Publicado no DOE - ES em 18 jan 2023
ICMS – transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular – art. 12, I, da lei complementar n.º 87/96 – art. 3.º, I, da lei estadual n.º 7.000/01 – ação declaratória de constitucionalidade n.º 49 (adc 49) pendente de conclusão de julgamento – incidência do imposto – possibilidade de utilização do crédito presumido outorgado no âmbito do invest-es. 1. O legislador, levando em consideração a autonomia de cada estabelecimento, fez recair a incidência do icms sobre as transferências, ainda que não haja a transmissão da titularidade da mercadoria, conforme disposto no art. 12, i, da lei complementar n.º 87/96 (lei kandir) e art. 3.º, i, da lei n.º 7.000/01. 2. O stf julgou improcedente o pedido formulado na adc 49, declarando a inconstitucionalidade dos arts. 11, § 3.º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, § 4.º, da lei complementar federal n.º 87/96. 3. Foram opostos embargos de declaração à decisão, que, até a presente data, ainda estão pendentes de julgamento. 4. Continuam, assim, aplicáveis os dispositivos legais que dispõem sobre a incidência do icms nas operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. 5. É possível a utilização do crédito presumido, de que trata o art. 3.º, III, da lei n.º 10.550/16 (invest-es), em toda e qualquer operação interestadual de saída sujeita à tributação pelo ICMS.
RELATÓRIO
Trata-se de solicitação de consulta acerca da interpretação e aplicação da legislação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. Com relação à matéria de fato e de direito objeto da Consulta, a Consulente aduz, em síntese, o que se segue:
Que é uma multinacional atuante no mercado de alimentos, possuindo, desde 2002, atividades no Brasil.
Que, dentre as atividades desenvolvidas no país, está construindo uma indústria de café solúvel neste Estado, no município de Linhares.
Que, em face deste investimento, foram-lhe outorgados os benefícios do INVEST-ES, conforme Resolução n.º 1.714, de 05/04/2022, assim como foi celebrado o Termo de Acordo n.º 006/2020 com a Sefaz/ES.
Que, nesse contexto, foi-lhe concedido, em contrapartida aos compromissos assumidos, crédito presumido, nas operações interestaduais, de 70% (setenta por cento) do imposto devido mensalmente.
Que pretende armazenar seus produtos acabados em uma filial (centro de distribuição),
localizado no Estado de Minas Gerais, transferindo-os com notas fiscais sob classificação
(CFOP) n.º 6.151.
Que, nesta hipótese, somente haveria o deslocamento físico das mercadorias entre
estabelecimentos de mesma titularidade, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio
do Tema 1.099, fixado a seguinte tese: “não incide ICMS no deslocamento de bens de um
estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não
haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”.
Ante o que expôs, com fulcro no art. 845, § 2.º, do RICMS/ES, apresenta o seu entendimento, nos seguintes termos:
Que na situação exposta não haverá o fato hipotético tributário, já que o fundamento de validade para tanto (arts. 11, § 3.º, inciso II; 12, inciso I; e 13, § 4.º, da Lei Complementar n.º 87/1996), foi declarado inconstitucional pelo STF. Diante disso, indaga:
1 – Haverá incidência de ICMS nas transferências entre a sua unidade industrial, localizada neste Estado, e a filial (centro de distribuição), localizada no Estado de Minas Gerais, visto que se trata de mero deslocamento de produtos entre empresas de mesma titularidade, inexistindo ato de mercancia?
2 - O crédito presumido nas operações interestaduais, de 70% (setenta por cento) do valor do imposto devido mensalmente pela consulente, nos termos do art. 1.º inciso VI da Resolução INVEST–ES n.º 1.714/2022, poderá ser usufruído, no caso de transferências interestaduais para centro de distribuição pertencente ao mesmo grupo econômico (filial), com emissão de nota fiscal com a CFOP 6.151?
3 – Na contratação de armazém geral, depósito fechado ou centro de distribuição, em outra unidade da Federação, de titularidade distinta, haveria incidência do ICMS e poderia ser utilizado o crédito presumido?
Por fim, em atendimento ao disposto no art. 845, III, do RICMS/ES, declara que inexiste qualquer procedimento fiscal iniciado contra si relacionado com a matéria objeto de consulta.
Na forma da legislação, vieram-me os autos para análise e elaboração de parecer.
É o relatório.
APRECIAÇÃO
PRELIMINAR
Constato a legitimidade requerida no art. 842, bem como o preenchimento dos requisitos insertos no art. 845, motivo pelo qual a presente consulta encontra-se apta aos seus propósitos, devendo produzir, assim, os efeitos proclamados no art. 848, todos do RICMS/ES.
MÉRITO
Como adiantado, a presente consulta submete, na forma da legislação, dúvidas
relativas a ocorrência de fato gerador de ICMS nas operações de transferência, bem como a
possibilidade de utilização de benefício outorgado no âmbito do INVEST-ES nestas operações.
