25 out 2010 - Trabalho / Previdência
O próximo governo precisa enfrentar desequilíbrios do modelo previdenciário do país, que se mostra injusto e concentrador de renda
As recentes cenas de confronto de rua e o grau de mobilização dos sindicatos na França poderiam levar um observador desatento a crer que o presidente Nicolas Sarkozy pretende pôr fim ao Estado de Bem-Estar Social no país.
Protesta-se, na verdade, contra a simples elevação das idades mínimas para a aposentadoria -de 60 para 62 anos, para acesso a benefícios parciais, e de 65 para 67, no caso do pagamento integral.
Não obstante a singular paixão francesa por greves e passeatas, trata-se de mais um exemplo da sensibilidade excessiva despertada por medidas de reforma previdenciária em todo o mundo. Como já se pôde ver no Brasil, em reação a tímidas iniciativas para conferir racionalidade à Previdência.
Novas medidas se fazem necessárias, e será inevitável o abandono do atual imobilismo do governo brasileiro em relação ao tema.
Antes de mais nada por causa de mudanças no perfil da população. O Brasil colherá nos próximos 15 anos o chamado bônus demográfico -quando uma parcela maior de adultos trabalha e sustenta frações reduzidas de idosos e crianças. A partir de então, o tamanho da população idosa crescerá rapidamente.
Projeções do IBGE indicam que, em 2050, o país terá 64 milhões de pessoas acima de 60 anos, contra 19,5 milhões atualmente. Mesmo com uma população ainda jovem, o Brasil já gasta com aposentadorias somas comparáveis às de países mais maduros -cerca de 8,5% do PIB em 2010. Mantidas as regras vigentes, tal cifra pode atingir 16,5% do PIB até 2050.
O país não será capaz de se adequar ao envelhecimento da população com o injusto modelo atual.
O sistema previdenciário brasileiro se divide em dois: o que atende os servidores públicos e o regime geral, do INSS, voltado para a iniciativa privada. O primeiro, apenas no caso da União, atendeu 938 mil segurados no primeiro semestre deste ano, com um deficit de R$ 25 bilhões. O INSS teve resultado negativo de R$ 22,6 bilhões, no mesmo período, ao pagar benefícios para 27,5 milhões de aposentados e pensionistas.
A disparidade entre os dois regimes é imensa. No INSS, quase 70% dos benefícios são iguais ou menores que 1 salário mínimo. O valor médio pago é de cerca de R$ 775, com teto de R$ 3.467. No regime público da União, o beneficio médio atinge quase R$ 6.000, sem a contrapartida de contribuições. Considerando ainda Legislativo, Judiciário, militares, Estados e municípios, com benefícios que muitas vezes superam R$ 20 mil por mês, tem-se um quadro de iniquidade e concentração de renda.
O que fazer? No caso do setor privado urbano, o aumento da expectativa de vida deve levar a uma revisão dos critérios de aposentadoria, hoje determinados tanto por regras de idade mínima quanto pelo tempo de contribuição.
No caso do setor público, os privilégios precisam acabar. Depois de um esforço em 2003, quando foi aprovada uma emenda constitucional que igualava o teto dos benefícios dos novos entrantes no serviço público ao do INSS, nada mais se fez. E as novas regras ainda dependem de regulamentação, que nunca houve.
É imperativo que o próximo governo corrija tais injustiças e desequilíbrios, sob pena de comprometer o futuro do país.
Fonte: Folha de S.Paulo