A hora de afinar as contas


2 jun 2010 - IR / Contribuições

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Planejamento tributário e identificação de cultura empresarial são fatores decisivos na hora de unificar os negócios, tendência que tem sido cada vez mais comum no mundo corporativo

Dados recentes sobre a economia brasileira mostram que o número de fusões e aquisições envolvendo companhias nacionais registrou o melhor primeiro trimestre da história em 2010. Foram 160 transações de janeiro a março, número 16% acima do registrado no trimestre anterior e 58% maior na comparação com o primeiro trimestre de 2009, segundo pesquisa feita pela KPMG International Coperative.

Negociações desta dimensão desencadeiam grandes mudanças e as empresas devem se atentar às questões que exigem dos gestores maior rigor e atenção. Casos recentes como Unibanco e Bradesco, ou Sadia e Perdigão, apontam que identificação nas culturas corporativas e controle interno das finanças são fatores importantes para o sucesso das fusões e aquisições.

O período econômico favorável que se vive no País após a crise financeira internacional de 2008 é uma das razões que justifica o crescimento das fusões no Brasil. É uma razão mais econômica, já que o Brasil não chegou a ser profundamente afetado pela crise. Quem defende esta opinião é Oswaldo Basile, presidente do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (Audibra). “As empresas que estavam com receio de fazer grandes negócios no ano passado apostaram grande em 2010, e pudemos visualizar amplo crescimento das organizações via fusões e aquisições”, destaca o auditor.

Ele cita como exemplo o mercado de serviços na área de tecnologia da informação, em que muitas concorrentes decidiram juntar esforços para ganhar mercado. “Apenas a boa qualidade dos serviços não estava garantindo diferencial para o crescimento. Então, essas organizações resolveram se unir para ampliar seus negócios.” Segundo ele, as empresas que almejam crescimento estão de olho no mercado, identificando outras companhias do mesmo setor ou potenciais parceiras para crescer junto, após já ter realizado uma ampla análise de mercado.

Os aspectos mais importantes nos processos fiscais e contábeis de uma fusão podem ser divididos em dois grupos. No momento pré-aquisição, deve ser realizada uma auditoria para ver o que já foi pago e o que deveria ter sido quitado em um período de três a cinco anos antes. O segundo ponto é avaliar se os débitos honrados foram necessários, prestando atenção nos tributos que incidiram nos cálculos feitos e nas possíveis dívidas em aberto.

Após a análise feita e a decisão tomada, se inicia então um trabalho tão complexo como o primeiro. “A unificação de processos internos é o grande desafio”, fala o auditor. É preciso que se crie um projeto, que se tenha um gestor à frente, liderando o processo de unificação dos controles de impostos.” Também é preciso que sejam estabilizadas as questões culturais, para que não tenha uma fusão problemática. Implantar bons processos de governança corporativa é uma base fundamental para manter a estabilidade.

Basile explica que o mais comum visto nos processos de fusões e aquisições recentes é que o processo de governança corporativa que perdura é o da empresa que compra. “Como a fusão não é um processo puro, quem compra manda”, afirma.

Pelo fato de o método de integração cultural representar um dos pontos mais delicados de uma fusão, empresas familiares podem ter dificuldades extras na hora de se moldar à cultura de outra corporação.

Planejamento tributário deve estar em primeiro plano

Transações como fusão e aquisição de empresas geram importantes readaptações no gerenciamento contábil de uma organização. Essa adaptação vai depender do tipo de serviço ou produto, já que cada um tem uma carga tributária diferente. Para o economista e auditor Oswaldo Basile, presidente do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (Audibra), o planejamento antes do processo é fundamental para uma boa fusão. Caso ele não seja bem desenvolvido, isso pode inviabilizar o negócio. Outra questão é que a aquisição de uma empresa que está em um nível diferenciado por outra que está mais jovem, menos madura, pode acabar trazendo problemas para a empresa que adquiri. Nesse sentido, o trabalho de auditoria pode ajudar a identificar passivos contingentes, como impostos que deveriam ter sidos pagos não foram, cálculos de impostos incorretos, aspectos de Recursos Humanos, contingentes trabalhistas etc.

