Responsabilidade solidária do Promotor de Eventos pelo pagamento do Imposto dos expositores.
A consulente, com sede no município do Rio de Janeiro, acima identificada, vem solicitar esclarecimentos desta Superintendência de Tributação acerca da responsabilidade tributária atribuída a promotores de eventos e feiras, em relação ao imposto devido pelos expositores.
O processo encontra-se instruído com cópias reprográficas que comprovam a habilitação dos signatários da inicial para peticionar em nome da empresa: cópia autenticada do Estatuto do Banco da Providência (fls. 17/27), cópia não autenticada de procuração cuja assinatura foi reconhecida, por semelhança, com a da Diretora Geral da instituição (fls. 29), e cópias não autenticadas das carteiras da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB dos quatro signatários da petição (fls. 29/32). O presente foi protocolado na ARF 64.10 – Centro.
Não consta comprovante de pagamento da Taxa de Serviços Estaduais. A consulente inicia sua petição, argumentando que não se encontra sob ação fiscal e que seria isenta desta TSE, em decorrência de enquadramento nas condições dadas pelo Inciso III do parágrafo único do artigo 106 do Decreto-Lei n.º 05/1975 – o Código Tributário do estado do Rio de Janeiro- CTE. De acordo com o dispositivo citado, o reconhecimento da isenção da TSE depende dos requisitos estatutários definidos no parágrafo 4º do artigo 3º do mesmo Decreto-Lei. Entendemos que a repartição fiscal deveria ter analisado a pertinência das afirmações e se o presente poderia prosperar sem o comprovante de pagamento da TSE. Como não o fez, e, em virtude do tempo já decorrido, faremos aqui mesmo.
A consulente reproduz o parágrafo 4º do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 05/1975 (fls. 04/05), argumentando que os requisitos estatutários para o reconhecimento da isenção (imunidade, pelo texto legal) foram cumpridos, da seguinte forma:
- alínea “a” pelo disposto no artigo 4º do Estatuto;
- alíneas “b”, “c”, “d” e “e” pelo disposto no artigo 5º e seus parágrafos do Estatuto; e
- alínea “f” pelo disposto no parágrafo único do artigo 16 do Estatuto.
Analisando a cópia do Estatuto, juntada às fls. 17/27, concluímos que podemos aceitar a argumentação da consulente quanto à isenção da TSE. Assim como, é de conhecimento público o caráter social, assistencialista e filantrópico da instituição Banco da Providência.
Afastada a questão da TSE, a consulente afirma que foi lavrado um Auto de Constatação, no momento em que protocolou o ofício, destinado a SEFAZ/RJ, cuja cópia constitui a folha 35 do presente, referente a pedido de concessão de redução de base de cálculo do ICMS incidente nas operações que seriam praticadas na edição de 2016 da Feira da Providência (marcada para ocorrer de 30/11/16 a 04/12/16). Este ofício teria originado o Processo E-04/073/114/2016, e a empresa afirma que não foi cientificada de eventual decisão até a formalização da presente Consulta Tributária (em fevereiro de 2017). Não consta, no presente, cópia do alegado Auto de Constatação. Quanto ao administrativo citado, efetuamos uma pesquisa (no dia 23/10/2017) nos sistemas de controle de processos, e o mesmo, atualmente, encontra-se arquivado na Divisão de Arquivo, desde 17/07/2017, tendo passado por esta Superintendência, na Coordenadoria de Estudos e Legislação Tributária – CELT, em duas ocasiões. Na primeira foi efetuado um parecer (Parecer/ST/CELT/Nº 132/2016) e elaborada uma minuta de um Decreto de concessão de isenção, e na segunda, o Parecer/ST/CELT/Nº 141/2016, abaixo reproduzido, e uma revisão da minuta de Decreto. Apesar de não termos solicitado o desarquivamento do presente, temos conhecimento que, para o ano da edição de 2016 do evento Feira da Providência, não foi publicado ato concessivo de isenção.
