Não haverá mais nenhum Refis, afirma secretário


21 nov 2011 - ICMS, IPI, ISS e Outros

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O governo vai abandonar a política de parcelamento especial de débitos dos contribuintes com a Receita Federal. Segundo Carlos Alberto Barreto, o secretário da Receita Federal, o chamado "Refis da Crise" foi o último. "Trata-se de um expediente que induz o comportamento do contribuinte, que deixa de pagar porque sabe que será acolhido em um novo parcelamento especial", afirmou Barreto, que concedeu, na quinta-feira, em seu gabinete, a primeira entrevista ao Valor desde que assumiu o cargo, em janeiro.

Quando foi lançado, em 2009, o mais recente parcelamento especial, o "Refis da Crise" recebeu 577,9 mil inscrições. No entanto, apenas 212,4 mil permanecem no programa. Barreto adiantou o próximo passo do Fisco: a avaliação, caso a caso, das empresas inscritas no programa. "A empresa pode pedir 60 meses, mas se analisarmos que ela tem condições de pagar em dez ou 20 meses, vamos cobrar", afirmou. "Vemos empresas que estão no parcelamento especial como objeto de notícias na imprensa anunciando a compra de concorrentes no exterior, e a divulgação de grandes investimentos. O Estado não pode financiar uma coisa dessas", disse o secretário da Receita.

Segundo Barreto, os esforços da Receita no ano que vem estarão concentrados em uma revisão da legislação de dois dos principais tributos brasileiros e também na regulamentação da norma geral antielisão.

"Nossa legislação não é complexa, é a legislação das grandes empresas que é complexa "
Os tributos que são centro de estudos na Receita para futura revisão são a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). Complexos, segundo Barreto, os tributos serão simplificados pela Receita, que ainda levará o resultado dos seus estudos técnicos ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e, em seguida, à presidente Dilma Rousseff.

Já a norma geral antielisão, uma antiga demanda do setor privado e de advogados tributaristas, deve voltar a concentrar a atenção dos técnicos do Fisco no ano que vem.

Antes disso, no entanto, a Receita ainda deve encaminhar ao governo a instituição da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre as debêntures adquiridas por sócios e familiares da empresa emissora. "O que queremos com essa medida é fechar as portas para o planejamento tributário abusivo", afirmou Barreto.

A seguir, os principais pontos da sua entrevista:

Valor: O ritmo menor de crescimento fez o PIB se reduzir dos 7,5% registrados em 2010 para uma taxa próxima a 3% neste ano. Ainda assim, a arrecadação aumentou 12,2%, em termos reais, de janeiro a outubro. O que explica esse desempenho?

Carlos Alberto Barreto: O grande salto na arrecadação é oriundo de tributos que incidem sobre o consumo das famílias e a massa salarial. Além disso, no primeiro quadrimestre do ano tivemos uma arrecadação muito boa das empresas, devido ao recolhimento no último trimestre de 2010. A atividade neste ano começou a responder às medidas macroprudenciais que o Banco Central lançou em dezembro do ano passado e também à instituição do IOF sobre o crédito para o consumo. Ainda que este tenha um efeito arrecadatório, serviu para o objetivo do governo, de desaquecer a economia. A arrecadação brasileira continua sendo pró-cíclica, mas apesar do declínio do PIB conseguimos aumentar a arrecadação, porque o consumo continuou forte. O nível de importação se acentuou e isso atendeu o consumo das famílias.

"A Receita é entusiasta da ideia de cadastro positivo para operações de comércio exterior"
Valor: É possível sustentar este ritmo em 2012?

Barreto: Na mesma intensidade provavelmente não, mas teremos um aumento da arrecadação em 2012, sem dúvida. O governo tem observado as medidas adotadas ao longo de 2011 para conter o consumo sem desaquecer demasiado a economia. O BC flexibilizou o pagamento mínimo do cartão de crédito, além da própria redução da Selic, e fatores como esses vão favorecer o consumo no ano que vem. Além, é claro, do reajuste no salário mínimo, a partir de janeiro.

Valor: Parte relevante do salto na arrecadação neste ano, no entanto, ocorreu devido a receitas extraordinárias, como os R$ 5,8 bilhões recolhidos em CSLL pela Vale em junho depois de uma derrota judicial. Para o próximo ano, a Receita estima, no projeto orçamentário que tramita no Congresso, uma soma de R$ 18 bilhões em receitas extraordinárias. Esse é um número realista?

Barreto: Com certeza. Os R$ 18 bilhões foram muito bem analisados. Fizemos um levantamento do que temos em ações circulando no Judiciário, além de processos em que já fomos vitoriosos, mas que as empresas ainda não iniciaram o recolhimento de seus débitos. São receitas extraordinárias, mas há todo um trabalho por trás delas. Temos muitos créditos mapeados na Justiça. Os R$ 18 bilhões previstos para 2012 são apenas uma pequena parcela.

