Consulta de Contribuinte Nº 104 DE 22/05/2020


 


ICMS - SUCESSÃO - DROP DOWN - SALDO CREDOR - TRANSFERÊNCIA - Na ocorrência da reestruturação societária denominada drop down, não há previsão legal para a transferência do saldo credor, consoante art. 170 do RICMS/2002, na hipótese em que há continuidade de atividade sujeita à incidência do ICMS pelo estabelecimento sucedido.


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EXPOSIÇÃO:

A Consulente apura o ICMS pela sistemática de débito e crédito e tem como atividade principal informada no cadastro estadual a manutenção e reparação de equipamentos e produtos não especificados anteriormente (CNAE 3319-8/00).

Informa que, conforme consta dos atos societários, tem como objeto a atuação no setor de tecnologia em conjunto com diversos setores como, por exemplo, concessionárias de serviços, indústria, transportes e infraestrutura global. 

Nesse sentido, para atender esta vasta gama de setores, por meio do conjunto de todas as suas filiais, segrega sua atividade mercantil internamente em quatro atividades: Eletrificação (“EP”), Automação Industrial (“IA”), Motores Elétricos e Robôs (“RM”) e Redes de Alta Tensão (“PG”). A Consulente, sediada em Contagem/MG, atua somente com a atividade de “IA”.

Ocorre que, em decorrência de uma reestruturação societária, que acontecerá em nível global, irá destinar toda a sua atividade de “IA”, pertencente ao seu CNPJ atual à ABB Automação Ltda.

Essa segregação se dará por meio de uma operação societária específica denominada “Drop-Down”, que, do ponto de vista societário, significa que a ABB Ltda. constituirá esta nova pessoa jurídica e integralizará o capital social desta com seus ativos e passivos, correspondentes à atividade de “IA”. 

Acrescenta que, em outras palavras, o que ocorrerá na prática será apenas a alteração do CNPJ deste estabelecimento, de modo que todas as atividades continuarão seu funcionamento normalmente como se não tivesse ocorrido nenhuma alteração societária.

Ressalta que, mesmo após a reestruturação societária, não haverá qualquer mudança física no endereço da empresa, de modo que não haverá qualquer movimentação física das mercadorias e dos bens à ABB Automação Ltda. O que de fato ocorrerá é tão somente uma alteração nominal do endereço da ABB Ltda.

Entretanto, como estes procedimentos societários são específicos, apresenta o seu entendimento e interpretação acerca da legislação tributária em vigor e dos impactos tributários decorrentes da operação que será realizada.

Menciona que, apesar de ser uma operação atípica, uma vez que não possui regramento específico na legislação brasileira, o “Drop-Down” apresenta-se como um instrumento muito comum em reestruturações societárias, especialmente em negócios em que o principal objetivo da operação seja desmembrar, integral ou parcialmente, determinada atividade econômica da pessoa jurídica.

Afirma que o “Drop-Down” consiste na transferência de todo o patrimônio do estabelecimento para uma subsidiária integral, a qual sucederá todos os direitos e obrigações inerentes às atividades sucedidas.

Salienta que, na prática, o novo estabelecimento dará continuidade ininterrupta às atividades já executadas antes da reestruturação societária ora vislumbrada, de modo a preservar a unicidade do estabelecimento sucedido como sociedade autônoma.

Argumenta que, para fins de tributação de ICMS, a Secretaria de Fazenda do estado de São Paulo em diversas oportunidades externou o entendimento de que é irrelevante a forma e denominação dada para reestruturação societária, mas sim o real objetivo da operação e os efeitos dela decorrentes, em que pese a ausência de regramento específico.

Diz que o Fisco paulista entende que sendo transferida a totalidade do patrimônio (leia-se ativos e passivos correspondentes às atividades da empresa) para uma nova empresa (subsidiária integral), a qual passará a deter as suas respectivas titularidades, com todos os elementos que integram, permanecendo o estabelecimento no mesmo local em que realiza atualmente suas atividades empresariais, aplica-se a hipótese do inciso VI do art. 3º da Lei Complementar nº 87/1996, conforme Resposta à Consulta nº 19.642/2019 formulada à Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo.

Entende que está diante de uma sucessão tributária, decorrente de uma cessão de direitos e obrigações, sendo este o entendimento do Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, exarado por meio do julgamento da impugnação apresentada nos autos do PTA nº 01.000163323-83.

Frisa que a referida decisão é expressa ao definir que em operações de “Drop-Down” ocorre, além da sucessão de obrigações, a sucessão de direitos, sob pena de acarretar “notória contradição jurídica’. Isto porque, padeceria de razoabilidade o entendimento de que apenas as obrigações tributárias seriam objeto de sucessão.

Neste sentido, por se tratar de uma sucessão do estabelecimento, entende que seria possível a manutenção integral, pela subsidiária, da escrita contábil e fiscal do estabelecimento transferido, ou seja, seria possível a transferência da totalidade do saldo credor de ICMS escriturado nos referidos livros para o novo estabelecimento.