PARECER/ST/CELT/Nº141/2016, de 10 de novembro de 2016.
PROCESSO Nº E-04/073/114//2016
REVISÃO DE MINUTA DE DECRETO PARA CONCEDER BENEFÍCIO FISCAL PARA O EVENTO DENOMINADO FEIRA DA PROVIDÊNCIA DO ANO DE 2016. APÓS DECISÃO JUDICIAL E PARECER DA AJUR. PARECER FAVORÁVEL COM MINUTA ANEXA.
RELATÓRIO
Trata-se de pedido do Banco da Providência para que seja concedido o benefício de redução de 100% da base de cálculo do ICMS, ou outro procedimento que achar recomendável, para o Evento denominado Feira da Providência de 2016.
Justifica seu pedido alegando que é um trabalho de promoção humana junto a milhares de famílias que vivem em situação de pobreza extrema em nossa cidade.
Ressalta também que há alguns anos é publicado decreto que concede aos expositores a redução de base de cálculo em 100% do ICMS. Em 2016, a Feira da Providência será realizada de 29 de novembro a 04 de dezembro, nos Pavilhões 2 e 3 do Rio Centro, na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro.
É o relatório.
O Evento Feira da Providência é realizado na Cidade do Rio de Janeiro com finalidade beneficente há mais de 50 anos, em que seus organizadores declaram que a renda auferida é revertida para diversos programas sociais existentes nesta cidade.
Tendo em vista a inexistência de previsão legal concedendo tal benefício, sugerimos que a Administração Superior proponha a edição de um convênio ICMS, aprovado pelo CONFAZ, para atender as exigências do art. 155, § 2º, inc. XII, alínea g da Constituição Federal.
Tal benefício de redução de 100% da base de cálculo do ICMS vem sendo concedido todos os anos pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro por meio de decreto específico.
Os decretos publicados nos anos anteriores asseguram o benefício requerido tanto para as operações com mercadorias durante o evento, bem como para a importação das mesmas, exigindo o pagamento da importação das mercadorias que não forem comercializadas no evento.
Deve ser ressaltado que, este ano, a concessão do benefício só atenderá aos artesãos pessoas físicas ou os que se reinam sob a forma de cooperativa.
Tal restrição foi motivada pela decisão judicial no âmbito do processo judicial nº 0334903-24.2016.8.19.0001, da 3ª Vara de Fazenda Pública, da Comarca da Capital, bem como o disposto no Parecer da Assessoria jurídica da SEFAZ, fls. 48 a 50 deste processo.
Tendo em vista o pedido e a competência da Administração Superior, elaboro e junto uma minuta de Decreto, em papel, fl. 54 e 55 e em meio magnético, fl. 56.
A competência para decisão é do Senhor Governador do Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista sua conveniência e oportunidade.
CONCLUSÃO
Tendo em vista que o evento desfruta de benefício fiscal há mais de 50 anos solicito o encaminhamento do presente ao Senhor
Governador do Estado para decidir.
Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2016.
A consulente prossegue tecendo considerações sobre sua atuação social e o histórico de seu principal evento, a Feira da Providência, que vendia ao público, principalmente, mercadorias importadas doadas pelas embaixadas de países produtores e mercadorias apreendidas pela Receita Federal, até que, posteriormente à abertura comercial do país, passou a ser apenas uma organizadora do evento, não mais comercializando mercadorias diretamente, apenas divulgando e alugando espaço para expositores, sendo que estes é que vendem as mercadorias. Entretanto, manteve a prática de solicitar, anualmente, a expedição de ato concessivo da isenção do ICMS. Acaba por concluir que, atualmente, com sua atuação de mero locador de espaço como organizador do evento não o qualifica como sujeito passivo de obrigação tributária relativa ao ICMS, quer na qualidade de contribuinte, quer na qualidade de responsável. E passa a questionar a legalidade do disposto no artigo 92 (do anexo XIII da Parte II) da Resolução n.º 720/2014, que textualmente determina a responsabilidade solidária do promotor de eventos, com os participantes, em relação ao pagamento do imposto devido relativos às operações praticadas durante tais eventos.
