11 mai 2010 - Trabalho / Previdência
Ano eleitoral é sempre tempo de muito ilusionismo. Promete-se tudo o que os eleitores querem ouvir. Não faltarão neste ano as clássicas propostas de reforma trabalhista.
Muito provavelmente o tema mais abordado será o da propalada desoneração da folha de pagamentos. De fato, as despesas de contratação no Brasil ultrapassam a casa dos 100% (ver a seguir os dados de cada tipo de despesa e a porcentagem que representa sobre o salário. Fonte: Constituição Federal e CLT):
Grupo A (contribuições sociais = 35,80%): INSS, 20%; FGTS, 8%; acidentes de trabalho (média), 2%; salário-educação, 2,5%; Sesi/Sesc/Sest, 1,5%; Senai/Senac/Senat, 1%; Sebrae, 0,6%; Incra, 0,2%;
Grupo B (remuneração do tempo não trabalhado I = 38,23%): repouso semanal, 18,91%; férias, 9,45%; abono de férias, 3,64%; feriados, 4,36%; aviso prévio, 1,32%; auxílio-enfermidade, 0,55%;
Grupo C (remuneração do tempo não trabalhado II = 13,85%): 13.º salário, 10,91%; despesa de rescisão contratual, 2,94%;
Grupo D (incidências cumulativas = 14,55%): incidência cumulativa grupo A/grupo B, 13,68%; incidência do FGTS sobre 13.º salário, 0,87%;
Total geral = 102,43%.
Os que propõem a desoneração da folha têm pela frente um difícil desafio: o que cortar? Observe o leitor que há quatro conjuntos de despesas. Concentrarei minha atenção neste artigo no grupo A e seus reflexos.
As despesas desse grupo sustentam importantes políticas públicas e que não podem ser descontinuadas. Os 20% para o INSS vão para as aposentadorias, pensões e assistência social. Os 8% do FGTS são cruciais para o financiamento de relevantes projetos sociais (habitação popular, saneamento básico, etc.). Os 2% do seguro de acidentes do trabalho (em média) são essenciais para proteger os trabalhadores nos casos de incapacidade e morte. Os 2,5%, 1,5%, 1% e 0,6% que vêm a seguir são destinados a entidades que mantêm os serviços de formação do capital humano num país tão carente de mão de obra qualificada. O Incra, por sua vez, conta com o 0,2% para fazer a reforma agrária, que é essencial e está atrasada.
Como se vê, o Brasil decidiu "pendurar" o financiamento de importantes programas sociais na folha de salários. Bem diferente foi a opção dos países adiantados, que sustentam tais programas principalmente com o Imposto de Renda.
Esclareço que o total das contribuições do grupo A é maior do que os 35,8% indicados. Sim, porque, além de fazer uma opção perversa, nossos governantes decidiram que todas essas contribuições incidiriam - como de fato incidem - sobre as despesas do grupo B, o que gera gastos adicionais de 13,68%. O FGTS, por sua vez, incide sobre o 13.º salário, gerando 0,87%. No total, essas incidências chegam a 14,55%, que, somados aos 35,8%, ultrapassam 50%. Ou seja, a despesa direta e os reflexos representam mais da metade do salário.
Aqui está o ponto. Como todas essas despesas são importantes para os programas mencionados, qualquer desoneração terá de encontrar fontes substitutas à altura e com a segurança que é dada pela folha de salários. Do contrário, as entidades em tela ficarão sem recursos para levar adiante as suas responsabilidades. Isso significa que uma reforma trabalhista que vise à urgente desoneração da folha de salários tem de ser feita no contexto de uma reforma tributária.
Como se vê, falar é fácil. Fazer é difícil. Mas é necessário. A opção feita pelo País onerou o que precisa ser desonerado - um dos mais importantes fatores da produção, que é o trabalho.
Uma desoneração bem-feita poderá proporcionar um saudável aumento dos salários, o que é bom para os trabalhadores e para a economia. Vou ficar de olho para ver se os candidatos terão a coragem de propor uma reforma trabalhista junto com a tributária e, por que não dizer, com a previdenciária.
O leitor deve estar pensando: Se é difícil fazer uma, o que dirá fazer três? Mas, se tudo está entrelaçado, qual é a chance de fazer uma sem fazer as outras?
Fonte: O Estado de S.Paulo