Destaca que este entendimento está em congruência com o disposto no art. 170 do RICMS/2002.

Alude que, assim como boa parte das empresas do ramo industrial, efetua algumas operações que são continuadas ao longo do tempo, são elas:

a) remessa para reparo (CFOPs nº 5.915, 6.915, 5.916, 6.916);

b) remessa para armazenagem (CFOPs nº 5.905, 6.905, 5.906, 6.906);

c) industrialização por conta e ordem (CFOPs nº 5.924, 6.924, 5.923, 6.923, 5.925, 6.925);

d) faturamento antecipado (CFOPs nº 5.922, 6.922, 5.116, 6.116, 5.117, 6.117);

e) emissão de nota fiscal complementar (CFOP de acordo com a nota fiscal originária).

Diz que referidas operações são corriqueiras e essenciais para as suas atividades, de modo que, no ínterim da reestruturação societária, tais operações continuarão ocorrendo normalmente.

Assim, quando o Drop Down estiver concluído algumas dessas operações não estarão completas. Em outras palavras, as operações serão iniciadas pela ABB Ltda. e serão somente finalizadas pela empresa sucessora, ou seja, ABB Automação Ltda. 

Neste sentido, entende que as operações não concluídas serão sucedidas pela ABB Automação Ltda., estando tal interpretação em conformidade com o entendimento exarado pelo Fisco paulista, conforme Resposta à Consulta nº 14.855/2017.

Ademais, entende que tal situação deverá ser minuciosamente descrita nas informações complementares das notas fiscais das referidas operações.  

Em outra oportunidade, apontou que esta Secretaria manifestou entendimento favorável a esta interpretação no sentido de que haveria a possibilidade, para as operações de devolução de mercadoria, de que o destinatário da devolução seja a empresa sucessora, desde que haja o preenchimento das informações complementares da nota fiscal fazendo referência à chave de acesso da nota fiscal de venda, conforme Consulta de Contribuinte nº 178/2018.

Acrescenta que a referida consulta foi formulada por uma empresa sucedida, de modo que não seria razoável a aplicação de outro entendimento para a presente consulta, por se tratar de matérias similares.

Por fim, cita outra hipótese que deve ser considerada, que é a possibilidade dos fornecedores/clientes, por motivos alheios à sua vontade, emitirem nota fiscal cujo destinatário seja o CNPJ sucedido. Sendo assim, tendo em vista a sucessão integral das atividades do estabelecimento, entende ser possível o recebimento pela empresa sucessora, das mercadorias que estejam acompanhadas por nota fiscal emitidas à empresa sucedida. 

Com dúvida sobre a correta interpretação da legislação tributária, formula a presente consulta.

CONSULTA:

Considerando que:

(i) o entendimento de que não importa a forma e a denominação dada à reestruturação societária, mas o fim e o efeito pretendido;

(ii) a operação de Drop Down, por se tratar de cessão de direitos e obrigações, se assemelha à hipótese de sucessão tributária para casos em que há a transferência do patrimônio correlato às atividades do estabelecimento para outro CNPJ;

(iii) o CNPJ sucessor (ABB Automação Ltda.) dará continuidade de forma ininterrupta às atividades transferidas; e

(iv) nas hipóteses de sucessão tributária, a empresa sucessora faz jus à totalidade da escrita contábil e fiscal da empresa sucedida.

Questiona:

1 - Está correta a interpretação acerca da possibilidade de transferência integral de seu saldo credor de ICMS, juntamente com todos os demais direitos e obrigações, para a empresa ABB Automação Ltda. por meio da operação de Drop Down? 

1.1 - Em caso de resposta positiva ao questionamento anterior, está correto o entendimento de que a transferência dos livros fiscais à sucessora seria suficiente para o transporte do saldo credor de ICMS? 

1.2 - Em caso de resposta negativa, haveria procedimento específico quanto à escrituração do referido saldo credor? 

2 - Está correta a interpretação de que a empresa sucessora poderá concluir as operações iniciadas pela ABB Ltda., anteriormente e durante a reestruturação societária, mediante documento fiscal emitido pela sucessora, o qual, em conformidade com a legislação vigente, efetuará o referenciamento em campo devido do xml (se for o caso) à nota fiscal emitida pela entidade sucedida? 

2.1 - Em caso de resposta positiva ao questionamento anterior, está correto o entendimento quanto à obrigatoriedade de fazer constar as informações relativas à reestruturação societária nas informações complementares do documento fiscal?  

2.2 - Há a impossibilidade do recebimento, pelo estabelecimento sucessor, de mercadorias acompanhadas de nota fiscal que tenha como destinatário o CNPJ sucedido pela operação de Drop Down, haja vista que os fornecedores/clientes, por motivos alheios à sua vontade, emitam nota fiscal que tenha como destinatário o CNPJ da empresa sucedida?