Sua principal argumentação é de que a atribuição da responsabilidade tributária, de acordo com o Código Tributário Nacional, só pode ser efetuada através de Lei. Cita que o artigo 97 determina, no seu Inciso III, que somente a Lei pode estabelecer a definição do sujeito passivo, e que este é o contribuinte ou o responsável. Cita também o Inciso II do parágrafo único do artigo 121, que determina que o sujeito passivo seja o responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei. Prossegue citando o artigo 5º da Lei Complementar n.º 87/1996, que determina que somente Lei pode atribuir a terceiros, a responsabilidade pelo pagamento de imposto e acréscimos devidos por contribuinte ou responsável.
Cita ainda que a legislação estadual, mormente a Lei n.º 2.657/1996, não é explicita no sentido de atribuir a responsabilidade tributária ao promotor de eventos, e que define, nos seus artigos 18 e 19, vários casos de atribuição de responsabilidade, inclusive a solidária, sem mencionar o do organizador de eventos. Por fim, cita que o artigo 17 da Lei não permitiria a atribuição de responsabilidade ao promotor de eventos, pois esta situação seria matéria sujeita à reserva de Lei, e que este dispositivo deve ser entendido como norma destinada a explicitar as hipóteses previstas nos artigos 18 e 19.
Isto posto, consulta (conclui), às fls. 15 (SIC):
“Pelas razões acima expostas, é de se concluir que:
• as atividades exercidas pelo Banco da Providência na realização da Feira da Providência estão fora do campo de incidência do ICMS; e
• não existe lei que atribua ao promotor do evento responsabilidade pelo pagamento do ICMS eventualmente não recolhido pelos participantes da Feira da Providência.”
Analisando toda a situação, fica claro que a intenção da consulente é de se eximir de qualquer cobrança de imposto, eventualmente não recolhido pelos expositores da Feira da Providência, edição de 2016, para a qual não foi expedido, como em anos anteriores, ato concedendo a isenção de ICMS.
Acreditamos que o questionamento se as atuais atividades da consulente, no evento Feira da Providência, divulgação e locação de espaços estariam fora do campo de incidência do ICMS, foi meramente introdutório, pois essas atividades são, claramente, serviços e estão sujeitas ao ISSQN, imposto municipal sobre serviços de qualquer natureza.
Em relação ao questionamento sobre a ausência de Lei atribuindo a responsabilidade aos promotores de eventos, é importante ressaltar que a despeito da citação do artigo 17 da Lei n.º 2.657/1996, na argumentação da consulente, sua conclusão sobre o mesmo não condiz com a realidade. Entendemos que este dispositivo legal deu permissão para que ato normativo da SEFAZ, não necessariamente uma Lei, atribua responsabilidade tributária solidária a terceiros (promotor do evento), no caso de imposto não pago pelo contribuinte (ou responsável).
O artigo 17, abaixo reproduzido, inicia a sessão II do capítulo IV da Lei 2.657/1996, denominada “DO RESPONSÁVEL”, compreendendo os artigos 17 a 20, e seu caput é literal no sentido da permissão de atribuição da responsabilidade pelo pagamento do imposto a terceiros, no caso de inadimplência do contribuinte ou responsável.
Art. 17. A responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos legais não pagos pelo contribuinte ou responsável pode ser atribuída a terceiros, quando os atos ou omissões destes concorrerem para o não-recolhimento do tributo.
Aproveitando a permissão dada pelo artigo 17 da Lei n.º 2.657/1996, o artigo 92 do anexo XIII da Parte II da Resolução n.º 720/2014 determina, literalmente, a atribuição da responsabilidade solidária ao promotor de eventos.
