15 ago 2013 - IR / Contribuições
As empresas registram diariamente em seus livros contábeis e fiscais diversas operações econômicas.
Os critérios legais e contábeis impõem que tais registros sejam feitos, de modo geral, quando há o aperfeiçoamento do negócio jurídico, ou no máximo quando há a entrega
da coisa a que se referir, ou a prestação dos serviços respectivos.
No momento em que ocorrem os registros das operações, na imensa maioria dos casos ainda não há o pagamento do preço, o que só ocorre depois. Este texto refere-se às situações nas quais o fornecedor faz o registro das suas operações, apura e paga os tributos diretos daí decorrentes (Pis/Cofins, ICMS, IPI, ISS), mas ao final deixa de receber o que lhe é devido.
Para dar uma noção do problema basta imaginar o que acontece com algumas atividades específicas, como a inadimplência do usuário de serviço público de energia, de telecomunicações ou de outro acesso a função de valor agregado, como canais por assinatura, prestação de serviço de telefonia fixa ou móvel, nos casos em que há fraude e alguém faz uso indevido do nome e documentos de outrem para operar um terminal.
As legislações dos tributos diretos (IRPJ e CSSL) permitem que as perdas pelo não pagamento de recebíveis sejam deduzidas das suas respectivas bases de cálculo, desde
que observados certos prazos e procedimentos.
Já as regulamentações dos tributos indiretos não possuem previsões equivalentes. Na mesma categoria acima se encontram, também, as inadimplências do mercado financeiro, notadamente no crédito direto ao consumidor.
As tributações de todas essas operações econômicas não consumadas são inconstitucionais e ilegais. Isso porque tomam como indício de capacidade contributiva ou fatos que não ocorreram (como fornecimentos forjados) ou de negócios jurídicos não consumados (como as inadimplências).
Essas tributações não poderiam ocorrer porque em sua origem lhes falta a "materialidade" dos respectivos fatos geradores, ou seja, um negócio jurídico civil, lícito, do qual houve um resultado econômico. Entre os diversos princípios constitucionais que proíbem essas tentativas das Fazendas Públicas estão os da capacidade contributiva (artigo 145, § 3º); da estrita legalidade (150, I) e da vedação ao confisco (150, IV).
Portanto, o tributo é uma transferência de parte do patrimônio do setor privado para o setor público em decorrência de lei, mas desde que o elemento gerador dessa obrigação seja um ato lícito. Se assim não fosse chegaríamos à conclusão de que o Estado poderia participar do resultado das atividades ilícitas, tomando-as para o custeio regular do seu orçamento, o que seria um absurdo.
Mas apesar da clareza dos conceitos, as autoridades fiscais continuam cobrando tributos nas situações listadas. Pior do que isso só mesmo a constatação de que o próprio Judiciário tem dado guarida a esse tipo de pretensão fiscal.
Foi o que aconteceu com o RESP 1189924 / MG julgado pela Segunda Turma do STJ em 25 de maio de 2010. Naquele julgado, o STJ repeliu a defesa do contribuinte, em um caso de clonagem de linha telefônica móvel, alegando que o Estado não poderia participar do empreendimento comercial da empresa. Para o relator, o fato gerador do ICMS era a disponibilização da linha.
O STJ tem muitas outras decisões no mesmo sentido, algumas delas alcançando, inclusive, os roubos de cargas, com a mesma conclusão.
Ogrande equívoco do acórdão está em classificar a não ocorrência do fato gerador como sendo um acontecimento regular da atividade econômica do contribuinte. Há situações nas quais o não pagamento simplesmente retira do fato gerador um dos seus requisitos essenciais de existência, pois este passa a ser um fenômeno que pode interessar ao direito penal, mas jamais um indicador de capacidade contributiva.
O assunto ainda não se encontra pacificado nos Tribunais, e é importante que os contribuintes se esforcem por demonstrar o equívoco aos julgadores.
O Estado brasileiro não pode ser construído sobre ilicitudes. Da mesma forma os tributos não podem ser cobrados quando as realidades econômicas não existam, não se concretizem ou sejam simplesmente canceladas.
Joaquim Manhães Moreira é advogado especializado em Direito Empresarial e Tributário e Compliance Internacional. É sócio fundador do Manhães Moreira Advogados Associados.
Fonte: Diário do Comércio – SP