Mercado interno turbina arrecadação


20 out 2011 - IR / Contribuições

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O crescimento econômico do Brasil em 2011 deve ser bem mais moderado do que no ano passado, mas por enquanto a arrecadação de impostos pelo governo federal não sentiu o impacto da desaceleração da economia brasileira. O Produto Interno Bruto (PIB), sob efeito das medidas macroprudenciais do governo e do baixo nível de atividade econômica no mundo desenvolvido, deve avançar entre 3% e 4% em 2011, mas a Receita Federal estima que a taxa de expansão da arrecadação seja quase o triplo dessa e feche o ano com alta de 11,5%.

Desde 2003 essa deve ser a maior relação entre arrecadação e crescimento econômico, de acordo com levantamento feito pelo Valor. No melhor desempenho do ponto de vista do caixa da União, a receita com impostos, deflacionada pelo IPCA e descontada a Previdência, avançava cerca de uma vez mais do que a expansão do PIB. Neste ano, no entanto, a composição da expansão da economia, que continua a criar empregos formais mas exporta uma parcela proporcionalmente menor da sua produção em relação ao ano passado, faz com que essa relação seja a mais favorável dos últimos oito anos para o governo, segundo economistas e especialistas em contas públicas.

Se o crescimento fosse mais concentrado em exportações, incentivadas por meio de política de desoneração, a elasticidade da receita com tributos em relação ao PIB seria menor. No entanto, com a desvalorização do dólar ante a moeda brasileira e o aumento da massa salarial, a expansão econômica do país tem como componente importante o mercado doméstico, explica Maurício Oreng, economista do Itaú Unibanco, "e quando crescemos assim, a taxação é maior".

No ano, o recolhimento de IPI cresceu 13,5%, e o faturamento da indústria, 5,4%, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Além disso, o aumento de 12,24% da receita nominal com vendas no comércio no acumulado até agosto em comparação com 2010, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), impulsiona a arrecadação com contribuições que incidem sobre o faturamento das empresas. Tributos como o PIS e a Cofins arrecadaram para os cofres públicos, até o último mês, pouco mais de R$ 150 bilhões, ou 9,2% mais do que durante janeiro e setembro do ano passado.

Everardo Maciel, consultor e ex-secretário da Receita Federal, ressalta que não há linearidade entre o comportamento do produto e da arrecadação, até mesmo porque o PIB é calculado sobre um período fechado, o ano-calendário, enquanto os tributos e impostos às vezes incidem sobre períodos anteriores, como acontece com a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que pode ter como base o último trimestre de 2010, mas com pagamento no exercício seguinte.

Não à toa, o mês de maior arrecadação nominal em 2011 foi janeiro, quando R$ 87,2 bilhões ingressaram nos cofres públicos provenientes de impostos. "Nos primeiros meses do ano cresceu toda a tributação sobre lucro devido aos excelentes resultados [das empresas] em 2010", comentou Fernando Montero, economista chefe da Corretora Convenção Tullett Prebon. No acumulado do ano, a CSLL variou 26,28% ante igual período de 2010 - ou R$ 46,3 bilhões.

Vendas e lucros em alta devem facilitar a vida do governo na hora de cumprir a meta para o superávit primário, mas segundo economistas consultados pelo Valor, a formalização do mercado de trabalho brasileiro e da economia como um todo também contribui para manter a arrecadação federal com crescimento superior a 10% no acumulado deste ano.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) mostrou que até o mês passado foram criadas mais de 2 milhões de vagas com carteira assinada no país, e os impostos sobre a folha de pagamento, que representavam 24% do total das receitas tributárias do governo em 2006, foram responsáveis por 26,15% delas no último ano, de acordo com o mais recente estudo sobre a carga tributária brasileira realizado pela Receita Federal.

Nem todo o comportamento excelente da arrecadação federal, contudo, pode ser atribuído ao desempenho ou formalização da economia. O governo também contou com eventos extraordinários de grande porte, como o acerto de pendência judicial com a Vale do Rio Doce no valor de R$ 5,8 bilhões em julho, e o "Refis da Crise", de 2009, que consistiu em pagamento parcelado de dívidas com o Fisco, que rendeu R$ 12,8 bilhões entre junho e setembro de 2011.

A elasticidade da arrecadação, aliada ao efeito composição e às receitas extraordinárias, deve ter como efeito, no fim de 2011, o aumento da carga tributária, segundo estudo "Termômetro Tributário" de José Roberto Afonso e Márcia Matos. Para os economistas, a relação entre arrecadação de todos os níveis de governo e produção econômica no país pode alcançar "com facilidade" 36% do PIB em 2011, o que não apenas ultrapassaria a marca do ano passado, de 35,16% do produto, como também o recorde de 2008, de 35,5%.

