Publicado no DOU em 9 dez 1976
Dispõe sobre o processo discriminatório de terras devolutas da União e dá outras providências.
O Presidente da República
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
CAPÍTULO IArt. 1º. O processo discriminatório das terras devolutas da União será regulado por esta lei.
Parágrafo único. O processo discriminatório será administrativo ou judicial.
CAPÍTULO IIArt. 2º. O processo discriminatório administrativo será instaurado por Comissões Especiais constituídas de três membros, a saber: um bacharel em direito do Serviço Jurídico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, que a presidirá; um engenheiro agrônomo e um outro funcionário que exercerá as funções de secretário.
§ 1º. As Comissões Especiais serão criadas por ato do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, e terão jurisdição e sede estabelecidas no respectivo ato de criação, ficando os seus presidentes investidos de poderes de representação da União, para promover o processo discriminatório administrativo previsto nesta lei.
§ 2º. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, no prazo de 30 (trinta) dias após a vigência desta lei, baixará Instruções Normativas, dispondo, inclusive, sobre o apoio administrativo às Comissões Especiais.
Art. 3º. A Comissão Especial instruirá inicialmente o processo com memorial descritivo da área, no qual constará:
I - o perímetro com suas características e confinância, certa ou aproximada, aproveitando, em princípio, os acidentes naturais;
II - a indicação de registro da transcrição das propriedades;
III - o rol das ocupações conhecidas;
IV - o esboço circunstanciado da gleba a ser discriminada ou seu levantamento aerofotogramétrico;
V - outras informações de interesse.
Art. 4º. O presidente da Comissão Especial convocará os interessados para apresentarem, no prazo de 60 (sessenta) dias e em local a ser fixado no edital de convocação, seus títulos, documentos, informações de interesse e, se for o caso, testemunhas.
§ 1º. Consideram-se de interesse as informações relativas à origem e seqüência dos títulos, localização, valor estimado e área certa ou aproximada das terras de quem se julgar legítimo proprietário ou ocupante; suas confrontações e nome dos confrontantes; natureza, qualidade e valor das benfeitorias; culturas e criações nelas existentes; financiamento e ônus incidentes sobre o imóvel e comprovantes de impostos pagos, se houver.
§ 2º. O edital de convocação conterá a delimitação perimétrica da área a ser discriminada com suas características e será dirigido, nominalmente, a todos os interessados, proprietários, ocupantes, confinantes certos e respectivos cônjuges, bem como aos demais interessados incertos ou desconhecidos.
§ 3º. O edital deverá ter a maior divulgação possível, observado o seguinte procedimento:
a) afixação em lugar público na sede dos municípios e distritos, onde se situar a área nele indicada;
b) publicação simultânea, por duas vezes, no Diário Oficial da União, nos órgãos oficiais do Estado ou Território Federal e na imprensa local, onde houver, com intervalo mínimo de 8 (oito) e máximo de 15 (quinze) dias entre a primeira e a segunda.
§ 4º. O prazo de apresentação dos interessados será contado a partir da segunda publicação no Diário Oficial da União.
Art. 5º. A Comissão Especial autuará e processará a documentação recebida de cada interessado, em separado, de modo a ficar bem caracterizado o domínio ou a ocupação com suas respectivas confrontações.
§ 1º. Quando se apresentarem dois ou mais interessados no mesmo imóvel, ou parte dele, a Comissão Especial procederá à apensação dos processos.
§ 2º. Serão tomadas por termo as declarações dos interessados e, se for o caso, os depoimentos de testemunhas previamente arroladas.
Art. 6º. Constituído o processo, deverá ser realizada, desde logo, obrigatoriamente, a vistoria para identificação dos imóveis e, se forem necessárias, outras diligências.
Art. 7º. Encerrado o prazo estabelecido no edital de convocação, o presidente da Comissão Especial, dentro de 30 (trinta) dias improrrogáveis, deverá pronunciar-se sobre as alegações, títulos de domínio, documentos dos interessados e boa-fé das ocupações, mandando lavrar os respectivos termos.
Art. 8º. Reconhecida a existência de dúvida sobre a legitimidade do título, o presidente da Comissão Especial reduzirá a termo as irregularidades encontradas, encaminhando-o à Procuradoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, para propositura da ação competente.
Art. 9º. Encontradas ocupações, legitimáveis ou não, serão lavrados os respectivos termos de identificação, que serão encaminhados ao órgão competente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, para as providências cabíveis.
