, § 7º, da CF/88, bem como na isenção fiscal prevista pelos art. 11 a 13 da Lei nº 2.613/55.
Alega que: “considerando o exposto acima, conclui-se que a Consulente por se tratar de entidade de educação e assistência social, é beneficiada pela imunidade tributária que afasta a necessidade de recolhimento de impostos sobre bens, rendas ou serviços. Ou seja, o Consulente não é contribuinte do ICMS”.
Ocorre que o art. 8, inciso II, do Anexo II da Resolução SEFAZ nº 720/2014, prevê obrigatoriedade de manifestação do destinatário para as aquisições de produtos com o valor da operação superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais)
Assim, declara que “em decorrência da imunidade tributária plenamente reconhecida, o objetivo da presente Consulta Tributária é esclarecer se a obrigatoriedade supramencionada, nas operações de ICMS que envolvem aquisições de produtos com valores superiores a R$ 100.000,00, se estende aos contribuintes que possuem imunidade tributária do ICMS, assim como, a necessidade do cumprimento das obrigações acessórias em “operações não realizadas”. ’
O processo está instruído com cópias de documentos (ID do procurador 79464108; procurações 79465610 e 79465611; Contrato Social 79465613 e 79465614) que comprovam que comprovam a habilitação do signatário da petição inicial, bem como comprovantes de pagamento da Taxa de Serviços Estaduais -TSE (79465616).
Consta ainda no processo, o Despacho 82324140 SEFAZ/AUDR 34.01, de 22/08/2024, informando, entre outros, que a petição está de acordo com o art. 11 do Decreto Estadual 2.473/79 e conclui que foram cumpridos os requisitos formais para o processo de consulta tributária.
Consta, ainda, no processo, o despacho 85196899SEFAZ/AUDRR 64.09 – Capital, de 10/10/2024, por meio do qual a Auditoria de fiscalização da consulente declara o que segue transcrito:
“Em consulta aos sistemas PLAFIS, AIC desta ARF para o contribuinte SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL – SENAC ARRJ, temos a informar:
1. - Não está sob ação fiscal.
2. - Não consta Auto de Infração, lavrado contra o contribuinte relacionado com Consulta formulada.
3. - Não consta Parcelamento contra o contribuinte.
4. - Foi apresentado o pagamento da taxa referente a consulta tributária (79465616.)”
Isto posto, consulta,
“Deve, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, ora consulente, entidade que goza de imunidade tributária reconhecida constitucionalmente pela Carta Magna de 1988, cumprir com as obrigações acessórias atinentes à operação de ICMS que envolvam valores de aquisição superiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como, qualquer outra obrigação acessória que envolva o ICMS que não é recolhido pelo Consulente em razão da imunidade tributária? ”
ANÁLISE E PARECER
Preliminarmente, destacamos que compete a esta Coordenadoria de Consultas Jurídico- Tributárias (CCJT) a interpretação da legislação tributária fluminense em tese, cabendo a verificação da adequação da norma ao caso concreto exclusivamente à autoridade fiscalizadora ou julgadora.
Assim como, não cabe à CCJT a verificação da veracidade dos fatos narrados, presumindo-se corretas as informações e documentos apresentados pela consulente.
Ainda de forma preliminar, cabe ressaltar que, na sua petição inicial, a consulente entende que goza de imunidade tributária, com base no § 7º do Art. 195 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), bem como isenção fiscal (do ICMS), conforme previsto nos artigos 11 a 13 da Lei nº 2.613/55.
Neste ponto, é importante reproduzir tais dispositivos legais mencionados, conforme segue:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
[...]
§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. ”
“LEI Nº 2.613, DE 23 DE SETEMBRO DE 1955.
Autoriza a União a criar uma Fundação denominada Serviço Social Rural.
[...]
Art 11. O S. S. R. é obrigado a elaborar anualmente um orçamento geral, cuja aprovação cabe ao Presidente da República, que englobe as previsões de receitas e as aplicações dos seus recursos e de remeter ao Tribunal de Contas no máximo até 31 de março do ano seguinte, as contas da gestão anual, acompanhadas de sucinto relatório do presidente, indicando os benefícios realizados.
