Obrigações acessórias nos trespasses de propriedade de estabelecimento fabril – Ativos, estoques, insumos.
A empresa consulente vem solicitar esclarecimentos desta Superintendência de Tributação acerca dos procedimentos associados ao trespasse de propriedade entre empresas do mesmo grupo econômico, em relação às obrigações acessórias para a transferência de mercadorias, estoque e bens do ativo.
O processo encontra-se instruído com cópias reprográficas que comprovam habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da empresa (fls. 13/16), bem como com cópia dos documentos referentes ao recolhimento da TSE – Taxa de Serviços Estaduais (fls. 32/33). O presente foi formalizado na GAC – Gerência de Atendimento ao Contribuinte, e encaminhado para a repartição de jurisdição, AFE 04 – Petróleo e Combustíveis, que informou, às fls. 35, a inexistência de ações fiscais e autuações relacionadas ao objeto da presente consulta.
Trata-se de Consulta Tributária de teor praticamente idêntico à formulada por outra empresa do mesmo grupo econômico, a IPIRANGA PRODUTOS DE PETRÓLEO S/A – IPP, cuja resposta tomou o nº de 074/2017 – Processo E-04/079/1528//2017. O caso concreto consiste no trespasse da propriedade de um estabelecimento fabril, com seus ativos, insumos, e estoques, da IPP (consulente anterior) para a IPIRANGA LUBRIFICANTES S/A – IPILUB, atual consulente, que anexou cópia da Consulta anterior, às fls. 26/31v. A consulente, na exposição e argumentação do seu entendimento, já incorporou as respostas da consulta anterior.
Isto posto, consulta, às fls. 11 e 12 (SIC):
“Por todo exposto, considerando o cenário acima descrito (transferência de estabelecimento fabril da IPP para a IPILUB em razão de contrato de trespasse), entende a Consulente que as formas corretas de efetivar as operações decorrentes da realização deste ato societária, sob o ponto de vista do cumprimento de obrigações tributárias acessórias, são as seguintes:
(i) emissão de notas fiscais pela IPP para a IPILUB a fim de acobertar as transferências dos volumes de produtos/mercadorias acabados; insumos; etc., bem como dos ativos fixos;
(ii) utilização do CFOP 5.928 quando da emissão das notas fiscais referentes à transferência do estoque e do CFOP 5.949 quando da emissão das notas fiscais referentes à transferência do ativo imobilizado;
(iii) desnecessidade de emissão de notas fiscais simbólicas nas operações de armazenagem e industrialização iniciadas pela IPP e terminadas pela IPILUB;
(iv) devolução dos ativos permanentes em posse de terceiros, em razão de comodatos, diretamente à IPILUB; e
(v) conclusão pela IPILUB, após a operação societária, das operações iniciadas pela IPP, com o devido registro fiscal.
Isto posto, pergunta:
1. Estão corretos os entendimentos das Consulentes?
2. Caso contrário, quais seriam os procedimentos corretos? E quais seriam os correspondentes embasamentos legais?”
Preliminarmente, esclarecemos que o objetivo das soluções de consulta tributária é esclarecer questões objetivas formuladas pelos consulentes acerca da interpretação de dispositivos específicos da legislação tributária do Estado do Rio de Janeiro, presumindo-se corretas as informações apresentadas pela consulente, sem questionar sua exatidão. As soluções de consulta não convalidam informações, interpretações, ações ou omissões aduzidas na consulta.
Considerando que a presente Consulta consiste na mesma situação concreta da Consulta anterior, e, apesar da ora consulente estar no papel da incorporadora, e não de “incorporada” como a consulente anterior, a resposta é a mesma, e reproduzimos abaixo, praticamente, todas as considerações efetuadas anteriormente. Entretanto, ressalvamos que, no papel de incorporadora, a consulente não vai emitir documentos fiscais para acobertar o trespasse, assim como também não faz sentido questionar qual CFOP deverá ser consignado nestes documentos fiscais. A consulente, na situação apresentada, receberá esses documentos fiscais, como destinatária das mercadorias, e deverá registrá-los no seu Livro de Entradas, com os CFOP, de entrada, correspondentes, sob seu ponto de vista. Ressalvamos também o uso da expressão “operações de transferência” em vários momentos da argumentação da consulente. Esclarecemos que operações de transferências, tributariamente, são exclusivamente entre filiais da mesma empresa. Na situação concreta ocorrerá a transferência da propriedade, mas a natureza das operações, a ser consignada nos documentos fiscais (que vierem a ser emitidos pela IPP) deve ser remessa (de ativo fixo, de mercadoria, etc.).
