28 jun 2018 - Contabilidade / Societário
A complexidade tributária no Brasil, que muitas vezes deixa dúvidas sobre o recolhimento de impostos, fez surgir um mercado bilionário para as seguradoras. Trata-se do seguro judicial, que substitui garantias em dinheiro, cauções ou fiança bancária que as empresas brasileiras envolvidas em processos tributários, trabalhistas, cíveis e recuperações judiciais no âmbito federal, estadual e municipal precisam apresentar ao Judiciário para garantir o pagamento de dívidas.
“O seguro judicial é como um guarda-chuva na tempestade. O Brasil é complexo do ponto de vista tributário em várias frentes. Um dos exemplos é como recuperar ágio nas operações de fusão e aquisição. E há outros vários exemplos onde há dúvidas. Se não pagam, as empresas são multadas pela Receita Federal e querem recorrer. Só que para recorrer precisam fazer depósitos em dinheiro, apresentar fiança bancária ou seguro judicial, que passou a ser aceito a partir de 2014”, explica Pedro Mattosinho, responsável por garantias na seguradora Zurich.
Desde então, o mercado vem crescendo em ritmo acelerado, inclusive durante a crise econômica em sua fase mais aguda entre os anos de 2014 até 2017, sempre em mais de dois dígitos e, na maioria dos anos, acima dos 20%. Segundo João Di Girolamo Filho, responsável pela área de seguro garantia da Swiss Re, o motivo de tal crescimento é a falta de vinculação com a atividade econômica do produto, visto que as empresas em atividade mantêm compromissos como pagamento de impostos, pagamento de salários e encargos trabalhistas e previdenciários, compra de fornecedores, o que muitas vezes gera discussões as quais podem ser dirimidas pelo Poder Judiciário.
O “pulo do gato” do seguro garantia judicial foi a abertura deste mercado para outros setores da economia, além da construção e infraestrutura. Hoje, qualquer setor ou segmento é elegível para consumir o produto desde que se enquadre no apetite e estratégia das seguradoras que o operam. “Entretanto, varejo, bebidas e alimentos, indústria automotiva, siderurgia, telecomunicações e óleo e gás são grandes consumidores do seguro garantia judicial”, diz Girolamo Filho.
Outro estímulo para o crescimento da venda do seguro judicial veio com a reforma trabalhista, que incluiu o seguro, pacificando a aceitação da modalidade na esfera judicial. Com isso, a apólice é oferecida ao tribunal como garantia de que o valor do depósito recursal será integralizado na condenação. Os custos desses depósitos são tabelados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), fixados em R$ 9.189 para a interposição de recurso ordinário, e em R$ 18.378 para recursos aos tribunais superiores. “Desta forma, o seguro garantia está desonerando os depósitos recursais que têm de ser oferecidos pelas empresas. Anteriormente, as empresas precisavam fazer depósitos em dinheiro para garantir a admissibilidade do pedido perante os tribunais”, diz Luis Guilherme Menezes, diretor de crédito e garantia da Marsh Brasil.
Apesar do crescimento significativo, o mercado apresenta certo zelo devido à concentração dos portfólios das seguradoras nesse produto. Estima-se que as seguradoras receberam R$ 2 bilhões em receita e arcam com riscos de até R$ 10 bilhões, em apólices que tem vigência de cinco anos. A preocupação está no aumento dos pedidos de recuperação judicial de clientes. Se eles não arcarem com o pagamento em caso de perda de causa das ações em juízo que contam com seguro, a seguradora é que deverá indenizar para depois entrar com o pedido de uso das contra garantias dada na apólice.
“Por se tratar de risco de cunho financeiro, tem sido também afetado por balanços frágeis que demonstram o impacto da desaceleração dos negócios nos mais variados setores”, diz o diretor de riscos financeiros da seguradora Berkley, Eduardo Viegas.
Cassio Gama Filho, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho, ressalta que o produto precisa ser mais difundido no meio jurídico. “Muitos procuradores questionam como uma seguradora com patrimônio líquido de R$ 50 milhões pode garantir uma execução de R$ 500 milhões. Esse tipo de preocupação mostra que as seguradoras precisam investir mais em explicar como funciona o setor, os mecanismos de mitigação de risco e uso de contratos de resseguro que regem a indústria de seguros”.
Uma nova demanda que começa a surgir no Brasil, já praticada na Europa, é a compra de seguro garantia por parte de fundos de investimentos, que podem substituir as empreiteiras, que movimentavam o segmento de garantia de contratos. “Temos sido procurados por seguradoras que querem entender sobre as complexas estruturas dos fundos”, diz Gama Filho. Eles atuam em consonância com as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e tem balanços auditados. “Mas não têm personalidade jurídica, o que exige empenho das seguradoras para conhecer o que é praticado no segmento em outros países”, afirma.
Fonte: Valor Econômico