Como se sabe, o tema da ocorrência do fato gerador de ICMS, nas transferências entre estabelecimentos de mesma titularidade, é cercado, desde sempre, de controvérsias, sendo fartamente debatido na doutrina e na jurisprudência pátria.
Fato é que a legislação de regência do imposto, assim reza, verbis: LC n.º 87/96
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
Lei n.º 7.000/2001
Art. 3.º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; (grifei)
Segundo José Cassiano Borges e Maria Lúcia Américo dos Reis,1 o legislador, levando em consideração a autonomia de cada estabelecimento, fez recair a incidência do ICMS sobre a simples transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, embora não haja a transmissão da mercadoria pelo fato de a mesma continuar na titularidade da mesma pessoa.
Aroldo Gomes de Mattos2 também enfrentando essa questão da incidência ou não do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, pronuncia o seguinte juízo, verbis:
Entendo como legítima essa ficção e, consequentemente, a incidência do ICMS nas transferências de mercadorias de matriz para filial ou entre filiais (...).
No entanto, tal saída, segundo maciço entendimento da jurisprudência, não constitui fato gerador do imposto, porque, no caso, não teria havido transferência de titularidade da mercadoria, mas sim mera movimentação física. Hoje, porém, está ela enquadrada nesta Lei Complementar entre os fatos geradores do imposto (art, 12, Inc. I). Daí se indaga: seria tal dispositivo inconstitucional?
A resposta é negativa por força dos seguintes princípios constitucionais: (1º) da competência estadual para arrecadar o ICMS em operações e prestações realizadas dentro do seu território (art. 155, Inc. II); (2º) da sua repartição (art. 158, Inc. IV) entre Estados e Municípios; e (3º) da não-cumulatividade (art. 155, parágrafo 2º, Inc. II) relativamente a cada estabelecimento, autonomamente considerado, segundo o qual deve o ICMS incidido nas operações com mercadorias ou na prestação dos serviços por ele realizados ser compensado com as respectivas saídas.
Ora, se a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular for efetuada sem incidência do ICMS, estariam esses dois princípios irremediavelmente desmantelados, principalmente no caso de operações e prestações interestaduais, em face do interesse subjetivo do sujeito ativo estadual nessa arrecadação e também seus respectivos Municípios, já que têm eles direito a determinada participação sobre a arrecadação havida em seu território (CF, art. 158, parágrafo único, Inc. I).
Portanto, havendo numa operação interestadual e intermunicipal de transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa a não-incidência do ICMS, será prejudicado o Município no qual ocorreu a saída e, em contrapartida, beneficiado o da entrada. Em outras palavras, desmantela-se o sistema! (grifei) O Egrégio Conselho Estadual de Recursos Fiscais (CERF), enfrentando essa questão em recente julgado, assim se pronunciou, verbis:
RECURSO VOLUNTÁRIO ACÓRDÃO N.º 054/2022 DA SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
[...]
EMENTA: DEIXAR DE EMITIR DOCUMENTO FISCAL HÁBIL NA SAÍDA DE MERCADORIAS – CONSTATAÇÃO DE DIFERENÇA APURADA NO CONTROLE FÍSICO DE MERCADORIAS – PRESUNÇÃO LEGAL - ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DIREITO DE DEFESA EM DECORRENCIA DE INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PERÍCIA, REJEITADA – ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI EM FACE DA SÚMULA N.º 166 DO STJ - INCIDÊNCIA DO ICMS NAS TRANSFERÊNCIAS DE MERCADORIAS – ILICITUDE CARACTERIZADA – AÇÃO FISCAL PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSOS DE OFÍCIO E VOLUNTÁRIO IMPROVIDOS - DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA MANTIDA.
No âmbito do processo administrativo fiscal, a produção da prova pericial somente se justifica nos casos em que a análise da prova exige conhecimento técnico especializado. Por não atender tal condição, a apreciação de documentos contábeis e fiscais prescinde da realização de perícia técnica.
Ademais, a realização de diligência ou de perícia não é direito absoluto do requerente, sendo lícito ao julgador o indeferimento do pedido quando entender desnecessária a sua realização para a solução do litígio.
Assim, o processo se desenvolveu de forma válida e regular, não ocorrendo o alegado cerceamento do direito de defesa, razão pela qual não há nenhuma nulidade a ser pronunciada.
Quanto a ocorrência de fato gerador na saída de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo proprietário, o legislador, levando em consideração a autonomia de cada estabelecimento, fez recair a incidência do ICMS sobre as transferências, ainda que não haja a transmissão da titularidade da mercadoria, conforme disposto no art. 12, I da Lei Complementar n.º 87/96 e art. 3º, I, da Lei n.º 7.000/01.