Temos também o disposto no Inciso I do artigo 124 do Código Tributário Nacional, Lei n.º 5.172/1966, abaixo reproduzido, que obriga, solidariamente, as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Entendemos que o Banco da Providência, ao organizar o evento da Feira da Providência, cujo objetivo principal é a arrecadação de fundos para subsidiar suas atividades sociais, cobrando inclusive ingressos do público, tem bastante interesse nas vendas que serão efetuadas pelos locatários dos espaços, podendo, portanto, ser considerado solidariamente obrigado (ao imposto devido pelos praticantes do fato gerador).
Art. 124 - São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único - A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
Finalmente, temos ainda que o CTN, no parágrafo único do artigo 142, determina que a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. A inexistência de discricionariedade não se aplica, no entanto, como pode parecer à primeira vista, apenas à atividade do lançamento, se estendendo a toda legislação tributária. A vinculação do ato praticado pelo Auditor Fiscal não é apenas à lei que disciplina a incidência ou não incidência dos tributos, mas sim a todo sistema normativo aplicável ao caso. Com efeito, a vinculação é correlata às atividades realizadas pelo Fisco, e pode ser extraída do próprio conceito de tributo, o qual é definido no CTN como toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
No entanto, essa característica (a vinculação) se projeta também para os atos que não envolvam diretamente a constituição e a cobrança do crédito tributário, mas também às que digam respeito a outras competências institucionais correlatas, como aquelas relativas a cadastros, habilitações, enquadramento em alíquotas diferenciadas, a análise de benefícios e incentivos fiscais e etc.
Com efeito, aos agentes do Fisco foram conferidas diversas atribuições, qualificadas como atividades essenciais ao funcionamento do Estado.
Ou seja, os Auditores não podem ignorar o disposto em nenhum tipo de legislação. E a Resolução n.º 720/2014, uma das mais importantes em matéria tributária, expedida para consolidar determinações e procedimentos das mais diversas obrigações acessórias, é textual na atribuição de responsabilidade solidária ao promotor de eventos. Não podemos ignorá-la. Ressaltamos que esta posição, de considerar toda legislação tributária como vinculada, já foi afirmada por esta Superintendência em administrativos anteriores.
Por fim, acreditamos que não somos o fórum adequado para a análise e decisão quanto à legalidade e eficácia de dispositivos da legislação tributária estadual. Cabendo-nos, unicamente, cumpri-la.
Quanto à primeira conclusão da consulente, não foi necessário nem discussão do assunto. As atividades atualmente desenvolvidas pela consulente, de divulgação e locação de espaços estão fora da incidência do ICMS, e a consulente não pode ser considerada contribuinte deste imposto.
Quanto à segunda conclusão, respondemos que, de fato, não existe lei que atribua ao promotor do evento a responsabilidade pelo pagamento do ICMS eventualmente não recolhido pelos participantes da Feira da Providência, entretanto, existe legislação estadual, que expressamente determina esta responsabilidade. Legislação esta que não pode ser ignorada pelos agentes do fisco, pois a mesma é considerada vinculada. Ressaltando-se ainda a inadequação deste órgão para analisar e decidir sobre a legalidade e eficácia de dispositivos da legislação tributária estadual.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
À Vossa Consideração.
CCJT, em de outubro de 2017.
Ivo D. Boruchovitch
Auditor Fiscal da Receita Estadual
Mat. 0.294860-2
Interessado: | Banco da Providência |
Inscrição: | |
CNPJ: | 33.645.086/0001-69 |
Origem: | ARF 64.10 - Centro |
Assunto: | Responsabilidade solidária do promotor de eventos pelo pagamento do imposto dos expositores |
1. Decido de acordo com a resposta de fls. .
2. Em seguida, ao cartório da C.C.J.T. para as providências complementares.
3. Posteriormente, à AFR 64.10 - Centro para cientificar o interessado e aguardar o prazo recursal de 30 dias.
4. Cumpridas as formalidades, o presente deverá retornar a esta Coordenação.
CCJT, em de de 2017
Theresa Marina C. M. Cunha
Coordenadora da C.C.J.T.
MAT. 0.000.507-4