Empresas trocam venda por margem


5 set 2012 - Contabilidade / Societário

Impostos e Alíquotas por NCM



Ao contrário dos últimos anos, quando o foco era aumentar vendas, agora empresas do setor de serviços, em especial das áreas de varejo, educação e saúde, estão preferindo perder um pedaço do mercado a sacrificar rentabilidade. Nos últimos meses, executivos de Estácio, Amil, Lojas Americanas, Nova Pontocom, Comprafacil e Saraiva, por exemplo, vêm traçando estratégias para proteger a margem de retorno de suas operações.

Companhias do setores de saúde e educação estão abrindo mão dos clientes considerados maus pagadores. E no varejo, a estratégia envolve mudar o portfólio, aumentar o valor do frete para entrega de produtos e reduzir o número de parcelas para pagamento com cartão de crédito.

Em abril, o grupo de ensino Estácio enviou a serviços de proteção ao crédito (SPC e Serasa) dados de 30 mil alunos que estavam com mensalidades atrasadas há mais de três meses. O resultado foi uma evasão de cerca de 4 mil estudantes. "O mundo ideal é ganhar 'market share' e margem. Mas não dá. E optamos pela segunda alternativa. Foi uma decisão difícil porque no nosso negócio ter escala é importante para reduzir custos", disse Rogério Melzi, presidente da Estácio, que tem 260 mil matriculados.

Agora, as mensalidades atrasadas na Estácio só podem ser parceladas em, no máximo, oito vezes no cartão de crédito. Antes, era possível dividir o débito em até 30 cheques, mas muitas vezes esses cheques eram devolvidos por falta de saldo. "São ações dolorosas no início, mas já estamos colhendo resultados positivos. No primeiro semestre, tivemos um fluxo de caixa positivo de R$ 38,2 milhões. No mesmo período do ano passado, o fluxo de caixa era negativo, também em R$ 38 milhões", explicou Melzi.

O executivo ressalta que vem incentivando alunos com tendência à inadimplência a aderir ao Fies, financiamento estudantil criado pelo governo federal. Hoje, cerca de 30 mil estudantes da Estácio têm o financiamento do governo, que garante também uma redução na provisão para pagamento de devedores duvidosos (PDD) do grupo educacional.

Na área da saúde, a Amil seguiu um caminho parecido. A operadora de planos médicos preferiu perder mais de 240 mil clientes no primeiro semestre, o que representa 5% da sua carteira de beneficiários, do que arcar com prejuízos. "Eram beneficiários de operadoras que adquirimos no ano passado. Tentamos renegociar os contratos, mas não houve acordo e eles estavam mal precificados", explicou Erwin Kleuser, diretor corporativo e de relações com investidores da Amil, maior operadora de planos de saúde do país.

Em 2011, a Amil, controlada pelo empresário Edson Bueno, comprou a Excelsior, com forte atuação no Nordeste, e a Lincx, voltada para o público de alta renda, que demandaram recursos de R$ 220 milhões.

Especialmente no mercado voltado para pequenas e médias empresas, várias operadoras vinham reduzindo os preços dos planos para ganhar mercado. Nesse segmento, é possível reunir apenas três pessoas e enquadrar o plano como corporativo, cujo preço é inferior ao do individual. Mas a base de clientes para diluição do risco é pequena. O diretor de seguros de pessoas e benefícios na Generali Brasil Seguros, Valter Hime, disse nesta semana ao Valor que essa estratégia - de ganhar "market share", sacrificando margem - foi suicida.

Entre as varejistas, pelo menos quatro grandes redes já informaram, algumas publicamente, que preferem abrir mão de vendas a prejudicar a rentabilidade. As Lojas Americanas, Nova Pontocom, Comprafacil e Saraiva têm adotado medidas nesse sentido, tomadas num período de acirramento da competição, que tende a pressionar margens de lucro. O comando do Magazine Luiza também comentou o assunto recentemente. Em alguns casos, existe relação entre essa iniciativa e o desaquecimento na demanda no varejo.

"Temos dado mais ênfase na defesa da rentabilidade, vendendo menos com mais margem. Fazemos isso mexendo no mix de produtos, dando destaque no site a mercadorias que não são 'commodities', para não cair na guerra de preço", explicou Gustavo Bach, presidente do Comprafacil, terceiro maior site de comércio eletrônico do país.

A Saraiva também promoveu mudanças. Pela primeira vez a receita líquida do site teve queda de 2,1% no primeiro semestre, quando comparado ao mesmo período do ano passado. "Perdemos vendas que eram ruins, que geravam prejuízo. Saímos dessa guerra do comércio on-line por 'market share', que não era rentável", disse João Luís Hopp, diretor financeiro e de relações com investidores da Saraiva, durante divulgação do balanço do segundo trimestre.

Diante desse cenário, a Saraiva alterou condições de frete e a política de pagamento para ampliar o ganho financeiro. A varejista reduziu o número de parcelas de 10 vezes sem juros no cartão de crédito para seis.

"São ações que estamos tomando desde outubro, novembro e que continuamos a adotar ao longo deste ano. É uma postura que, a não ser que algo aconteça, manteremos em 2012 e em 2013", afirmou Hopp, na semana passada, negando que esse posicionamento esteja relacionado com a desaceleração da economia, que tende a pressionar resultados.

A questão da venda sem juros, citada pela Saraiva, tem norteado parte da discussão em torno de busca de novos patamares para a margem de lucro. O varejo trabalha com margens apertadas. Apenas para efeito de comparação, a margem Ebitda da livraria Saraiva foi de 6,7%, enquanto da editora Saraiva ficou em 15,7% no primeiro semestre deste ano.

Para alguns executivos do varejo, a estratégia de venda sem juros é insustentável. "É uma bomba, uma armadilha que o varejo, que criou essa situação, precisa desarmar", disse, semanas atrás, Marcelo Silva, diretor-superintendente do Magazine Luiza. "Atingiu-se um limite na venda de parcelamento sem juros e no Magazine Luiza decidimos limitar isso, loja a loja". A empresa passou a restringir as vendas sem juros no Cartão Luiza a 15% das vendas totais. É a primeira vez que a companhia informa ao mercado um patamar máximo.

São modificações muitas vezes cirúrgicas, feitas no detalhe. Por exemplo, a Saraiva promoveu um pequeno aumento no frete dos produtos para entregas urgentes, mas foi mantido o preço para a entrega padrão.

Outro caminho, traçado com frequência nesses momentos, é uma renegociação de condições com fornecedores. É possível, por exemplo, trabalhar com preços mais elevados - reduzindo eventuais promoções - em produtos recém-lançados, cuja venda, muitas vezes, é exclusiva para uma loja parceira por determinado período. "Isso acontece com frequência com os novos celulares, com acordos de pré-venda para um grupo específico de lojas", conta Antonio Coriolano, sócio da Retail Consulting.

Procurada pelo Valor, a Lojas Americanas não deu entrevista. Informou em nota que a empresa "busca constantemente o crescimento com rentabilidade e a manutenção deste equilíbrio." A nota informa ainda que "ações como a inauguração de novas lojas, em diversas regiões do país, têm produzido bons resultados e contribuído para a melhoria da margem da companhia".


Fonte: Valor Econômico