Por isso mesmo, é defeso ao julgador administrativo afastar incidentalmente esses dispositivos em face da Súmula n.º 166 do STJ, conforme reza o art. 130 da Lei n.º 7.000/01, pois configuraria flagrante declaração de inconstitucionalidade de lei.
Por fim, in casu, foi apurada uma diferença tributável mediante controle físico de mercadorias, assim entendido o confronto entre o número de unidades estocadas e o número de entradas e de saídas, nos exercícios de 2013 e 2014. No entanto, em relação ao período alcançado, foi lavrado o auto de infração n.º 5.040.820-0, sob a mesma acusação, não podendo prevalecer para períodos coincidentes, o que caracterizaria bis in idem, motivo pelo qual foram excluídos os valores cobrados no aludido lançamento, procedendo em parte a ação fiscal. (grifei)
Por certo, não se pode olvidar de que os Tribunais Superiores (STJ e STF) vêm firmando entendimento de que não há ocorrência do fato gerador do ICMS nas transferências entre estabelecimentos de mesma titularidade.
É preciso, contudo, levar em consideração que o julgamento da ADC 49 ainda encontra-se pendente de conclusão, não havendo, até a presente data, a modulação dos seus efeitos.
A esse respeito, inclusive, esta Gerência Tributária, em consulta análoga à promovida pela Consulente, se pronunciou nos seguintes termos, verbis:
EMENTA: ICMS – TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO TITULAR – ART. 12, I, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 87/96 – ART. 3º, I, DA LEI ESTADUAL Nº 7.000/01 – AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 49 (ADC 49) – INCIDÊNCIA DO IMPOSTO
1. O STF julgou improcedente o pedido formulado na ADC 49, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, § 4º, da Lei Complementar Federal nº 89/96 (Lei Kandir); 2. Foram opostos embargos de declaração à decisão, que, até a presente data, ainda estão pendentes de julgamento; 3. Continuam aplicáveis os dispositivos legais que dispõem sobre a incidência do ICMS nas operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. (grifei)
Assim, enquanto pendente de julgamento a ADC 49, tenho que devem continuar sendo eficazes as disposições atinentes, fixadas na legislação de regência, relativas a incidência do ICMS nas operações de transferência entre estabelecimentos de mesma titularidade.
No tocante a possibilidade de utilização do crédito presumido, outorgado no âmbito do INVEST-ES, nas operações interestaduais, de transferência para filial (centro de distribuição), localizada em outra unidade da Federação, vejamos o que dispõe a legislação do INVEST-SE, verbis:
Lei n.º 10.550/2016
Art. 3.º O INVEST-ES compreende ações de interesse do desenvolvimento do Estado, consistentes na concessão de benefícios fiscais, visando à realização de projetos de iniciativa do setor privado, nas seguintes modalidades:
[...]
III - crédito presumido nas operações interestaduais, até o limite de setenta por cento do valor do imposto devido mensalmente, relativo às operações alcançadas por esse benefício, observado o disposto no § 6.º; (grifei)
É cediço que operações é gênero dos quais se constituem espécie: as vendas, transferências, remessas etc. Assim sendo, toda e qualquer operação interestadual, tributável pelo ICMS, atrai a aplicação do crédito presumido, na hipótese do estabelecimento possuir este benefício em seu Termo de Acordo.
DAS RESPOSTAS:
1 – Haverá incidência de ICMS nas transferências entre a sua unidade industrial, localizada neste Estado, e a filial (centro de distribuição), localizada no Estado de Minas Gerais, visto que se trata de mero deslocamento de produtos entre empresas de mesma titularidade, inexistindo ato de mercancia?
R – Sim, haverá a incidência do ICMS, na forma fixada na legislação de regência do imposto.
2 - O crédito presumido nas operações interestaduais, de 70% (setenta por cento) do valor do imposto devido mensalmente pela consulente, nos termos do art. 1.º inciso VI da Resolução INVEST–ES n.º 1.714/2022, poderá ser usufruído, no caso de transferências interestaduais para centro de distribuição pertencente ao mesmo grupo econômico (filial), com emissão de nota fiscal com a CFOP 6.151?
R – Sim, é possível a utilização do aludido benefício, porquanto se trata de uma operação tributável pelo ICMS.
3 – Na contratação de armazém geral, depósito fechado ou centro de distribuição, em outra unidade da Federação, de titularidade distinta, haveria incidência do ICMS e poderia ser utilizado o crédito presumido?
R – Nessa hipótese, considerando que a operação se dará entre estabelecimentos de titularidade distinta, não há de se falar em transferência, mas, sim, de remessa para armazenagem ou venda, de forma que há incidência, também, do ICMS nessas operações, sendo, igualmente, passíveis de serem realizadas com a utilização do benefício do INVEST- ES previsto para as operações interestaduais de saída.
É o parecer, o qual submeto à consideração superior.
(Documento assinado digitalmente)
ADSON THIAGO OLIVEIRA SILVA
Auditor Fiscal da Receita Estadual