Valor: Quanto há exatamente em ações na Justiça?

Barreto: Temos um crédito no Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] próximo a R$ 300 bilhões, que está concentrado em poucos processos. Temos ações judiciais envolvendo o recolhimento de CSLL, em termos muito semelhantes aquele que entrou na Receita Federal em junho deste ano, que já foram vencidas, mas ainda não houve o pagamento. São valores substanciais.

Valor: A grande crítica que tributaristas fazem à Receita é que a complexidade da estrutura tributária é que dá margem para contestações judiciais. O sr. concorda?

Barreto: A nossa legislação não é complexa, é a legislação das grandes empresas que é complexa. Aquelas operações envolvendo holdings, empresas que têm participação no exterior, tudo isso é muito complexo. A maior parte das empresas brasileiras não trabalha com uma legislação tributária complexa. Veja o caso do Simples Nacional, onde há o recolhimento de uma alíquota única: cerca de 75% das empresas do país estão no Simples. Além disso, há o recolhimento por meio do lucro presumido. O número de empresas que está no lucro real é infinitamente pequeno. E dentro desse universo há um grupo ainda menor que tem operações complexas.

Valor: Mas há muitas críticas em relação ao PIS e a Cofins. Especialmente à Cofins, cuja legislação é um verdadeiro enigma. Isso não é complexo?

Barreto: É verdade. Nosso regulamento da Cofins é o mais volumoso de todos. O conceito do que é insumo que gera crédito tributário e o que não gera crédito é muito complexo. O sistema como um todo gera uma série de distorções, sem dúvida. O PIS e a Cofins acabaram sendo alterados ao longo dos anos. Quando foram criados eram tributos relativamente simples, mas a partir do momento em que se iniciou o reconhecimento de alíquota zero no início e no meio da cadeia foi ficando cada vez pior. Então, realmente, entender o funcionamento da Cofins hoje é algo muito complexo. Temos um estudo na Receita, que ainda precisa ser levado ao próprio Ministério da Fazenda e depois ao conjunto do governo, para redesenhar o PIS e a Cofins.

Valor: Esse redesenho seria uma simplificação?

Barreto: Perfeito. Estudamos a simplificação do PIS e da Cofins. Vamos revisitar a tributação como um todo. São tributos que ensejam uma burocracia que retardava e retarda todo o bom funcionamento. Precisamos melhorar sistemas, como um todo, mas especialmente no caso do PIS-Cofins, que são complexos para o contribuinte e também para nós, que precisamos fiscalizar e controlar. Esses problemas atingem também nosso comércio com o exterior.

Valor: O aumento da digitalização seria um avanço, não?

Barreto: Sem dúvida. Estamos caminhando muito fortemente para a simplificação tributária, especialmente por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). Por meio desse sistema, o contribuinte não terá que guardar mais documentos em papel, e nossa agilidade para o ressarcimento de créditos tributários, por exemplo, é maior. Desde o mês passado, o contribuinte que entregar a escrituração fiscal digital do PIS/Cofins e tiver direito a crédito já recebeu os recursos em sua conta corrente, como já ocorre desde o início do ano com o IPI.

Valor: Além de medidas para reduzir a burocracia, a regulamentação da norma geral antielisão seria uma forma de dar mais transparência à gestão fiscal no país, não?

Barreto: Nos últimos dois anos houve um trabalho muito intenso da Receita com a academia e o setor privado sobre a regulamentação da norma geral antielisão [prevista na Medida Provisória 66, de 2002], mas ainda não chegamos a um modelo final. Esse assunto, no entanto, será retomado pela Receita em 2012. Ficamos muito envolvidos neste ano com as questões tributárias da Medida Provisória 540 [que criou a política industrial Brasil Maior].

Valor: Sobre a MP 540, a Receita tentou inserir no texto que tramita no Congresso mudanças na legislação tributária. Uma que mais chamou a atenção foi a introdução da CSLL sobre debêntures. O sr. poderia explicar qual é a motivação desta medida?

Barreto: O que propomos não era tributação das debêntures na sua totalidade, mas as debêntures de sócios e familiares da empresa emissora. Temos detectado operações de sócios que adquiriam as debêntures de suas empresas e não são tributados. O que queremos com essa medida é fechar as portas para o planejamento tributário abusivo. As debêntures foram incluídas na não-dedutibilidade para que sejam alcançadas pela tributação quando fossem distribuídas aos sócios. Trata-se de algo bem direcionado, não uma tributação das debêntures simplesmente, porque sabemos que ela é fundamental para o mercado financeiro.

Valor: Como o relator da MP no Congresso não acolheu as medidas, a Receita desistiu?