Art. 10. Serão notificados, por ofício, os interessados e seus cônjuges para, no prazo não inferior a 8 (oito) nem superior a 30 (trinta) dias, a contar da juntada ao processo do recibo de notificação, celebrarem com a União os termos cabíveis.
Art. 11. Celebrado, em cada caso, o termo que couber, o presidente da Comissão Especial designará agrimensor para, em dia e hora avençados com os interessados, iniciar o levantamento geodésio e topográfico das terras objeto de discriminação, ao fim da qual determinará a demarcação das terras devolutas, bem como, se for o caso, das retificações objeto de acordo.
§ 1º. Aos interessados será permitido indicar um perito para colaborar com o agrimensor designado.
§ 2º. A designação do perito, a que se refere o parágrafo anterior, deverá ser feita até a véspera do dia fixado para início do levantamento geodésico e topográfico.
Art. 12. Concluídos os trabalhos demarcatórios, o presidente da Comissão Especial mandará lavrar o termo de encerramento da discriminação administrativa, do qual constarão, obrigatoriamente:
I - o mapa detalhado da áres discriminada;
II - o rol de terras devolutas apuradas, com suas respectivas confrontações;
III - a descrição dos acordos realizados;
IV - a relação das áreas com titulação transcrita no Registro de Imóveis, cujos presumidos proprietários ou ocupantes não atenderam ao edital de convocação ou à notificação (artigos 4º e 10 desta lei);
V - o rol das ocupações legitimáveis;
VI - o rol das propriedades reconhecidas; e
VII - a relação dos imóveis cujos títulos suscitaram dúvidas.
Art. 13. Encerrado o processo discriminatório, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA providenciará o registro, em nome da União, das terras devolutas discriminadas, definidas em lei, como bens da União.
Art. 14. O não-atendimento ao edital de convocação ou à notificação (artigos 4º e 10 da presente lei) estabelece a presunção de discordância e acarretará propositura da ação judicial prevista no artigo 19, II.
Parágrafo único. Os presumíveis proprietários e ocupantes, nas condições do presente artigo, não terão acesso ao crédito oficial ou aos benefí-cios de incentivos fiscais, bem como terão cancelados os respectivos cadastros rurais junto ao órgão competente.
Art. 15. O presidente da Comissão Especial comunicará a instauração do processo discriminatório administrativo a todos os oficiais de Registro de Imóveis da jurisdição.
Art. 16. Uma vez instaurado o processo discriminatório administrativo, o oficial do Registro de Imóveis não efetuará matrícula, registro, inscrição ou averbação estranhas à discriminação, relativamente aos imóveis situados, total ou parcialmente, dentro da área discriminada, sem que desses atos tome prévio conhecimento o presidente da Comissão Especial.
Parágrafo único. Contra os atos praticados com infração do disposto no presente artigo, o presidente da Comissão Especial solicitará que a Procuradoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA utilize os instrumentos previstos no Código de Processo Civil, incorrendo o oficial do Registro de Imóveis infrator nas penas do crime de prevaricação.
Art. 17. Os particulares não pagam custas no processo administrativo, salvo para serviços de demarcação e diligências a seu exclusivo interesse.
CAPÍTULO IIIArt. 18. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA fica investido de poderes de representação da União, para promover a discriminação judicial das terras devolutas da União.
Art. 19. O processo discriminatório judicial será promovido:
I - quando o processo discriminatório administrativo for dispensado ou interrompido por presumida ineficácia;
II - contra aqueles que não atenderem ao edital de convocação ou à notificação (artigos 4º e 10 presente lei); e
III - quando configurada a hipótese do artigo 25 desta lei.
Parágrafo único. Compete à Justiça Federal processar e julgar o processo discriminatório judicial regulado nesta lei.
Art. 20. No processo discriminatório judicial será observado o procedimento sumaríssimo de que trata o Código de Processo Civil.
§ 1º. A petição inicial será instruída com o memorial descritivo da área, de que trata o artigo 3º. desta lei.
§ 2º. A citação será feita por edital, observados os prazos e condições estabelecidos no artigo 4º desta lei.
Art. 21. Da sentença proferida caberá apelação somente no efeito devolutivo, facultada a execução provisória.
Art. 22. A demarcação da área será procedida, ainda que em execução provisória da sentença, valendo esta, para efeitos de registro, como título de propriedade.
Parágrafo único. Na demarcação observar-se-á, no que couber, o procedimento prescrito nos artigos 959 a 966 do Código de Processo Civil.
Art. 23. O processo discriminatório judicial tem caráter preferencial e prejudicial em relação às ações em andamento, referentes a domínio ou posse de imóveis situados, no todo ou em parte, na área discriminada, determinando o imediato deslocamento da competência para a Justiça Federal.
