Publicado no DOE - ES em 27 jan 2023
ICMS – transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular – art. 12, i, da lei complementar nº 87/96 – art. 3º, i, da lei estadual nº 7.000/01 – ação declaratória de constitucionalidade nº 49 (adc 49) – incidência do imposto 1. O stf julgou improcedente o pedido formulado na adc 49, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3º, ii, 12, i, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, § 4º, da lei complementar federal nº 89/96 (lei kandir); 2. Foram opostos embargos de declaração à decisão, que, até a presente data, ainda estão pendentes de julgamento; 3. Continuam aplicáveis os dispositivos legais que dispõem sobre a incidência do icms nas operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
1. RELATÓRIO
Trata-se de consulta sobre interpretação e aplicação das regras relativas ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) no Estado do Espírito Santo.
A consulente é pessoa jurídica de direito privado localizada no Estado do Espírito Santo e questiona sobre as operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. São mencionadas as decisões dos tribunais superiores, em especial a Súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a ADC 49, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que entendem que não incide o imposto nessas operações.
Posto isso, questiona:
1- O Estado do Espírito Santo acatou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cessar a cobrança do ICMS nas operações sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuintes localizados em Estados distintos, independentemente de sua destinação?
2- Caso o Estado do Espírito Santo ainda não tenha acatado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), podemos seguir a instrução da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49/2021?
3- Qual CST usar nestas transferências?
4- A partir de quando passará a surtir efeitos, a partir de seu trânsito em julgado, ou de outra data fixada, ou efeito retroativo?
Por fim, declara que não se encontra sob ação fiscal relativamente ao objeto da consulta, nos termos do art. 808 c/c art. 845, III, ambos do RICMS/ES.
É o breve exame dos fatos.
2. APRECIAÇÃO
2.1 PRELIMINAR
Preliminarmente, constata-se que se encontram satisfeitas as exigências previstas nos artigos 842 e 845 do RICMS/ES, aprovado pelo Decreto nº 1.090-R, de 2002. Desta feita, cabe esclarecer que este parecer produzirá os efeitos previstos na legislação em vigor.
2.2 MÉRITO
A fundamentação teórica do tema foi amplamente discutida no Parecer Consultivo nº 062/2021, nos seguintes termos:
A Constituição Federal determinou que cabe à lei complementar estabelecer, dentre as normas gerais, o fato gerador do ICMS, nos termos prescritos no art. 146, III, “a”. O Congresso Nacional, obedecendo ao que determinara o constituinte, realizou o papel de aprovar a conhecida Lei Kandir, Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996.
Dentre as diretrizes gerais estabelecidas sobre o imposto, a referida lei complementar determinou como marco temporal para a ocorrência do fato gerador a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular: LC 87/1996
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
No mesmo sentido, a lei 7000/2001, que regula o ICMS no Estado do Espírito Santo assim dispôs:
Art. 3.º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
Diante do exposto, pode-se concluir que a norma esculpida no art. 3.º, I, do RICMS-ES, apenas reproduz norma de caráter nacional, cravada no art. 12, I, da Lei
Complementar n.º 87/96 combinada com o art. 3º, I, da Lei Estadual 7000/01, haja vista que nenhum Decreto emanado pelo Poder Executivo Estadual tem o condão de estabelecer, por si só, o fato gerador do imposto. Frisa-se: o fundamento de validade da norma inserta no RICMS-ES é a Lei Complementar n. º 87/96 combinada com a Lei 7000/2001.
O RICMS-ES, neste ponto específico, exerce meramente um papel muito mais voltado para ser um preceptor do que um disciplinador de normas cogentes. Em outras palavras, o Decreto do Poder Executivo Estadual, contemplando ou não a referida regra, não altera a relação jurídico-tributária balizada pelas normas constitucionais.
Acerca do §2º do art. 987 do CPC e do Tema 1099 do STF, é importante esclarecer que a Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica.
Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. De forma prática, o Juiz, ao analisar a matéria, decreta a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo.
A incidência do ICMS no caso concreto decorre de legislação plenamente válida no ordenamento tributário estadual, não cabendo ao agente público na esfera administrativa arguir o controle de constitucionalidade ou legalidade de Lei.
Este é o comando previsto no artigo 130, da Lei n.º 7.000/2001:
Art. 130. As autoridades administrativas não poderão:
I - declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de lei, decreto, ou portaria de Secretário de Estado;
Ademais, a questão já se encontra sumulada no CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS FISCAIS DO ESPÍRITO SANTO, senão vejamos: SÚMULA Nº 004 DO CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS FISCAIS, APROVADA, À UNANIMIDADE, EM SESSÃO PLENÁRIA REALIZADA NO DIA 30/09/2015.3 ENUNCIADO: O Conselho Estadual de Recursos Fiscais não é competente para declarar a inconstitucionalidade de lei tributária.