Não cabe a esta Superintendência verificar a exatidão das afirmações do contribuinte e tampouco confirmar a ocorrência dos fatos narrados, mas tão somente responder em tese as dúvidas apresentadas, passamos a analisar a legislação que trata da
responsabilidade tributária nos casos de sucessão empresarial e societária.
Preliminarmente, reproduzimos abaixo o artigo 132 e parte do artigo 133 do Código Tributário Nacional:
Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
Tendo em vista a não ocorrência do termo trespasse nos Códigos Civil e Tributário, reproduzimos agora parte da definição (ligeiramente editada) de trespasse encontrada no sítio da Wikipedia na Internet (pesquisa efetuada em 07/06/2017):
Trespasse é uma forma de contrato que tem por objetivo a transferência da titularidade de um estabelecimento comercial. Diz-se que ocorre o trespasse quando o estabelecimento deixa de fazer parte da propriedade de um empresário e passa para a propriedade de outro. Os artigos 1.144 a 1.147 do Código Civil Brasileiro, embora não mencionem expressamente o nome Formal do Contrato de Trespasse, indicam as peculiaridades do contrato. Não há conceituação legal do contrato de trespasse, sendo, portanto, destinada à Doutrina empresarial a função de sua denominação. As dívidas tributárias assumidas antes do trespasse são decorrentes dos fatos geradores e de responsabilidade exclusiva do comprador, se o alienante encerrar sua atividade empresarial após o contrato (art. 133 do CTN). Se o alienante continuar desempenhando atividade jurídica ou cessar por um prazo de 6 meses a atividade jurídica ele é o responsável principal e o comprador possui atividade subsidiaria. O adquirente recebe os créditos, se ele notificar o credor, sobre a compra do estabelecimento. O comprador assume o lugar do vendedor nos contratos comerciais assumidos pelo alienante, estando obrigado a cumprir todos eles. Salvo a locação do imóvel, que estará sujeito a aceitação do dono na substituição. Após o contrato de trespasse o vendedor não pode fazer concorrências com o comprador por um prazo de cinco anos, salvo se não estiver nada estipulado no contrato (art 1.147 do Código Civil Brasileiro).
Pelo relatado na petição não fica claro se o caso concreto é uma sucessão societária (artigo 132 do CTN) ou uma sucessão empresarial (artigo 133 do CTN), entretanto, este fato é irrelevante para o objeto da presente consulta, já que as respostas seriam idênticas. Segundo a consulente, um estabelecimento da empresa IPP será desmembrado (semelhante a uma cisão parcial), e alienado (incorporado) à empresa IPILUB, e outro(s) estabelecimento(s) manterá (ão) atividades fabris e/ou comerciais diversas da parte alienada após o desmembramento.
Constatamos que para fins cadastrais e tributários, no Rio de Janeiro, os contribuintes NÃO constituem uma mesma empresa, pois não compartilham a mesma raiz de CNPJ, conforme disposto no Inciso I do parágrafo 2º do artigo 1º do Anexo I da parte II da Resolução n.º 720/2014.
Reproduzimos abaixo alguns dispositivos do Anexo I da parte II da Resolução n.º 720/2014, que trata do cadastro de contribuintes, no Rio de Janeiro:
Art 16.
...
§ 3.º Cada inscrição estadual corresponderá a seu exclusivo CNPJ, não sendo admitida a vinculação de mais de uma inscrição estadual a um mesmo CNPJ.
...
Art. 19. Nos casos de fusão, incorporação ou cisão de empresas, deverá ser solicitada:
I - a baixa da inscrição estadual dos estabelecimentos extintos em razão da fusão, incorporação ou cisão, observado o disposto no art. 46 deste Anexo, sob pena de impedimento da inscrição estadual nos termos do inciso I, “b”, do caput do art. 55 deste Anexo;
II - nova inscrição estadual para os estabelecimentos da empresa sucessora, resultantes do processo de fusão, incorporação ou cisão.
§ 1.º A baixa de que trata o inciso I do caput deste artigo deverá ser solicitada por representante da empresa sucessora.
