30 jun 2010 - Contabilidade / Societário
A informatização dos processos contábeis obriga os profissionais a buscarem modernização. Quem não se adaptou precisa correr para regular situação
Imagine aquele arquivo morto que armazenava documentos fiscais. Agora pense em como seria realizada essa busca, gaveta por gaveta, folha por folha, ou pior, ano por ano, de uma informação específica. Com o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), implantado após a publicação da Instrução Normativa 787/2007 da Receita Federal do Brasil, foi modernizada a forma pela qual os livros contábeis são registrados.
O que mudou na vida do contador, desde então, é que para ter o arquivo eletrônico, basta digitar o dado no campo de busca do software específico do Sped, e ele tem em mãos uma resposta rápida e precisa. Isso sem falar na eliminação de custos, papel e na uniformização das informações prestadas às diversas entidades federadas. Junto a essas vantagens, soma-se ainda o fato de que a digitalização trouxe a melhoria da qualidade dos dados e possibilidade de cruzamento dos dados fiscais e dados contábeis.
Trata-se de uma solução tecnológica que oficializa os arquivos digitais das escriturações fiscal e contábil dos sistemas empresariais dentro de um formato específico e padronizado. De forma objetiva, o Sped pode ser entendido como um software que será disponibilizado pela Receita Federal para todas as empresas a fim de que elas mantenham e enviem a este órgão informações de natureza fiscal e contábil (a partir da escrituração digital mantida nas empresas) e também previdenciárias, bem como os livros fiscais, comerciais e contábeis gerados a partir da escrituração (já registrados nos órgãos competentes), além das demonstrações contábeis.
Sua obrigatoriedade se direciona ao profissional da contabilidade terceirizada e/ou ao responsável contábil junto à empresa declarante. A partir de uma base de dados, é gerado um arquivo digital de acordo com o layout estabelecido, informando todos os documentos de interesse em âmbito federal e estadual. A organização facilitou o cotidiano não só do contador, mas também das empresas que passaram a compreender a importância da ajuda desse profissional.
A abrangência inicial do sistema incluía escrituração contábil digital (ECD), escrituração fiscal digital (EFD) e nota fiscal eletrônica (NF-e). Depois, foram acrescidos a nota fiscal de serviços eletrônicos (NFS-e), conhecimento de transporte eletrônico (CT-e), o e-Lalur e a central de balanços.
As empresas com tributação pelo regime de Lucro Real tinham como prazo até esta quarta-feira para aderir ao Sped. Quem perdeu a data deve se apressar para regularizar a situação, pois a multa prevista em lei para quem atrasar a entrega é R$ 5 mil reais por mês.
A principal dificuldade dos contadores que ainda não aderiram ao Sped diz respeito à adequação dos sistemas que o profissional responsável pela empresa utiliza para a ideal geração das informações. Segundo Ricardo Kerkhoff, técnico em Contabilidade, estes recursos para geração dos arquivos no novo padrão só são passíveis de serem disponibilizados por meio de sistema. “Mas existem ainda outras dificuldades que estão diretamente vinculadas à falta de comprometimento dos responsáveis com as regras impostas”, completa ele.
Entre outros problemas que dificultaram a adoção do Sped por parte das empresas com apuração pelo Lucro Real e com movimentações contábeis ocorridas em 2009, está o despertar tardio para o fato. Além disso, em função de faltas de definições legais claras, que é o caso de empresas sem NIRE, o arquivo não valida para entrega, que ainda necessitam de determinações mais claras do fisco.
Fenacon destaca principais pontos
Atenta às principais dúvidas dos empresários contábeis em relação ao funcionamento do Sped Contábil, a Fenacon descreve os dez principais passos para utilização da nova tecnologia. A entidade disponibilizou, ainda, o Manual de Autenticação dos Livros Digitais - Sped Contábil no portal da entidade. O livro pode ser acessado no link: www.fenacon.org.br/publicacoes/ECD.pdf.