Art 12. Os serviços e bens do S. S. R. gozam de ampla isenção fiscal como se fossem da própria União.
Art 13. O disposto nos arts. 11 e 12 desta lei se aplica ao Serviço Social da Indústria (SESI), ao Serviço Social do Comércio (SESC), ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) ”.
Destacamos
Da leitura dos dispositivos legais acima, verificamos que não há qualquer elemento que ampare a argumentação da consulente ao afirmar que a entidade goza de imunidade tributária. O mencionado § 7.º do Art. 195 da CF/88 apenas isenta a entidade de contribuição para a seguridade social.
Por outro lado, embora os artigos 11 a 13 da Lei nº 2.613/1955 determinem que a entidade goza de isenção fiscal como se fossem a própria União, entendemos que tais dispositivos não abonam a alegação de que a entidade possa gozar de ampla isenção tributária, em especial ao ICMS, em face nova Constituição Federal de 1988.
Neste sentido, destacamos as determinações da CF/88 relativas das limitações do poder de tributar conforme seu artigo 150, transcrito a seguir:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
[...]
b) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; ”
Destacamos
Conforme disposto na alínea "a", é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o PATRIMÔNIO, RENDA ou SERVIÇOS, uns dos outros. Por seu turno, conforme a alínea “c”, a mesma vedação de imposição de impostos (exclusivamente sobre patrimônio, renda e serviços), se estende às entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
Assim, em relação aos tributos ESTADUAIS, para a União e para as entidades de educação e de assistência social, a imunidade alcança somente o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITD) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que são tributos incidentes sobre patrimônio, não se estendendo, portanto, ao ICMS, por se tratar de imposto sobre consumo de mercadorias e/ou serviços específicos. Também não há, na legislação tributária estadual, qualquer previsão legal genérica de isenção do ICMS para tais entidades.
Portanto, se realizam operações caracterizadas como fato gerador do ICMS, as entidades de educação e de assistência social estarão sujeitas à incidência do imposto estadual e não podem alegar imunidade e/ou isenção tributária.
Feitas estas considerações iniciais, passamos a análise do caso em tela:
Conforme já exposto, o inciso III do § 1.º do Art. 8.º do Anexo II da Resolução SEFAZ nº 720/2014 prevê a obrigatoriedade de manifestação do destinatário, para as aquisições de produtos, discriminados na NF-e, com o valor da operação superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), conforme segue:
“Art. 8º Os eventos relacionados à NF-e estão arrolados no art. 24 do Anexo I do Livro VI do RICMS/00, sendo obrigatório o registro dos seguintes:[...]
II - pelo destinatário da NF-e, observado o disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo:
§ 1º A obrigatoriedade de que trata o inciso II do caput deste artigo aplica-se a toda NF-e que:
[...]
III - tenha valor de operação superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais) observado o disposto no § 5º deste artigo; ”
§ 2º O registro das situações de que trata o inciso II do caput deste artigo deverá ser realizado nos prazos previstos na Tabela 6 deste Anexo, contados da data de autorização de uso da NF-e.
[...]
§ 4º A manifestação do destinatário poderá ser realizada por meio do Manifestador Gratuito de NF-e, disponibilizado no Portal Nacional da NF-e.
Destacamos
Uma vez que não há qualquer ressalva ou exceção ao disposto no inciso III acima destacado, relativas ao destinatário da NF-e; da leitura literal do mencionado dispositivo legal, podemos concluir que a expressão “destinatário” da mercadoria se refere a qualquer pessoa jurídica ou física; contribuinte ou não do ICMS, envolvida ou relacionada com a operação/prestação descrita na NF-e.
Em outros termos, para valores de NF-e superiores R$ 100.000,00, a manifestação é obrigatória, independentemente da qualidade da pessoa e da atividade realizada pelo destinatário e do produto especificado na nota.