§ 2.º Será considerada como data do encerramento das atividades dos estabelecimentos sucedidos a do registro, no órgão competente, do ato de incorporação, fusão ou cisão.
§ 3.º Quando, no intervalo de tempo entre a análise do pedido da nova inscrição e o pedido de baixa da inscrição anterior, for necessária a coexistência de duas inscrições na condição de habilitadas no mesmo local em razão da reorganização societária, o fato deverá ser comunicado previamente à repartição fiscal, a fim de ser viabilizado o deferimento da nova inscrição.
§ 4.º O descumprimento da obrigação prevista no inciso I do caput deste artigo acarretará impedimento da inscrição do estabelecimento principal da empresa sucessora, nos termos do inciso XVII do caput do art. 55 deste Anexo.
Também relacionados ao assunto objeto da consulta, destacamos:
- o Inciso VII do artigo 40 da Lei nº 2.657/1996, que dispõe que o ICMS não incide com mercadoria, na saída para estabelecimento localizado neste estado ou na transmissão de sua propriedade, decorrente da transferência de estoque de uma sociedade para outra, em virtude de transformação, fusão, cisão ou incorporação; e na aquisição do estabelecimento. Disposição semelhante se encontra no artigo 47 do Livro I do Regulamento do ICMS.
- o Inciso XXV do artigo 40 da Lei nº 2.657/1996, que prevê a não incidência do imposto de saída de bem do ativo permanente e de material de uso ou consumo para outro estabelecimento da mesma empresa, ainda que em operação interestadual; e
- o artigo 43 do Livro VI do RICMS-RJ/2000, que determina a responsabilidade do sucessor na guarda de documentos, livros e arquivos da sucedida.
Pelo exposto, no desmembramento parcial da empresa IPP, um de seus estabelecimentos fabris, com todos seus bens do ativo e estoque de mercadorias, sejam insumos sejam produtos finais, passará a outro titular, a empresa IPILUB, que incorporará esta parte cindida da IPP. Em relação ao cadastro de contribuintes, as empresas devem observar o disposto no artigo 19 do Anexo I da Parte II da Resolução n.º 720/2014. A incorporadora IPILUB deve pedir nova inscrição para o estabelecimento fabril, vinculada ao seu CNPJ, assim como deve ser pedida a baixa da inscrição anterior vinculada ao CNPJ da IPP. Observar que a legislação permite a coexistência das duas inscrições no mesmo local, por certo período de tempo, justamente para efetivação dos procedimentos necessários à incorporação.
A legislação estadual é clara sobre a não incidência de ICMS na transmissão da propriedade de mercadorias decorrentes de transferência de estoques de uma sociedade para outra, em virtude de fusão, cisão ou incorporação. Em relação aos bens do ativo, a princípio, o caso muda de figura, pois a não incidência prevista no Inciso XXV do artigo 40 da Lei é restrita a transferências entre estabelecimentos da mesma empresa, o que não procede no caso concreto apresentado, já que a IPP e a IPILUB possuem CNPJ distintos. Entretanto, entendemos que para os casos de sucessão empresarial e societária devemos estender o conceito de mercadoria citado no inciso VII do artigo 40 da Lei n.º 2.657/1996, ampliando-o para considerar a totalidade dos bens, incluindo os bens do ativo como “mercadoria” também. Não faz sentido a não incidência apenas para os insumos e estoque de mercadorias comercializadas, e tributação normal na transferência de titularidade apenas dos bens do ativo. Corroborando com esse entendimento, a Lei Complementar n.º 87/96, no seu Inciso VI do artigo 3º determina a não incidência de ICMS em operações de qualquer natureza de que decorra a transferência de propriedade de estabelecimento industrial, comercial ou de outra espécie. Ou seja, a legislação federal não faz diferenciação entre mercadorias e bens de ativo fixo na disposição sobre a não incidência de ICMS nas operações decorrentes de transferência de titularidade. Em suma, entendemos que não incide ICMS nesse tipo de operação.
