Imunidade do ICMS na importação de mercadorias realizadas por entidades beneficentes de assistência social, nos termos da alínea c do inciso VI do artigo 150 da CF/88 e do tema 342 do STF.
I. RELATÓRIO
A Consulente informa que é entidade beneficente de assistência social, sem fins lucrativos, que tem por finalidade: (i) o exercício da caridade e da misericórdia, para o socorro e a assistência aos enfermos, idosos, inválidos e desamparados; (ii) a manutenção de hospitais, sanatórios, asilos, escolas, creches e unidade afins para a formação da juventude; e (iii) a promoção do voluntariado, desempenhando tais atividades há mais de 100 anos.
Destaca-se, ainda, que, em razão de tais atividades, a mesma foi reconhecida pelas três esferas do Poder Público como Entidade de Assistência Social de Utilidade Pública (doc 37448455), bem como é detentora do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS (doc 37448457).
Considerando, portanto, que a Consulente se enquadra como entidade de assistência social sem fins lucrativos, seria a mesma imune a instituição de impostos sobre o seu patrimônio, sua renda e os serviços prestados, desde que estejam relacionados com as suas atividades essenciais, conforme previsto no art. 150, inc. VI, alínea ‘c’, §4º, da Constituição da República.
No exercício de sua atividade, a Consulente informa que realiza a importação de produtos hospitalares para o atendimento de seus pacientes em seus hospitais, e que tais produtos são incorporados ao seu patrimônio, sendo os mesmos utilizados para o desempenho das atividades fins da entidade.
Ocorre que, embora seja entidade imune à instituição de impostos sobre o seu patrimônio, no momento do desembaraço aduaneiro das importações, é exigido da Consulente o recolhimento do ICMS incidente sobre a operação. No mesmo linha, informa que o próprio RICMS/RJ prevê a exigência do imposto na importação de mercadorias e serviços, independentemente da qualificação do importador ou se o bem importado irá incorporar o patrimônio da pessoa jurídica:
"LIVRO XI - DA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS
Art. 1.º O ICMS incidente na importação de mercadoria ou bem, promovida por pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, mesmo sem habitualidade e ainda que se trate de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, será pago no momento do desembaraço aduaneiro, mediante DARJ, em separado para cada operação, código de receita 024-8."
No entanto, informa a Consulente que o Supremo Tribunal Federal já pacificou a matéria e, ao julgar o Tema 342 de repercussão geral, concluiu que o ICMS é abrangido pela imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea ‘c’, da Constituição Federal, na importação de mercadorias realizadas por entidades beneficentes na condição de contribuintes de direito, como é o caso da Consulente.
Veja-se:
"Recurso extraordinário. Repercussão geral. Imunidade do art. 150, inciso VI, alínea a, CF. Entidade beneficente de assistência social. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). (...) 5. À luz da jurisprudência consagrada na Corte, a imunidade tributária subjetiva (no caso do art. 150, VI, da Constituição Federal, em relação aos impostos) aplica-se ao ente beneficiário na condição de contribuinte de direito, sendo irrelevante, para resolver essa questão, investigar se o tributo repercute economicamente. (...) 7. A propósito, tal orientação alinha-se aos precedentes desta Corte no sentido de ser a imunidade tributária subjetiva constante do art. 150, VI, c, da Constituição aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprios. Essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento do beneplácito constitucional. O fato de também serem apontadas, costumeira e concomitantemente, como contribuintes de fato é irrelevante para a análise da controvérsia. Precedentes. (...). 9. Em relação ao tema nº 342 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet, fixa-se a seguinte tese: “A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido.” (RE 608872, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2017).
Desta forma, tendo em vista a imunidade prevista na Constituição Federal e o entendimento pacificado do STF, entende a Consulente que faz jus à imunidade do ICMS na importação de produtos hospitalares.
Isto posto, consulta:
1. A importação de produtos hospitalares por entidades beneficentes de assistência social está contemplada pela imunidade do ICMS, nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea ‘c’, da Constituição Federal?
2. Caso positivo, pergunta-se:
a) Qual o procedimento para realizar o pedido de reconhecimento de imunidade da Consulente perante a SEFAZ?
b) Quais os requisitos e documentos necessários para solicitação do reconhecimento da imunidade da Consulente pela SEFAZ?
c) O requerimento deve ser realizado a cada importação realizada pela Consulente?
d) Qual o prazo para a análise do reconhecimento da imunidade e liberação das mercadorias importadas, considerando que normalmente há urgência no desembaraço de equipamentos e insumos médicos?
II. ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
O processo encontra-se instruído com o original do DARJ de pagamento da TSE (doc 37448460), bem como cópia dos Atos Constitutivos da mesma (doc 37448453) e da procuração com os poderes necessários para representação no presente processo (docs 37448462).
Preliminarmente, cumpre observar que não compete a esta Coordenadoria se manifestar acerca de decisões judiciais, mas tão somente sobre a legislação tributária vigente. Nesse sentido, há disposição expressa da incidência do ICMS na importação de mercadoria do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade, conforme inciso I do parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 2657/96.
Além disso, de acordo com o artigo 152 do Decreto-lei nº 5/75, Código Tributário Estadual (CTE), “a isenção de imposto ou a imunidade ao mesmo não exonera o interessado de providenciar sua inscrição no órgão competente, ou de cumprir qualquer outra obrigação legal ou regulamentar relativa ao fato gerador".
Em assim sendo, independentemente da Consulente estar imune à incidência do imposto, está obrigado ao cumprimento dos trâmites relativos à exoneração das mercadorias ou bem importados e destinados a suas atividades.
Cumpre observar, por oportuno, que estão em vigor alguns Convênios ICMS, dentre os quais o nº 104/1989, que concede isenção do ICMS na importação por entidades beneficentes de assistência social, além de outros que abrangem produtos médico-hospitalares, podendo a Requerente observar eventual possibilidade de enquadramento, se for o caso.
III. CONCLUSÃO E RESPOSTA
O pedido de reconhecimento de imunidade do ICMS deve ser direcionado à Auditoria Fiscal Especializada de Comércio Exterior (AFE-02), a quem caberá decidir. A petição deve atender às normas dos artigos 10 a 14 do Decreto nº 2473/79, inclusive quanto a documentação necessária, nos termos do artigo 12 do citado Decreto. Ressalte-se ainda que nos termos do artigo 166 do citado decreto, no processo que versar sobre reconhecimento de isenção ou de imunidade, observar-se-á, no que for cabível, o procedimento estabelecido para a consulta. Assim, será devida Taxa de Serviços Estaduais (TSE).
Por fim, para cada operação de importação realizada deverá ser preenchida uma nova Guia para Liberação de Mercadoria Estrangeira sem Comprovação do Recolhimento do ICMS, devendo ser observado o prazo de 2 (dois) dias previsto pelo artigo 25 do Decreto º 2473/79, salvo disposição específica.