“Pensar na parte mercadológica geralmente é o primeiro passo dado, mas isso deveria ser secundário. Antes de juntar duas organizações, é preciso antever como serão integrados os processos internos e a parte fiscal”, afirma o auditor.

Análise sistemática ajuda na hora da tomada de decisão

Conhecida como due diligence, a análise sistemática de documentos e informações de uma empresa, que permite mensurar riscos efetivos e potenciais, é uma ferramenta indispensável na hora de uma empresa optar por uma fusão. Afinal, no contexto global de mercado e negócios, as exigências relativas à transparência e boa governança são crescentes, e é neste cenário que o conceito de due diligence figura como elemento essencial à realização de investimentos e transações empresariais.

A due diligence se divide em financeira/contábil, jurídica e ambiental, podendo abranger diversos itens como tributos, contratos, atos societários, trabalhistas e previdenciárias, entre outras. Ela permite identificar riscos e passivos legais, que podem ou não estar relacionados à existência de processos judiciais e administrativos.

Segundo Esmir de Oliveira, sócio-diretor da BDO, essa técnica possibilita quantificar o valor que poderá advir de eventuais acordos ou condenações, planejar meios para eliminar ou minimizar os riscos identificados e delinear a melhor forma de estruturar uma transação. “É uma boa arma para se fazer um diagnóstico de determinada empresa”.

O relatório de due diligence serve para pautar a concretização de uma operação e a fixação de preços. Quando a parte que pretende negociar a empresa tem profundo conhecimento de todas as suas virtudes e defeitos, de seus potenciais positivos e riscos, terá mais elementos para obter um preço justo do eventual comprador.

O investidor pode se perguntar qual o risco que posso encontrar na tomada desse investimento. Como determinar a tolerância ao risco desse investimento. A due diligence é, assim, um instrumento de apoio e segurança para todas as partes envolvidas numa negociação.

Integração internacional requer cuidados

Quando o investimento ocorre em outro país, deve-se observar atentamente o estudo das implicações tributárias. Quem alerta é o advogado Celso Costa, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, ao defender que as estratégias tributárias devem ser levadas em conta em um processo de fusão entre empresas de países distintos. “Sem isso, o sucesso do negócio está em risco”, afirma. 

Segundo ele, são três momentos importantes na vida de uma empresa: quando ela entra na bolsa de valores, quando realiza transações e quando sai. Cada um dos seus momentos tem suas peculiaridades, mas o que deve ser observado em primeiro lugar é se a carga tributária no outro país é maior ou menor que a brasileira. Segundo Costa, o investidor tem que olhar questões atreladas ao momento no país estrangeiro. “Se pagar mais imposto nos EUA do que Brasil, vai ter uma ineficiência fiscal. Se for maior que a carga tributária brasileira, deve procurar estruturas alternativas que mitiguem essa situação”, afirma. Nesse ponto, ele reforça que é preciso ter como parâmetro sempre a carga tributária brasileira, cuidado para evitar desequilíbrios. 

O Brasil tem atraído cada vez mais investimento estrangeiro. A legislação brasileira prevê uma série de formas para que esse investimento seja feito. Exemplo disso é o mercado de capitais com vantagens para investidores estrangeiros e o incentivo para estruturação de fundos de investimentos em participações. “É possível que um estrangeiro invista em empresas brasileiras e não pague impostos nessas transações, para adquirir empresas brasileiras.”

Em relação aos principais desafios que ocorrem em transações como fusões, o advogado explica que normalmente as empresas que se fundem são bem organizadas e que problemas de incompatibilidade contábil não ocorrem com frequência. No entanto, há outros problemas importantes, como por exemplo, a reorganização nos sistemas de tecnologia de informação e o departamento de recursos humanos. “Isso requer muita organização, pois há muitos vícios e práticas que estão arraigadas em todas as áreas da empresa, como portaria e estoque, por exemplo.


Fonte: Jornal do Comércio – RS