Novo Código deverá reduzir risco jurídico para empresas


5 set 2011 - Contabilidade / Societário

Substituição Tributária

Em entrevista, ele revelou que não se sentiu incomodado ao dar o voto decisivo contra a aplicação da Ficha Limpa para as eleições de 2010, pois seguiu a Constituição que, segundo ele, é a vontade do povo. Agora, a discussão será mais profunda. O STF vai ter que verificar onde está a soberania popular: em milhões de pessoas que deixaram as suas assinaturas para a aprovação da lei ou nos milhões de votos que elegeram políticos com "ficha suja" para o Congresso.

O ministro acredita que cabe ao STF tomar atitudes para cumprir a Constituição, como definir quantos dias tem o aviso prévio.

Mais novo ministro no STF, Fux propôs mudanças na forma dos julgamentos do STF. Ele acha que cada ministro poderia resumir o seu voto em 15 minutos.

Valor: O STF está atuando além da lei, quando se propõe a definir critérios para a concessão de aviso prévio?

Luiz Fux: Essa é uma crítica indevida pelo seguinte: o Judiciário não age de ofício. Só age mediante provocação. Uma vez provocado, ele não pode se recusar a agir. Então, isso que se denomina ativismo judicial é um pseudoproblema. Na verdade, o tribunal é provocado e não pode se omitir.

Valor: O STF não está legislando, quando acrescenta regras a serem cumpridas em suas decisões?

Fux: O STF só age quando provocado. Há casos em que estamos regulando uma determinada situação e o objetivo maior é que se faça Justiça completa. Vamos supor que o Estado intervenha na economia e cause prejuízo a algum segmento, como já aconteceu. O Judiciário pode entender que aquela intervenção estatal passa no teste da razoabilidade, mas, ao mesmo tempo, verifica que é preciso ressalvar alguma indenização para o segmento prejudicado. A Constituição prestigia esses princípios. Ela coloca o homem como centro de gravidade da ordem jurídica. Ela defende, de um lado, o princípio da livre iniciativa e, de outro, o da propriedade. Temos que conciliar esses valores.

Valor: E se a decisão atingir muitas pessoas?

Fux: Nesse caso, deve-se ponderar entre a reserva do possível e o mínimo existencial. Temos que fazer um balanço entre as duas coisas para ver o que vai prevalecer. Em breve teremos que julgar as cotas raciais. É um tema difícil. O STF hoje julga com muito mais recorrência "hard cases" do que antes.

Valor: E no julgamento sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as próximas eleições?

Fux: Temos que discutir a Lei da Ficha Limpa antes do fim do ano para orientar os eleitores. Quem pode ser votado e quem não pode? Vários candidatos que teoricamente não tinham a Ficha Limpa receberam milhões de votos. O atual Congresso está se movendo (deputados e senadores estão perdendo os mandatos por causa da lei). E há a discussão de soberania popular. Quem é o povo? Aquele que apresentou milhões de assinaturas para a aprovação da lei ou o que deu esses milhões de votos para políticos sem Ficha Limpa?

Valor: Foi difícil chegar ao STF e dar o voto decisivo sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010?

Fux: Aquilo me motivou muito. Não me angustiou e não me amedrontou, muito embora eu soubesse que havia uma opinião da mídia, da classe jurídica e a classe política. Na classe jurídica, a decisão foi muito bem acolhida. Agora, em termos de anseio popular, a Lei da Ficha Limpa é muito boa. É a lei do futuro. Mas não pode ser aplicada no mesmo ano em que foi votada.

Valor: E agora, o desafio é maior?

Fux: Agora, é o cerne da lei e o espectro da discussão é mais amplo. Vamos discutir a ponderação de valores da presunção de inocência e a questão da irretroatividade da lei. Se ela é condição de inelegibilidade ou se é uma sanção penal. O julgamento deve ocorrer em outubro.

Valor: Mas o senhor veio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde julgam mais processos do que no STF.

Fux: Isso contou muito. A carreira toda contou. Tenho 35 anos de magistratura. Fiz isso a vida inteira.

Valor: Ao derrubar a aplicação da Ficha Limpa às eleições de 2010, o senhor se incomodou em decidir contra a maioria?