Parágrafo único. Nas ações em que a União não for parte, dar-se-á, para os efeitos previstos neste artigo, a sua intervenção.
CAPÍTULO IVArt. 24. Iniciado o processo discriminatório, não poderão alterar-se quaisquer divisas na área discriminanda, sendo defesa a derrubada da cobertura vegetal, a construção de cercas e transferências de benfeitorias a qualquer título, sem assentimento do representante da União.
Art. 25. A infração ao disposto no artigo anterior constituirá atentado, cabendo a aplicação das medidas cautelares previstas no Código de Processo Civil.
Art. 26. No processo discriminatório judicial os vencidos pagarão as custas a que houverem dado causa e participação pro rata das despesas da demarcação, considerada a extensão da linha ou linhas de confrontação com as áreas públicas.
Art. 27. O processo discriminatório previsto nesta lei aplicar-se-á, no que couber, às terras estaduais, observado o seguinte:
I - na instância administrativa, por intermédio de órgão estadual específico, ou através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, mediante convênio;
II - na instância judicial, na conformidade do que dispuser a Lei de Organização Judiciária local.
Art. 28. Sempre que se apurar, através de pesquisa nos registros públicos, a inexistência de domínio particular em áreas rurais declaradas indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais, a União, desde logo, as arrecadará mediante ato do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do qual constará:
I - a circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel, conforme o critério adotado pela legislação local;
II - a eventual denominação, as características e confrontações do imóvel.
§ 1º. A autoridade que promover a pesquisa, para fins deste artigo, instruirá o processo de arrecadação com certidão negativa comprobatória da inexistência de domínio particular, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis, ceertidões do Serviço do Patrimônio da União e do órgão estadual competente que comprovem não haver contestação ou reclamação administrativa promovida por terceiros, quanto ao domínio e posse do imóvel.
§ 2º. As certidões negativas mencionadas neste artigo consignarão expressamente a sua finalidade.
Art. 29. O ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100 (cem) hectares, desde que preencha os seguintes requisitos:
I - não seja proprietário de imóvel rural;
II - comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano.
§ 1º. A legitimação da posse de que trata o presente artigo consistirá no fornecimento de uma Licença de Ocupação, pelo prazo mínimo de mais 4 (quatro) anos, findo o qual o ocupante terá a preferência para aquisição do lote, pelo valor histórico da terra nua, satisfeitos os requisitos de morada permanente e cultura efetiva e comprovada a sua capacidade para desenvolver a área ocupada.
§ 2º. Aos portadores de Licenças de Ocupação, concedidas na forma da legislação anterior, será assegurada a preferência para aquisição de área até 100 (cem) hectares, nas condições do parágrafo anterior, e, o que exceder esse limite, pelo valor atual da terra nua.
§ 3º. A Licença de Ocupação será intransferível inter vivos e inegociável, não podendo ser objeto de penhora e arresto.
Art. 30. A Licença de Ocupação dará acesso aos financiamentos concedidos pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural.
§ 1º. As obrigações assumidas pelo detentor de Licença de Ocupação serão garantidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.
§ 2º. Ocorrendo inadimplência do favorecido, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA cancelará a Licença de Ocupação e providenciará a alienação do imóvel, na forma da lei, a fim de ressarcir-se do que houver assegurado.
Art. 31. A União poderá, por necessidade ou utilidade pública, em qualquer tempo que necessitar do imóvel, cancelar a Licença de Ocupação e imitir-se na posse do mesmo, promovendo, sumariamente, a sua desocupação no prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
§ 1º. As benfeitorias existentes serão indenizadas pela importância fixada através de avaliação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, considerados os valores declarados para fins de cadastro.
§ 2º. Caso o interessado se recuse a receber o valor estipulado, o mesmo será depositado em juízo.
§ 3º. O portador da Licença de Ocupação, na hipótese prevista no presente artigo, fará jus, se o desejar, à instalação em outra gleba da União, assegurada a indenização, de que trata o § 1º deste artigo, e computados os prazos de morada habitual e cultura efetiva da antiga ocupação.
Art. 32. Não se aplica aos imóveis rurais o disposto nos artigos 19 a 31, 127 a 133, 139, 140 e 159 a 174 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.
Art. 33. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, aplicando-se, desde logo, aos processos pendentes.
Art. 34. Revogam-se a Lei nº 3.081, de 22 de dezembro de 1956, e as demais disposições em contrário.
ERNESTO GEISEL.