Suspense no Congresso sobre MP da tributação de lucros


19 mar 2014 - Contabilidade / Societário

Portal do ESocial

As empresas estão na expectativa dos desdobramentos da votação da Medida Provisória (MP) 627, que trata de questões tributárias. É natural: a MP muda a tributação dos lucros no exterior de subsidiárias de multinacionais brasileiras, altera a apuração dos impostos federais, promove a adequação da contabilidade brasileira às normas internacionais, reabre prazos de parcelamentos de tributos federais com condições bem vantajosas, extingue o Regime Tributário de Transição (RTT) –, criado em 2007 para evitar aumento de carga tributária com a convergência das regras contábeis.

Publicada em novembro de 2013, a MP teve o prazo de vigência prorrogado e deve ser votada no Congresso Nacional até o dia 21 de abril. Já nesta semana, porém, ela pode ser analisada pela comissão mista que trata do assunto, depois que o relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fizer a leitura do texto que preparou.

Empresários e Mantega

Desde a sua publicação, a norma tem tirado o sono de empresários, forçados a avaliar com cuidado os impactos das alterações em seus negócios. Ressalta, desde logo, a polêmica da tributação sobre as multinacionais brasileiras. Pelo texto original da MP, as companhias teriam cinco anos para recolher os impostos devidos sobre seus lucros auferidos fora do Brasil. O texto do relatório preparado pelo deputado Eduardo Cunha propõe um prazo de oito anos. Após reunião com grupo de empresários em Brasília, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sinalizou que aceita a proposta, com um desembolso de 17,5% no primeiro ano e a retirada de incidência de juros nas demais parcelas. Mas, segundo o noticiário, o governo não se comprometeu com outros pontos sugeridos pelos empresários, como a reivindicação de que a parcela do lucro reinvestida nas filiais fique livre da tributação.

Marcos S. Jank, representante da BRF na reunião com Mantega, resumiu em artigo no Estadão, a razão da insatisfação das empresas. A MP traz "como conceito central o recolhimento no Brasil da diferença entre a alíquota paga no exterior e os atuais 34% vigentes no País; essa diferença será calculada pela variação patrimonial a cada exercício, independente de os lucros serem reinvestidos no exterior ou remetidos de volta como dividendos". Jank prefere outros modelos: ou o europeu, que dá isenção tributária na origem do investimento (as empresas pagam os impostos nos países destino onde atuam e recebem no seu país de residência isenção total ou parcial dos impostos sobre dividendos que forem repatriados); ou o americano, pelo qual o país de origem dos investimentos tributa os lucros gerados pelas controladas no exterior no momento em que estes são distribuídos para a matriz.

A tarefa das empresas agora é tentar convencer o deputado Cunha a alterar seu relatório em mais um ponto, enquanto esperam o governo decidir se formula ou não uma outra medida provisória.

500 emendas

Cheia de detalhes, com dispositivos que fogem do assunto principal, a MP 627 tem uma centena de artigos e atraiu mais de 500 emendas, colocando o meio jurídico e empresarial em compasso de espera. A incidência de impostos sobre os dividendos é outro ponto polêmico da MP. Isso porque a alteração das regras reaviva uma disputa entre o fisco e os contribuintes, que tem origem na diferença entre o lucro fiscal, apurado de acordo com as regras contábeis vigentes até 2007, e o lucro contábil, que segue as regras internacionais para a elaboração de balanços. O fisco quer tributar essa diferença. Entre 2008 e 2013, as companhias fizeram os balanços e pagaram dividendos de acordo com as regras internacionais da contabilidade. No entendimento da Receita Federal, a distribuição do dividendo só tem isenção até o limite do lucro fiscal. Sobre o excedente distribuído, pelas regras societárias, deve ser pago o Imposto de Renda.

Pelo texto da MP, as empresas nessa situação que tivessem feito a distribuição de dividendos excedentes até a edição da norma estariam isentas de qualquer tributação sobre esse valor. E aquelas que ainda não distribuíram, teriam que pagar o imposto quando o fizessem. Houve uma alteração, no relatório, no dispositivo em questão, beneficiando as empresas ao estabelecer que o lucro excedente é isento de tributação desde que tenha sido pago aos acionistas até a publicação da lei.

O relator acabou com a exigência feita pelo Fisco de que as empresas só estariam isentas da tributação sobre os dividendos com a adesão às regras da MP ainda neste ano e não apenas em 2015. Na hipótese dessa mudança proposta pelo relator passar pelo crivo do Congresso, um dos receios dos contribuintes é um possível veto da presidente Dilma Rousseff. "As empresas esperam a votação do texto final e não decidiram se farão ou não a opção neste ano", disse Elias Cohen Jr., consultor tributário do escritório Bergamini Collucci Advogados.

Nova tributação para as multinacionais à parte, na opinião de especialistas é impossível afirmar com exatidão que as novas regras contábeis trarão aumento de impostos de forma generalizada. A economia no pagamento de tributos ou aumento da carga fiscal vai depender de fatores como o tamanho da empresa, o ramo de atividade. O impacto negativo será sentido a partir de agora pelos bancos e seguradoras, pois o texto amplia o conceito de receita bruta com a finalidade de encerrar uma discussão envolvendo a tributação do Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre as receitas de intermediação financeira auferidas pelo segmento.

Escrituração digital

A coordenadora de Direito na Fadisp, Faculdade Especializada em Direito, Andreia Antonacci, avalia que, caso haja aumento de carga tributária, essa expansão ocorrerá por vias indiretas. Isso porque o texto força a obrigatoriedade da escrituração digital, uma ferramenta tecnológica que confere aperfeiçoamento da fiscalização. "O governo mais uma vez fecha o cerco à sonegação", resume. O texto também prevê punições para os contribuintes que não prestarem as informações no prazo, enviarem dados incorretos ou omitirem informações do Fisco. A multa pode varia de exatos R$ 500 a 5% sobre o valor omitido, inexato ou incorreto. Na prática, de acordo com Andreia, as novas regras mudarão a forma de se fazer planejamento tributário no País, que deverá ser mais preciso.


Fonte: Diário do Comércio – SP