Fux: Eu achei que era uma posição muito sustentada. Seria uma demonstração de fraqueza não seguir a regra constitucional para agradar a opinião pública. Isso me descaracterizaria como homem público. Fui promotor. Fiz concurso para juiz. Eu não aceito a ideia de que o STF seja contra-majoritário, pois, na verdade, o STF sufraga a opinião pública, a vontade do povo que está na Constituição. Ali está a vontade fundante de um novo Estado.

Valor: Ela não é muito extensa? São 250 artigos.

Fux: Eu entendo que a Constituição é um ordenamento que legitima toda a legislação infraconstitucional e não pode ficar sempre na dependência de uma lei para entrar em vigor. Como o nosso sistema contempla, através do princípio da inafastabilidade da Justiça, que a todo direito corresponde uma ação que o assegura, esse direito pode ser pinçado do Código Civil, do Comercial e da Constituição.

Valor: Como assim? Como será na pratica?

Fux: Nós detectamos três fatores muito expressivos que influem na morosidade da prestação da Justiça: excesso de formalidades, de recursos e de demandas. A criação de contenciosos de massas é terrível. Hoje, há um milhão de ações de poupadores de cadernetas que vão se transformar em um milhão de recursos nos tribunais. Como enfrentar esses casos? Primeiro, reduzimos as formalidades do processo. Fizemos uma amostragem de que a cada cinco decisões do juiz, eram possíveis 25 recursos ainda na 1ª instância. Reduzimos esses recursos.

Valor: Essas mudanças são constantes?

Fux: Imagine que a Justiça estabeleça que um tributo não é devido. Mas, depois a jurisprudência se altera. Ora, a empresa não está preparada para essa mudança. Ela não provisionou. Então, criamos a modulação de jurisprudência. A nova orientação passa a valer daquele momento em diante.

Valor: Como?

Fux: Quando houver essa mutação, o tribunal será obrigado a dizer a partir de quando a mudança valerá. Estamos dando à atividade empresarial a segurança jurídica de que ela tanto necessita.

Valor: Como isso vai acontecer na prática?

Fux: Para resolver esses casos criamos um instrumento do direito alemão que é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Se num determinado Estado surge uma controvérsia e o juiz verifica que ela poderá surgir mais vezes, ele pode suscitar esse incidente. Ele vai para o tribunal local, que julga. Como esse incidente vai firmar jurisprudência nacional, ele terá que passar necessariamente pelo STJ ou pelo STF. Ele tem o pré-requisito de passar por esses tribunais para dar orientação nacional. Aí, os tribunais superiores vão decidir essa questão jurídica, que vai ser absorvida por todas as ações individuais que tramitam no país.

Valor: As empresas não vão ter que esperar muito para ter essa orientação nacional?

Fux: O incidente tem prazo de um ano e meio para ser julgado. Então, em um ano e meio você mata vários coelhos com uma cajadada. Vai ser um instrumento revolucionário. Vamos decidir de uma vez só várias questões sem proibir que a pessoa ingresse na Justiça. Depois, ela absorve a decisão no processo dela e vai perseguir perdas e danos, honorários e assim por diante.

Valor: O novo CPC vai reduzir o número de processos na Justiça?

Fux: Ele vai evitar um número grande de ações e os tribunais superiores vão trabalhar num nível de racionalidade nunca visto. A Suprema Corte norte-americana julga 77 processos por ano. O STF decide 88 mil processos. Alguma coisa está errada. E o STJ que tem 260 mil processos por ano?! No longo prazo, os tribunais vão trabalhar num nível de racionalidade capaz de permitir uma Justiça de ótima qualidade. Os tribunais vão ajudar os juízes e os juízes vão ajudar os tribunais. Os tribunais vão dar a solução para os juízes e esses terão tempo para se dedicar aos seus processos.

Valor: A transmissão pela TV Justiça leva a votos mais longos?

Fux: Eu confesso que passei a entender "reality shows" a partir do STF. Não sei nem onde fica a câmera da TV Justiça e sou partidário de votos orais e sintéticos. Procuro sintetizar com profundidade. Meu voto sobre a Ficha Limpa tem 70 páginas, mas não vou ficar lendo tudo aquilo.

Valor: Alguns ministros já fazem isso.

Fux: Rui Barbosa disse, na Oração aos Moços, que, se escolhessem a magistratura, não procurassem mostrar quanto direito sabem, mas sim, o direito que a parte tem. Isso faz sentido, não?!


Fonte: Valor Econômico