Entretanto, ao permitirmos a não incidência na transferência de titularidade de bens de ativo, emerge um novo questionamento, acerca da possibilidade ou não de aproveitamento do crédito remanescente referente à entrada anterior destes bens no estabelecimento da empresa que vai ser incorporada. Entendemos que o incorporador, ao “adquirir” a incorporada passa a ter direito a todos os bens e haveres assim como passa a ser responsável por todos os débitos, dívidas e obrigações, e o direito ao crédito relativo à entrada de ativo fixo é um dos “ativos” da incorporada, tendo sido, provavelmente, “precificado” no ajuste comercial de que decorreu a incorporação. Esclarecemos que o direito ao crédito da entrada dos bens do ativo fixo é restrito ao número de parcelas faltantes para completar a quantidade máxima de parcelas mensais de que trata o parágrafo 7º do artigo 33 da Lei n.º 2.657/1996. Deve ser mantida sua regular escrituração no Livro CIAP e observada toda a legislação relacionada.
Quanto à necessidade de emissão de documentos fiscais, entendemos que a mesma é obrigatória. Quando a legislação menciona não incidência em determinada operação, conclui-se que ocorre uma operação, e como qualquer operação deve ser acobertada por documento fiscal. Devem ser emitidos documentos fiscais, relacionando todos os bens que estão passando por transferência de titularidade, sem destaque do imposto, devido a não incidência, inclusive para os bens do ativo fixo.
Quanto ao CFOP, não existe um específico para a cisão, entretanto, podemos usar o 5.928 - Lançamento efetuado a título de baixa de estoque decorrente do encerramento da atividade da empresa, para as transferências de titularidade dos insumos e mercadorias comercializáveis. Para os bens do ativo deve ser utilizado o 5.949 – outra saída não especificada. No campo de natureza da operação dos documentos fiscais deve constar a transferência de titularidade ou trespasse (de estoque, de insumos, de bens do ativo, etc.) em função de cisão parcial ou desmembramento.
Quanto às operações iniciadas por uma empresa, mas com desfecho após a efetivação da cisão parcial e posterior incorporação, como não existe regulamentação específica, e a sucessora responde pela sucedida, entendemos que os documentos fiscais de retorno podem ser emitidos já consignando como destinatária a sucessora, bastando uma menção de que o retorno está se dando para a sucessora em virtude de cisão parcial e posterior incorporação da empresa remetente original. Não há necessidade dos terceiros envolvidos devolverem simbolicamente para a sucedida, esta transferir a propriedade para a sucessora e remeter, simbolicamente, para o terceiro envolvido, conforme entendimento da consulente. Consideramos que nosso entendimento é válido para operações de remessa para conserto, de remessa para armazenamento, de remessa para industrialização por encomenda, e similares. Entretanto, a sucedida deve transferir a titularidade destes bens, através de documento fiscal para a sucessora, com a informação que o bem ou mercadoria está sob a posse de terceiros (identificando-o) para armazenagem ou conserto ou comodato ou ainda para industrialização, conforme o caso.
Em relação às aquisições realizadas pela sucedida cujas entregas se darão para a sucessora, tributariamente, como o fato gerador do imposto só ocorre na saída das mercadorias, basta o remetente informar como destinatária a sucessora. Caso desejem, para fins comerciais, o remetente pode mencionar a cisão parcial e a incorporação no campo de dados adicionais, assim como os dados do pedido comercial em nome da sucedida, ou ainda eventuais pagamentos efetuados previamente em nome da sucedida.
Quanto aos questionamentos, respondemos:
(i) Devem ser emitidos documentos fiscais para todas as operações de transferência de titularidade de mercadorias, insumos e bens do ativo;
(ii) Deve ser utilizado o CFOP 5.928 para a transferência de titularidade dos insumos e mercadorias comercializáveis e o CFOP 5.949 para a transferência de titularidade dos bens do ativo fixo;
(iii) Não há necessidade de emissão de notas fiscais simbólicas pelos terceiros, devolvendo os bens para a sucedida, para que esta os transfira para a sucessora, e esta os remeta, simbolicamente, ao terceiro. O terceiro envolvido pode devolver os bens diretamente à sucessora, mencionando o processo de cisão parcial e incorporação, nas operações de remessa para armazenagem, conserto, comodato, industrialização por encomenda e similares. É imperativa a menção nos casos de suspensão do imposto;
(iv) Prejudicada. Vide item anterior;
(v) A sucessora pode concluir e emitir documentos fiscais em seu nome para conclusão de “negócios” iniciados pela sucedida.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
CCJT, em 18 de agosto de 2017.