GUSTAVO ASSIS GUERRA
Presidente
CESAR ROMEU SOUZA DE LACERDA
Relator Proponente
RODRIGO FRANCISCO DE PAULA
Procurador Representante da Fazenda Pública ADRIANO FRISSO RABELO
Procurador Representante da Fazenda Pública HENRIQUE ROCHA FRAGA
Procurador Representante da Fazenda Pública
O reconhecimento da repercussão geral não implica a mudança automática na sistemática dos processos administrativos fiscais, salvo nos casos em que o próprio STF o determine expressamente.
Acerca do tema 1099, em julgado recente (abril/2021), no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, na qual o governo do Rio Grande do Norte buscava a validação da cobrança, por unanimidade, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar 87/1996, que preveem a ocorrência de fato gerador do ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Dessa forma, o Plenário do STF julgou a ADC 49 improcedente, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3º, II, 12, inciso I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, § 4º, da Lei Complementar 87/1996.
Tratando-se de controle concentrado de constitucionalidade, pode-se afirmar que tal decisão tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e também à ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Ato contínuo, foram apresentados Embargos de Declaração em face da referida decisão, cujo conteúdo trata da necessidade de modulação dos seus efeitos. O Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal) enviou ofício ao ministro Edson Fachin (relator da matéria) referente ao julgamento da ADC 49.
No ofício encaminhado ao relator no STF, o Comsefaz solicita que “seja atribuída eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade” dos referidos artigos, para assegurar a validade de todas as operações realizadas até a data do julgamento da ADC 49 (19 de abril deste ano). Pede ainda que os efeitos da pronúncia de nulidade das operações ocorram apenas a partir do exercício de 2023.
Portanto, até a presente data, a questão ainda não está resolvida definitivamente, pois aguarda decisão do STF quanto à modulação dos seus efeitos.
Na presente data, ainda se encontram pendentes de julgamento os embargos de declaração opostos à ADC 49. Pelo fato de não se tratar de decisão definitiva, existe a possibilidade de sua modificação ou de haver modulação de seus efeitos, de forma que ainda não se verifica o seu efeito vinculante.
A legislação aplicável ao caso, em especial o art. 12, I da Lei Complementar nº 87/96 e o art. 3º, I da Lei nº 7.000/01 continuam em vigor. Considerando também a natureza vinculada da atividade administrativa de lançamento prevista no Código Tributário Nacional (art. 142, Parágrafo único), permanecem aplicáveis os dispositivos legais que determinam a incidência do ICMS nas saídas de mercadorias para estabelecimentos do mesmo titular.
Conforme mencionado pela consulente, o Superior Tribunal de Justiça também possui entendimento sobre o tema, inclusive de forma sumulada:
Súmula STJ nº 166: Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
Entretanto, trata-se também de entendimento que não vincula a atividade da administração tributária.
3. CONCLUSÃO
Feitas essas considerações, passemos ao exame das indagações da consulente:
1) O Estado do Espírito Santo acatou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cessar a cobrança do ICMS nas operações sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuintes localizados em Estados distintos, independentemente de sua destinação?
Resposta: O tema está sendo discutido no âmbito do Poder Judiciário. Enquanto não houver decisão definitiva que vincule a administração pública, continuam aplicáveis os dispositivos legais que determinam a incidência do imposto nas saídas de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular.
2) Caso o Estado do Espírito Santo ainda não tenha acatado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), podemos seguir a instrução da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49/2021?
Resposta: Conforme exposto, não há, até o momento, decisão definitiva no âmbito da ADC 49. A legislação que determina a incidência do ICMS nas operações entre estabelecimentos do mesmo titular continua em vigor e deve ser aplicada pelos contribuintes.
3) Qual CST usar nestas transferências?
Resposta: O Código de Situação Tributária (CST) é definido em função da natureza do produto e da sua origem. Essas informações não foram apresentadas pela consulente, de forma que não é possível determinar o código a ser utilizado nas operações. O CST deve observar o disposto no Anexo I do Convênio ICMS S/Nº, de 1970.
4) A partir de quando passará a surtir efeitos, a partir de seu trânsito em julgado, ou de outra data fixada, ou efeito retroativo?
Resposta: Até a presente data, a questão não está resolvida definitivamente. O STF ainda não decidiu quanto à modulação dos seus efeitos.
Nos termos do art. 849 do RICMS/ES, a consulente deve adotar o entendimento contido nesta solução de consulta dentro do prazo de dez dias, contados do seu recebimento.
É o parecer.
Vitória/ES, 27 de janeiro de 2023.
(documento assinado digitalmente)
ROGÉRIO BARBOSA VIANA LIMA
Auditor Fiscal Da Receita Estadual
De acordo.
(documento assinado digitalmente)
ALEXANDRE DE CASTRO PEREIRA
Supervisor de Orientação e Estudos Tributários – SUJUP/GETRI
Aprovo o Parecer Consultivo nº 042/2023. Comunique-se ao interessado e, conforme o disposto no art. 857 do RICMS/ES, remeta-se uma cópia à Gerência Fiscal para as providências cabíveis.
(documento assinado digitalmente)
HUDSON DE SOUZA CARVALHO
Gerente Tributário