24 ago 2011 - ICMS, IPI, ISS e Outros
Uma empresa do ramo varejista conseguiu uma rara decisão em sede liminar na Justiça de São Paulo. O Tribunal de Justiça entendeu que a companhia, compradora de boa-fé de mercadoria, não pode ser responsabilizada pela inidoneidade da empresa vendedora. Assim, além de ver anulada a multa contra ela, tem o direito de aproveitar créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerados pela compra. O entendimento já foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado, mas, como a matéria exige análise de diversas provas, a Justiça ainda não costuma conceder liminares.
O advogado Pedro Moreira, do Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados e responsável pelo caso, afirma que a decisão abre precedentes e garante que, com a anulação do débito fiscal, a empresa consiga certidão negativa e participe de licitações. Mais importante, segundo ele, é que há suspensão da exigibilidade do crédito tributário. "Com isso, a companhia não precisa garantir o juízo na execução fiscal e fica livre de ter bens, conta ou faturamento penhorado já por meio de uma liminar", afirma. O caso discutia débito de R$ 350 mil.
Na ocasião, a varejista comprou mercadorias de uma terceira para vender ao consumidor e gerou seus créditos de ICMS. Posteriormente, o fisco concluiu que ela era inidônea (por fraude ou sonegação). "Para evitar prejuízos, a Receita fiscalizou então a cliente, no caso, a varejista, e anulou todos os créditos do imposto, além de lavrar, em 2006, autos de infração aplicando multa e juros", diz o advogado.
A empresa questionou o ato na via administrativa, sem obter sucesso. Foi a vez então de, em março desse ano, entrar na Justiça, com ação anulatória de débito fiscal. O argumento era de que a compra foi feita por empresa regular na época da operação, o que fere o princípio da irretroatividade, e a anulação dos créditos viola a não cumulatividade prevista na Constituição Federal.
Em primeira instância, o pedido foi negado, o que motivou o agravo de instrumento ao TJ.
A defesa alegou que a declaração de inidoneidade não pode desconstituir operações efetivamente realizadas anteriormente. "O fato de o vendedor desconhecer a situação fiscal da emitente das notas supostamente inidôneas, mas cuja declaração de inidoneidade ocorreu em data posterior à aquisição da mercadoria, garante-lhe o direito de aproveitamento de crédito de ICMS", disse a empresa no recurso. O desembargador Oscild de Lima Júnior, relator da ação na 11ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, afirmou que a declaração de inidoneidade é posterior aos negócios jurídicos efetivamente realizados quando as empresas estavam inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda, no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo e com os atos constitutivos arquivados na junta comercial.
O relator afirmou ainda que a liminar deve ser concedida, pois há prova inequívoca, verossimilhança da alegação e receio de dano irreparável. O último requisito foi constatado porque a empresa não poderia contratar com o poder público, teria seu nome inscrito em órgão de proteção ao crédito, além de sofrer a ameaça de instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária. A decisão, unânime na 11ª Câmara, foi dada no final de julho.
O advogado do caso afirma que é fundamental que o levantamento de provas e demonstração, já na petição inicial da ação, que comprove as etapas de compra e venda. "Com o precedente e com as provas, outras empresas podem conseguir liminares já em primeira instância", diz Moreira.
Embora o STJ já tenha pacificado a matéria, inclusive em caso julgado pelo rito dos recursos repetitivos, que orienta as demais decisões em questões semelhantes, os juízes não estão, segundo o advogado, se pautando pelos julgamentos do Tribunal Superior na fase de tutela antecipada. "Os juízes costumam transferir para o contribuinte o ônus de provar etapas de compra e venda."
Repetitivo
O caso julgado pelo STJ, citado na decisão do tribunal paulista, indica que é possível aproveitar os créditos, desde que o contribuinte demonstre, pelos registros contábeis, que a compra e venda se realizou de fato. O então relator do processo, ministro Luiz Fux, hoje no Supremo Tribunal Federal, disse que o ato declaratório da inidoneidade só produz efeitos legais a partir da sua publicação.
"O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria cuja nota fiscal emitida pela empresa vendedora posteriormente seja declarada inidônea pode engendrar o aproveitamento de crédito do ICMS pelo princípio da não cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada", disse o ministro.
Assim, o comerciante que compra mercadoria com nota fiscal posteriormente declarada fraudulenta é considerado terceiro de boa-fé, desde que fique demonstrada a existência real da compra e venda, conforme determina o artigo 136 do Código Tributário Nacional (CTN).
Fonte: DCI / SP