Barreto: Não, de modo algum. Vamos reencaminhar isso à Secretaria-Executiva do Ministério da Fazenda e à Casa Civil. A ideia é encaminhar ainda este ano por meio de medida provisória ou por outro formato que o governo considerar mais adequado.

Valor: A principal medida da MP 540 é a desoneração da folha de pagamentos de alguns setores da indústria, que passarão a recolher à Previdência Social por meio de um tributo sobre o faturamento. Houve muita reclamação dos setores definidos quanto à calibragem da alíquota...

Barreto: A calibragem não considera a individualidade das empresas, mas o conjunto das empresas em determinado setor. O impacto não é igual para todas as empresas, é claro. Aquela empresa, dentro de um dos setores definidos, que é mais intensiva em mão de obra vai achar mais interessante essa substituição. O objetivo é trazer algum ganho de competitividade mediante redução de custo da folha de pagamentos. À exceção da área de tecnologia da informação e software, os demais setores reclamaram da calibragem, justamente porque a alíquota é tomada pela média do segmento. Se fosse algo optativo, o custo fiscal seria enorme. A adesão é para o setor, por isso alguns setores ficaram de estudar melhor para, no futuro, solicitar o ingresso no programa. Mas isso não está mais em negociação, o governo está seguro quanto as alíquotas. Já terminamos todo o processo, falta apenas a sanção da presidente Dilma.

Valor: Essa tributação incidirá também sobre o importado, não?

Barreto: Exatamente. O setor não pode reclamar disso, uma vez que está ganhando com a medida. O importado não era tributado, e agora será.

Valor: Ainda que tenha sido relevante para a arrecadação deste ano, o mais recente parcelamento especial de débitos, o "Refis da Crise", repetiu a sina de todos os outros programas de parcelamento especial. A adesão de início foi grande, mas aqueles que efetivamente pagam são poucos. Qual é a sua avaliação?

Barreto: A posição da Receita Federal, e o ministro [Guido] Mantega [da Fazenda] comunga dessa avaliação, é contrária aos parcelamentos especiais. Não teremos novos parcelamentos especiais nos próximos anos. Trata-se de um expediente que induz o comportamento do contribuinte, que deixa de pagar porque sabe que será acolhido em um novo parcelamento. Esses parcelamentos especiais acabam gerando uma cultura de inadimplência. O chamado "Refis da Crise" foi o último parcelamento especial.

Valor: Como são analisados os contribuintes em débito com o Fisco, que se inscrevem para os parcelamentos especiais?

Barreto: A partir de junho do próximo ano estaremos melhor aparelhados para essa análise. Estamos finalizando o desenvolvimento de um sistema para o parcelamento diferenciado. Além disso, e principalmente, o ministro Mantega já autorizou e estamos estudando o parcelamento caso a caso.

Valor: Como assim?

Barreto: Se uma empresa entrou no parcelamento especial e depois teve capacidade de recolher R$ 3 bilhões ou R$ 4 bilhões à vista é porque tinha caixa. Vemos empresas que estão no parcelamento especial como objeto de notícias na imprensa anunciando a compra de concorrentes no exterior, e a divulgação de grandes investimentos. O Estado não pode financiar uma coisa dessas. O Estado, antes de mais nada, tem que ser financiado. Então vamos fazer uma análise da condição de cada empresa, de sua liquidez e de sua geração de caixa.

Valor: Então o prazo para o pagamento poderá diminuir, é isso?

Barreto: Exatamente. Vamos analisar se ela precisa mesmo dos 60 meses previstos em nossa legislação como limite para o parcelamento especial. A empresa pode pedir 60 meses, mas se analisarmos que ela tem condições de pagar em dez ou 20 meses, vamos cobrar. Como tem capacidade de geração de recursos, a empresa não precisa de financiamento do Estado, ela pode ir para o mercado. Países como a Espanha, antes da crise, não tinham parcelamento nenhum. Foi preciso uma crise de proporções imensas para fazer o governo espanhol ceder a um parcelamento especial. E, mesmo assim, a duração é de 12 meses. Nós deixamos por 60 meses. Isso vai mudar.

Valor: E a ideia do "cadastro positivo" com a Receita para operações de comércio exterior? Como está essa discussão?

Barreto: Estamos com diversas ações na área de comércio exterior, buscando melhor defesa da competitividade do produtor brasileiro, que além de estar pressionado pela valorização do câmbio também está sofrendo com práticas desleais. Estamos com um projeto muito forte nisso. A Receita Federal é entusiasta da ideia de cadastro positivo, que é basicamente um menor grau de exigência de documentos e processos das empresas que têm práticas aduaneiras e tributárias em conformidade com nossas exigências.


Fonte: Valor Econômico