Incorporação. Tratamento Tributário Especial. Ato Personalíssimo. Inadmissibilidade de Sucessão Automática: Ato Declaratório do Fisco.
A empresa, após informar que tem por atividade o comércio atacadista de mercadorias em geral, sem predominância de alimentos ou de insumos agropecuários, e com estabelecimento filial, e-commerce, loja de departamento ou magazine, expõe na inicial ser beneficiária do:
1) Tratamento Tributário Especial concedido pelo Decreto n.º 36.449/04 (processo n.º E-11/30.240/2011) concedido à filial e-commerce com inscrição estadual 86.716.429, conforme Termo de Acordo (fls. 24/27) e Portaria SSER n.º 77/14.
2) Tratamento Tributário Especial concedido pelo Decreto n.º 42.649/10 (processo n.º E-04/073077/2010), que atribui a condição de substituto tributário à filial atacadista com inscrição estadual 86.716.402, conforme Termo de Acordo (fls. 29/31) e Portaria SSER n.º 75/14.
3) Tratamento Tributário Especial concedido pelo Decreto n.º 42.771/10 (processo n.º E-04/067/74/2013), que concede Tratamento Tributário Especial de apuração do ICMS à empresa enquadrada no benefício do Decreto n.º 42.649/10, e que possui, cumulativamente, estabelecimento enquadrado no benefício do Decreto n.º 36.449/04, concedido aos estabelecimentos com inscrições estaduais 79.195.235 e 79.429.520, conforme Termo de Acordo (fls. 34/38).
Para fortalecer suas atividades operacionais, a CNova será integralmente incorporada pela empresa Via Varejo, CNPJ 33.041.260/0652/90, com estabelecimento matriz no Estado de São Paulo, que tem por atividade o comércio varejista especializado em eletrodomésticos e equipamentos de áudio e vídeo.
Entende a consulente que na medida em que a Via Varejo passará a ser a titular dos seus estabelecimentos, herdará a totalidade dos seus direitos e obrigações, inclusive aqueles de natureza fiscal relativos ao Tratamento Tributário Especial a que fazem jus seus estabelecimentos, tendo em vista o artigo 227 da Lei das S.A., quando dispõe que a incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que também lhe sucede em todos direitos e obrigações.
Neste sentido, entende a mesma que a sucessão pela incorporada não ocorre apenas no plano cível ou contratual, mas também abrange os aspectos fiscais. Então, a sucessora tanto responde por eventuais tributos não quitados pela sucedida, como também adquire o direito sobre os benefícios e créditos correspondentes, no esteio dos artigos 132 e 133 do Código Tributário Nacional.
Ressalva a consulente que, embora os referidos dispositivos do CTN se refiram à responsabilidade sobre débitos tributários, porquanto possuem o objetivo de resguardar o Erário Público de eventual procedimento que implique extinção ou vazamento de pessoa jurídica contribuinte original, a responsabilidade neles contidas decorre da sucessão de empresas que se estende aos respectivos direitos decorrentes da tributação.
Considerando ainda as normas do artigo 43 do Livro VI do RICMS/00 - que dispõe sobre a utilização de documentos e livros fiscais pelo sucessor, finalmente, entende a consulente que, por força da incorporação, a Via Varejo a sucederá em todos os direitos e obrigações pertinentes ao ICMS, notadamente os vinculados aos seus estabelecimentos fluminenses, inclusive naqueles direitos e obrigações derivados do Tratamento Tributário Especial.
Isto posto, Consulta:
Requer a ratificação do seu entendimento no sentido de que a incorporação de CNova por Via Varejo implicará a automática sucessão, por esta última, dos direitos inerentes ao Tratamento Tributário Especial atualmente usufruído pela filiais e-commerce e atacadista daquela (CNova) concedido conforme Decretos n.º 36.449/04, 42.649/10 e 42.771/10, inclusive no que tange à transferência do crédito da filial atacadista para a filial e-commerce.
O processo encontra-se instruído com o comprovante de pagamento da TSE (fls. 87/89), a habilitação do signatário da inicial para postular em nome da consulente (fls. 11), bem como as informações relativas aos incisos I e II do artigo 3º da Resolução SEF n.° 109/76 (fls. 17).
II – Análise e Fundamentação e Resposta.
Conforme já mencionado pela consulente, as operações de sucessão societária são reguladas pelo Código Civil e pela Lei 6.404/76 (LSA).
O artigo 1.116 do Código Civil e o artigo 227 da Lei 6.404/76 dispõem que com a aprovação da incorporação, a pessoa jurídica incorporada é extinta, apenas subsistindo a incorporadora.
Código Civil
“Art. 1.116 - Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos”.
Lei 6.404/76
“Art. 227 - A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações”.
