Trabalho por conta própria perde espaço para emprego formal


11 mar 2011 - Simples Nacional

Recuperador PIS/COFINS

A pernambucana Izabel Cristina da Silva, de 38 anos, esperou por muito tempo a chegada de uma segunda-feira especial. Diarista durante quase duas décadas, ela sempre sonhou com o primeiro dia de trabalho com carteira assinada. Esse dia chegou em 9 de agosto de 2010. Após ser aprovada em uma bateria de testes, Bel, como é mais conhecida, começou a trabalhar como cobradora nos ônibus da Rodoviária Metropolitana, empresa que atende alguns bairros do Grande Recife.

A mudança na vida de Izabel ilustra bem um intenso fluxo de trabalhadores autônomos para o mercado assalariado no Brasil. De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, 18,2% da população ocupada no país trabalhava por conta própria em janeiro deste ano, contra 18,9% no mesmo mês de 2010. Foi o menor percentual para esse tipo de ocupação registrado em um mês de janeiro desde o início da pesquisa, em 2003.

O movimento é puxado pelo crescimento da oferta de empregos com carteira assinada. No mesmo intervalo de comparação o contingente de trabalhadores formalizados passou de 50,3% para 52,1% do total da população ocupada nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Recife e Salvador).

Porém, é no Nordeste que a migração para a carteira assinada tem sido mais intensa. Na região metropolitana do Recife, o peso dos que trabalham por conta própria caiu de 23,2% para 19,9% do total entre janeiro de 2010 e de 2011. Já a representatividade do emprego formal saltou de 44,5% para 47%, na mesma comparação. Em Salvador, o percentual de autônomos caiu de 22,4% para 20,8% no mesmo intervalo de comparação, enquanto os empregos com carteira assinada passaram de 46,3% para 49,1% do total da população ocupada.

Na avaliação de economistas locais, a trajetória do emprego formal simplesmente acompanha o PIB do Nordeste, que cresce acima da média nacional desde 2003. Os pesados investimentos públicos e privados feitos na região nos últimos anos, com maior ênfase em Pernambuco, geraram uma demanda importante por mão de obra.

Em muitos casos, as condições oferecidas foram suficientes para absorver profissionais que antes trabalhavam por conta própria. Izabel, por exemplo, abriu mão de um salário maior como diarista pela estabilidade da carteira assinada. "Eu queria muito o plano de saúde, que é muito caro para pagar do próprio bolso", conta ela. "Também quero pagar INSS, para ter alguma coisa quando me aposentar."

Outro bom exemplo é o Estaleiro Atlântico Sul, instalado no município de Ipojuca, a 60 quilômetros do Recife. Diante da escassez de mão de obra especializada, o empreendimento teve que treinar um batalhão de profissionais que antes trabalhavam por conta própria, como pescadores e diaristas.

Uma delas é Edivânia da Silva, de 31 anos, que em março 2009 deixou o ofício do forno e fogão para trabalhar na solda de módulos navais. Feliz com o novo salário e os benefícios, ela almeja agora degraus mais altos na indústria naval. "Futuramente quero trabalhar na inspeção", planeja a soldadora.

De acordo com Jorge Jatobá, economista da Ceplan Consultoria, o crescimento do emprego com carteira assinada reflete a pujança econômica pela qual passa Pernambuco. "A onda de investimentos que chega é gerada por empresas que têm a cultura de contratar com carteira", analisa ele. Sócio da Datamétrica, Alexandre Rands concorda. "O desenvolvimento leva gente do subemprego para a formalidade."

O ritmo mais acelerado de formalização ocorre justamente nas capitais onde se percebe os mais elevados índices de desemprego: Salvador e Recife. De acordo com o IBGE, a taxa de desocupação na região metropolitana do Recife estava em 7,1% em janeiro último, contra uma média nacional de 6,1%. Na capital baiana, o indicador mostrou 10,7%.

Segundo Rands, apesar do crescimento econômico, o mercado de trabalho nessas regiões apresenta problemas que vão além da baixa oferta de mão de obra qualificada. "Há também pouca integração e as informações demoram mais a circular. Com isso, a pessoa que sai de um determinado trabalho leva muito mais tempo até conseguir outro, o que se reflete na taxa de desemprego", explica.

Ainda assim, Recife e Salvador começam a preencher os espaços vazios. As duas capitais apresentaram a maior evolução do trabalho formal nos 12 meses encerrados em janeiro deste ano. Na capital pernambucana, a participação dos trabalhadores formalizados avançou 2,5 pontos, para 47%. Em Salvador, o salto foi de 2,8 pontos, para 49,1%.

O universo de pessoas que ingressam no mercado formal, porém, não é feito apenas de satisfação. O economista Saulo Ramón Santos, de 41 anos, está descontente com seu trabalho, apesar do largo sorriso que exibe na foto do crachá.

Empreendedor declarado, ele ocupa há um ano a cadeira de gerente-comercial da Espe, empresa pernambucana especializada em softwares para gestão empresarial. Antes de assumir o posto, contudo, Saulo era o dono de uma consultoria voltada à gestão de relacionamento com o cliente. A empresa funcionou por três anos até fechar as portas. Diante da bancarrota, o economista, que tem esposa e três filhos, teve que voltar a ser empregado.

Desgostoso com a "resistência à veiculação de ideias" que enfrenta como empregado, ele planeja voltar logo ao posto de empresário. "Conhece aquele desenho 'O Pink e o Cérebro'? Eu sou o Cérebro. Ele fica pensando em como dominar o mundo e eu em como criar meu próprio negócio. Todo meu tempo livre é pra isso", desabafa.


Fonte: Valor Econômico