Adicionalmente, é importante destacar que a manifestação do destinatário, como o próprio nome sugere, permite que o destinatário se manifeste- sobre a sua participação comercial conforme o descrito na NF-e, emitida em seu nome, confirmando (ou não) as informações prestadas pelo seu fornecedor e emissor do respectivo documento fiscal. Tal procedimento trás, entre outros, os seguintes benefícios à operação: (i) maior visibilidade e confiabilidade; (ii) segurança jurídica (evita disputas relacionadas à veracidade/validade dos dados do documento); (iii) impede cancelamento indevido da NF-e; (iv) conformidade fiscal; (v) elimina assinatura manual de canhotos impressos (economia operacional e de papel).
Por fim, é importante ressaltar o disposto no artigo 15 do Anexo I do Livro VI do RICMS-RJ/00, aprovado pelo Decreto nº 27.427/00, conforme segue:
“Art. 15. O destinatário deverá manter a NF-e em arquivo digital sob sua guarda e responsabilidade, ainda que fora da empresa, pelo prazo estabelecido na legislação tributária para a guarda de documentos fiscais, disponibilizando-o à administração
tributária quando solicitado.
§ 1º O destinatário deverá verificar a validade e autenticidade da NF-e e a existência da respectiva autorização de uso.
§ 2º Caso o destinatário não seja contribuinte credenciado para a emissão de NF-e, alternativamente ao disposto no caput deste artigo, deverá ser mantido em arquivo o DANFE relativo à NF-e da operação, para apresentação à administração tributária, quando solicitado. ”
Destacamos
De acordo como o § 2º acima, caso o destinatário não seja contribuinte do ICMS credenciado para a emissão de NF-e, sua obrigação consiste em manter em arquivo o DANFE relativo à NF-e da operação, para apresentação à administração tributária, quando solicitado.
RESPOSTA
Pergunta: “Deve, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, ora consulente, entidade que goza de imunidade tributária reconhecida constitucionalmente pela Carta Magna de 1988, cumprir com as obrigações acessórias atinentes à operação de ICMS que envolvam valores de aquisição superiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como, qualquer outra obrigação acessória que envolva o ICMS que não é recolhido pelo Consulente em razão da imunidade tributária? ”
Resposta: Conforme exposto acima, com base no disposto na alínea “c” do inciso VI do Art. 150 da CF/88, entendemos que a consulente parte de uma premissa equivocada na alegação de que goza de imunidade (ou isenção) tributária. Desta maneira, o destinatário deve se manifestar nas operações de aquisição de mercadoria superiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais) discriminadas na que NF-e que ampara a operação; observando, no que couber, as determinações do Art. 8.º do Anexo II da Resolução SEFAZ nº 720/2014 c/c o Art. 15 do Anexo I do Livro VI do RICMS-RJ/00, aprovado pelo Decreto nº 27.427/00
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua validade e eficácia normativa e seus respectivos efeitos:
1. Em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou seja, editada norma superveniente dispondo de forma contrária;
2. Não atendendo às premissas neste processo expostas;
3. Caso sejam verificadas que as informações prestadas pela consulente neste processo não correspondam aos fatos reais ou foram prestadas de maneira incompleta, levando a um entendimento equivocado desta coordenadoria.
Nos termos do Art. 155 do Decreto nº 2.473/1997, da solução dada à presente consulta, cabe recurso voluntário, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da notificação de consulente.
Conforme determinação do §2º do Art. 37 da Resolução SEFAZ 37/2022 “as decisões emanadas no âmbito da Superintendência de Tributação, que causem grande impacto e repercussão geral, deverão ser previamente apreciadas pela Subsecretaria de Estado de Receita antes da produção de efetivos efeitos”. Desta maneira, sugerimos a submissão deste parecer ao Sr. Superintendente de Tributação para decisão de encaminhamento à Subsecretaria de Estado de Receita.
Ainda, se for o caso de concordância e anuência do Sr. Subsecretário de Receita com a resposta dada nesta consulta, sugiro o encaminhamento posterior do p.p. à Auditoria Fiscal Substituição Tributária – AFE 06 para que tome conhecimento da resposta, cientifique o consulente, assim como tome as providências cabíveis.