§ 1º A assembleia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão.
§ 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento de capital da incorporadora.
§ 3º Aprovados pela assembleia-geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação”.
Ademais, dispõe o artigo 1.118 do Código Civil:
“Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio”.
Note-se que a incorporação é a operação pela qual uma sociedade absorve outra ou outras, as quais deixam de existir. Contudo, a empresa incorporadora continuará com a sua personalidade jurídica.
Deve-se, ainda, ressaltar que devido à extinção da pessoa jurídica incorporada em tal operação societária, o Código Tributário Nacional (CTN) prevê a responsabilidade, por sucessão, da pessoa jurídica incorporadora em relação a todos os tributos porventura devidos pela incorporada, conforme disposto no seu art. 132, in verbis.
“Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas”.
Vale ressaltar que a utilização dos benefícios fiscais concedidos pelos Decretos 36.449/04 (artigos 5º e 8º), e 42.771/10 (artigo 7º) requerem assinatura de Termo de Acordo, e para utilizar os benefícios do Decreto n.º 42.649/10 (artigo 7º) a empresa interessada deverá comunicar sua adesão à repartição fiscal a que estiver vinculada, com posterior ratificação ou não quando da análise do processo, nos termos e forma estabelecidos pela SEFAZ.
A despeito do argumento apresentado pela consulente, no sentido de a incorporadora passar a titularizar direitos, obrigações e responsabilidades da sociedade incorporada, a concessão dos tratamentos tributários especiais ora em questão constituiu ato personalíssimo, na medida em que se efetivou em face da pessoa jurídica sucedida, então extinta pela alteração societária, após as verificações necessárias, ocasião em que as autoridades responsáveis pela análise dos requisitos e condições estabelecidas nos decretos concluíram que a mesma fazia jus aos benefícios.
Com efeito, não nos parece realmente possível a realização de transferência incondicionada e automática de benefício concedido à incorporada, tendo em vista ser indispensável nova análise para que o fisco verifique se a sucessora (incorporadora) atende aos requisitos e condições fixados pela legislação à fruição do tratamento tributário especial.
Por outro lado, sem ponderar no momento, ainda, o aspecto operacional da questão, entendemos que a extinção da incorporada, sob o ponto de vista jurídico, por si só, não é elemento suficiente para impedir, em tese, que a incorporadora, caso atenda a todos os requisitos fixados pela legislação tributária estadual, possa se sub-rogar nos direitos da pessoa extinta, isto é, ser sucessora da incorporada relativamente à fruição do benefício, ainda que o mesmo tenha sido conferido em caráter personalíssimo.
Considerando o disposto no art. 108 do CTN, e tendo em vista a inexistência de legislação expressa acerca do tema, ou mesmo a possibilidade de aplicação da analogia ou de princípio geral de direito tributário na hipótese sob exame, entendemos plausível e pertinente a utilização dos princípios gerais de direito.
Nessa linha, o entendimento acima sustentado, no sentido da sub-rogação, decorre da interpretação do disposto no art. 116 do Código Civil, segundo o qual, na “incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos”.
Ora, se ocorre sub-rogação, ou seja, havendo a substituição de uma pessoa por outra em uma relação jurídica, tributária na hipótese, não nos parece haver óbice jurídico, pelo menos sob o ponto de vista teórico, para que, atendidas as condições fixadas na legislação, a pessoa incorporadora possa usufruir do benefício fiscal.
Assim sendo, entendemos que o ato fiscal que reconhece ou que indefere o pedido de enquadramento no benefício, a ser realizado pela sucessora, na hipótese de incorporação, possui caráter meramente declaratório.
Nesse sentido, caso reconhecido pelo fisco o direito da sucessora de enquadramento no benefício fiscal pleiteado, com o deferimento do pedido (ouvida a CODIN, se assim entender, nas hipóteses de existência de Termo de Acordo), não haverá solução de continuidade em sua fruição, tendo em vista o efeito meramente declaratório do ato.
Por outro lado, na hipótese de indeferimento do pedido, restaurar-se-á em caráter retroativo o regime normal de apuração do imposto, com a imediata devolução, aos cofres públicos estaduais, com juros e atualização monetária, de todos os valores não recolhidos, decorrentes dos incentivos impropriamente usufruídos desde a data da incorporação, isto é, desde a extinção da pessoa beneficiária do regime tributário.
A interpretação nesses termos parece-nos resolver as questões de natureza operacional e, ao mesmo tempo, coadunar a disciplina jurídica tributária fixada na legislação estadual, que não regula expressamente a matéria, com os princípios gerais de direito e bem assim o disposto no citado art. 116 do Código Civil.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
CCJT, em 20 de setembro de 2.016.