Tecnologia revoluciona as relações de trabalho
O Sped Contábil marca o fim da era do contador guarda-livros, em que o profissional executava uma função muito mais operacional do que estratégica. Quando surgiu, há cerca de quatro anos, o Serviço Público de Escrituração Digital mostrou-se uma ferramenta capaz de proporcionar ao contador mais tempo para dedicar-se às atividades estratégicas de valor agregado. Na visão de Marco Zanini, presidente da NFe do Brasil, o fato simbolizou a revolução do trabalho do contador. “Com isso, o mercado pôde contar com uma das mudanças mais favoráveis dessa profissão”, afirma.
Com a substituição do Livro Diário e o Livro Razão por arquivos digitais, o Sped transformou o processo de fiscalização tornando-o muito mais prático e rápido para mais de 400 mil contadores espalhados em cerca de 70 mil escritórios contábeis de todo o País.
Ao se apoiar nessa solução, Zanini acredita que o contador pode aprimorar sua atuação, obter mais conhecimento, ganhar novos clientes e sair na frente da concorrência. Para ele, a partir da utilização do Sped, o escritório contábil passou a atuar como consultoria, sendo o braço direito das empresas em decisões estratégicas de negócios.
Uma das principais transformações destacadas a partir da adoção do Sped é a superação em relação à dificuldade com que os contadores tinham em realizar a busca por documentos. A transação e cruzamentos de dados agora é real e por isso a busca é tão facilitada.
E se as empresas acham que os avanços param por aí, se enganam, mais uma tendência está se mostrando eficiente para esse mercado. Trata-se do cloud computing, ou computação nas nuvens. Empresas de TI já oferecem compartilhamento de ferramentas (software, assinatura digital, links de comunicação e impressoras) pela interligação dos sistemas via internet. Aposente o seu servidor, os dados agora serão guardados nas nuvens.
Se para a maioria dos contadores o Sped parece ser uma ferramenta positiva e necessária para as transações de mercado, essa opinião encontra contraponto nas palavras dos mais antigos profissionais da área. Oriundo de uma geração de contadores que não teve o computador como aliado desde o início de sua carreira, Ananias Cypriano Alves considera inadequado utilizar como ferramenta principal de trabalho o mesmo equipamento destinado ao uso de lazer e afazeres pessoais.
“Esses micros usados nas mesas de trabalho são responsáveis pela notável massa de dados da contabilidade das empresas e órgãos de estado. Como se percebe, operam em uma situação limite.”
Ele argumenta que o uso do arquivo magnético para substituir o livro diário é uma temeridade, ao colocar em risco a segurança jurídica da gestão, risco ao patrimônio, e risco à legalidade da própria entidade. “A validade confiável, formal, do chamado arquivo magnético fica condicionada ao equipamento conversor, em uma data futura”, afirma.
No entendimento de Alves, o que parece ser um contrassenso é o fato de os arquivos magnéticos serem vulneráveis às intempéries, furtos, fraudes, e a finalidade do arquivo ser o registro para uma data futura.
Legislação tributária em questão
Impostos, substituição tributária e guerra fiscal estiveram na pauta do IX Congresso de Direito Tributário em Questão, que se encerrou no dia 27, no Serrano Resort, Convenções & SPA, em Gramado. Promovido pela Fundação Escola Superior de Direito Tributário, o congresso contou com especialistas de reconhecimento nacional e internacional e abordou a dinâmica tributária regional, nacional e internacional. Segundo o presidente da Fundação Escola Superior de Direito Tributário, Rodrigo Dalcin Rodrigues, a programação científica buscou atender aos interesses da dinâmica tributária regional, nacional e internacional, com temas selecionados segundo a atualidade, prática intensiva e relevância para a solução dos principais problemas.
JC Contabilidade - Quais foram os principais assuntos debatidos durante o evento?