RESPOSTA:

Na exposição efetuada é informado que será realizada uma operação de Drop Down, por meio da constituição de uma nova pessoa jurídica e a integralização do capital social com os ativos e passivos correspondentes à atividade de automação comercial, atualmente realizada pela Consulente.

Observa-se que este modelo de reestruturação societária não se amolda a nenhuma das formas estabelecidas no ordenamento jurídico atual. Considerando a sua atipicidade, tem-se por melhor solução aplicar a norma relativa à operação que mais se assemelha ao fato. Nestes termos, pode-se destacar especificamente duas modalidades: cisão e trespasse.

A cisão consiste na operação pela qual a empresa transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. Ressalte-se que a sociedade que absorve a parcela do patrimônio de empresa cindida a sucede nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão.

A referida modalidade se encontra positivada no ordenamento jurídico no parágrafo único do art. 1.053 do Código Civil e no art. 229 da Lei n° 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas).

Por sua vez, a operação de alienação de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, também conhecida como trespasse, consiste na transferência da propriedade do complexo de bens corpóreos e incorpóreos necessários ao exercício da atividade empresarial, possibilitando ao adquirente a continuidade da empresa. Tal modalidade encontra-se inserida nos arts. 1.142 a 1.149 da Lei n° 10.406/2002 (Código Civil), bem como na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências).

Mediante a comparação entre tais modalidades, observa-se que, diante dos fatos relatados, aquela que mais se aproxima da operação Drop Down, é a alienação de fundo de comércio ou trespasse.

E o CTN, em seu art. 133, estabelece a responsabilidade tributária subsidiária nas sucessões por aquisição de fundo de comércio:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

(...)

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Dessa forma, consoante inciso II do art. 133 retrotranscrito, na presente hipótese, depreende-se que há continuidade de atividades comerciais ou industriais pela Consulente, sujeitas à incidência do ICMS, ainda que distintas da atividade específica objeto do drop down, em virtude da manutenção de sua inscrição estadual ativa no cadastro estadual vinculada a CNAEs típicas de contribuintes do ICMS, mesmo após a abertura da inscrição estadual da nova empresa.

Nesse sentido, não há previsão legal para a transferência do saldo credor apurado, posto que o art. 170 do RICMS/2002, no tocante ao drop down, aplica-se quando ocorrer o encerramento das atividades sujeitas à incidência do ICMS pelos estabelecimentos sucedidos.

Neste sentido, vide Consulta de Contribuinte nº 270/2015.

Após estes esclarecimentos, passa-se a responder aos questionamentos formulados.

1 e 1.2 - Não. De acordo com o acima exposto, a Consulente permanecerá em atividade, não havendo possibilidade de transferência do saldo credor apurado. Por consequência, não há que se falar em procedimento específico para a escrituração fiscal.

1.1 - Prejudicada.

2 - Sim, desde que haja a respectiva transferência dos contratos ao novo contribuinte em virtude da não continuidade pela Consulente da atividade segregada no processo de drop down.

2.1 - Sim.

2.2 - Nas operações realizadas pelo novo contribuinte, em que o seu cliente houver erroneamente indicado os dados da Consulente, deverá ser providenciada a sua regularização nos termos da legislação tributária em vigor, mediante o cancelamento do documento fiscal, quando permitido, ou por meio de denúncia espontânea, em virtude da impossibilidade de utilização de carta de correção eletrônica para  substituir ou suprimir a identificação das pessoas consignadas no documento fiscal, conforme art. 11-H da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002 c/c subalínea “c.2” do inciso XI do art. 96 da Parte Geral do mesmo Regulamento.

Cumpre informar, ainda, que a Consulente poderá utilizar os procedimentos relativos à denúncia espontânea, observando o disposto nos arts. 207 a 211-A do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos (RPTA), aprovado pelo Decreto nº 44.747/2008, caso não tenha adotado os procedimentos acima expostos.

Por fim, se da solução dada à presente consulta resultar imposto a pagar, este poderá ser recolhido sem a incidência de penalidades, observando-se o prazo de 15 (quinze) dias contados da data em que a Consulente tiver ciência da resposta, desde que o prazo normal para seu pagamento tenha vencido posteriormente ao protocolo desta consulta, observado o disposto no art. 42 do RPTA.

DOT/DOLT/SUTRI/SEF, 22 de maio de 2020.

Valdo Mendes Alves
Assessor
Divisão de Orientação Tributária

Marcela Amaral de Almeida
Assessora Revisora
Divisão de Orientação Tributária


Ricardo Wagner Lucas Cardoso
Coordenador
Divisão de Orientação Tributária

De acordo.

Ricardo Luiz Oliveira de Souza
Diretor de Orientação e Legislação Tributária

De acordo.

Marcelo Hipólito Rodrigues
Superintendente de Tributação