Receita recolhe 12,9% a mais no ano

A Receita Federal já arrecadou três quartos da estimativa de R$ 935 bilhões em receitas tributárias federais para o ano. Com os R$ 75,1 bilhões recolhidos pelo Fisco no mês passado, o governo já embolsou R$ 705,5 bilhões entre janeiro e setembro deste ano. O resultado é 12,9% superior, em termos reais, ao registrado em igual período de 2010. O ritmo de arrecadação deve perder ímpeto no último trimestre, segundo os técnicos da Receita, que estimam em 11,5% o avanço real da arrecadação entre 2010 e 2011.

Este forte salto nas receitas neste ano vão no sentido contrário do crescimento econômico. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) registrou avanço de 7,5% em 2010, o Banco Central avalia que neste ano o PIB será de 3,5%. Analistas do mercado financeiro trabalham com uma taxa de crescimento ainda menor para este ano.

Nos nove primeiros meses deste ano, a Receita contou com a entrada de recursos extraordinários. Ainda que técnicos do Fisco critiquem o expediente dos parcelamentos especiais concedidos pelo governo para empresas e pessoas físicas que carregam débitos tributários com a União, o mais recente deles, o "Refis da Crise", de 2009, rendeu R$ 10,4 bilhões à mais para os cofres públicos neste ano. Enquanto o "Refis da Crise" gerou R$ 2,4 bilhões ao Fisco entre junho e setembro de 2010, no mesmo período deste ano o parcelamento especial rendeu R$ 12,8 bilhões.

Além disso, a derrota da Vale numa disputa jurídica envolvendo a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), definida em votação no Supremo Tribunal Federal (STF), rendeu R$ 5,8 bilhões à Receita em junho.

"Temos um desafio muito grande pela frente, uma missão mesmo, que é manter, ou, no melhor dos cenários, aumentar, a arrecadação entre 2011 e 2012", afirmou a secretária-adjunta da Receita Federal, Zayda Manatta. "Será um desafio muito grande corresponder aos anseios do governo", disse Zayda.

Neste ano, as idas e vindas da política econômica beneficiaram a arrecadação federal. A utilização do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para reduzir a crescente entrada de capital estrangeiro no país acabou elevando a arrecadação do imposto em 16,1% entre janeiro e setembro deste ano e igual período do ano passado, atingindo R$ 23,6 bilhões.

Já o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) servirá, a partir deste último trimestre, para compensar certo arrefecimento na arrecadação. Desde 16 de setembro, os veículos com mais de 35% de conteúdo importado recolhem uma alíquota de IPI 30 pontos percentuais maior. No ano, o IPI já rendeu R$ 24,9 bilhões aos cofres públicos - 14,4% mais que em igual período de 2010. Deste total, o equivalente a R$ 5,4 bilhões foram recolhidos pela indústria automobilística, que no primeiro trimestre de 2010 tinha alíquota zero de IPI.

A entrada crescente de bens e serviços importados no mercado doméstico também tem rendido bons frutos ao Fisco. Nos primeiros nove meses deste ano, a Receita recolheu R$ 19,3 bilhões em Imposto de Importação (II), resultado 17,5% superior a igual período do ano passado.

A mudança na trajetória da política monetária, a partir de 1º de setembro (dia seguinte à decisão do BC de reduzir em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros), também serviu de propulsão às receitas federais. O Imposto de Renda sobre Rendimentos de Capital (IRRF) rendeu R$ 1,7 bilhão à Receita no mês passado, resultado 29,4% maior, em termos reais, que no mesmo mês do ano passado. A tributação do IRRF ocorre no momento de resgate das aplicações em fundos de renda fixa, que aplicam especialmente em títulos públicos.

"Como os juros aumentaram neste ano, os rendimentos foram maiores, então muitos aplicadores pularam de faixa no IR, e mesmo aqueles que ficaram na mesma alíquota pagaram mais", explicou Raimundo Elói de Carvalho, coordenador-geral de análise da Receita, em referência às alíquotas do IR que incidem sobre as aplicações - de 15% a 22,5%, dependendo do patamar de rendimento. No ano, os recursos oriundos do IR Retido na Fonte sobre rendimentos de capital renderam R$ 21,7 bilhões - 30% mais, em termos reais, que em igual período de 2010.


Fonte: Valor Econômico