Rodrigo Dalcin Rodrigues - Dentre os temas, podemos salientar como principais, em função dos debates gerados, os efeitos tributários da alteração das regras contábeis, objetivando a adequação ao modelo internacional, pois embora visasse a uma maior transparência das empresas, acabou gerando resultados práticos distintos, com possibilidade de aumento da tributação, sendo de extremo interesse à fiscalização federal, a contadores, economistas, administradores e advogados. Outro tema muito relevante diz respeito a questões relacionadas ao ICMS, diante das políticas adotadas pelos estados para viabilizar um crescimento da arrecadação, através da adoção de substituição tributária, tanto em virtude da adoção de fórmulas de cálculo que aumentam o tributo a pagar quanto porque foge da redução da tributação visada pelo advento do Simples Nacional. Mesmo que o STJ recentemente tenha considerado legítima a antecipação de pagamento, não analisou a questão no prisma constitucional, que só permite a cobrança se o adquirente for contribuinte do ICMS e efetuar a compra na qualidade de consumidor final. Há um grande debate neste ponto, pois os estados afirmam trabalhar para evitar uma guerra fiscal, porém, o que se tem observado desde o final dos anos 1990 é uma forma de aumentar a arrecadação.
Contabilidade - Qual a importância do tema Direito Tributário na atualidade? Por que se tem discutido tanto?
Rodrigues - A importância decorre do grande aumento da carga tributária brasileira, pois o Brasil está num patamar de cobrança de tributos digno dos países de primeiro mundo, mas prestando serviços públicos dignos de países de terceiro muito. Sabemos dos esforços de vários governantes na tentativa de implantar melhorias, porém, a população tem ciência desses fatos, na ineficiência dos poderes públicos, e convive diariamente com notícias que retratam a verdadeira falência dos poderes públicos, seja porque desvirtuam sua finalidade, seja porque o serviço prestado não confirma os ideais previstos por nossa Constituição. E a Fundação Escola Superior de Direito Tributário, por integrar representantes dos setores público e privado, permite um diálogo permanente, que com o Congresso de Gramado ganha contornos nacionais, visando ao aprimoramento de ambos. O Simples Nacional previu que as alíquotas de ICMS, por exemplo, poderiam ser de 1,25% se o comerciante comprar de fornecedores gaúchos, mas se a compra for de São Paulo, terá que pagar 5% a título de diferença de alíquota (chamada de antecipação), porque neste caso e na substituição tributária o imposto é cobrado sem observância das alíquotas do Simples Nacional, sem falar que neste caso os estados fixam bases de cálculo levando em consideração margens da atividade que não correspondem à realidade. O problema do Brasil não é falta de regras, mas a aplicação consciente do conjunto normativo.
Contabilidade - Qual a principal relação entre a substituição tributária, antecipação de pagamento e tributação interestadual do ICMS?
Rodrigues - Na substituição tributária a legislação define, por exemplo, a indústria como responsável pelo pagamento do ICMS que será devido por ela quando vender sua produção, bem como do ICMS que será devido por seus clientes (comerciantes) que compram para revenda, através da fixação de base de cálculos presumidas pelos estados. A indústria já paga por ela e pelo comerciante com base na presunção de que, no futuro, o comerciante revenderá e terá condições de pagar o tributo (o que acaba fugindo da realidade, porque não atenta para problemas fáticos que podem ocorrer, como mercadorias que encalham ou que são vendidas por preços abaixo do previsto. A antecipação de pagamento é diferente, porque nela é o próprio contribuinte que tem a obrigação de pagar o ICMS.
Contabilidade - E qual a importância do debate sobre IFRS no Congresso?
Rodrigues - As regras de IFRS alteram por completo as bases de cálculo de tributos, como o imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro. Em 2007 a legislação alterou o padrão contábil, mas ainda não existia a regulamentação completa, que está em formação, e, além disso, esse novo padrão acarretará um aumento da tributação, reunindo grande interesse de contadores, advogados e fiscais da União.
Fonte: Jornal do Comércio – RS