Resposta à Consulta Nº 23508 DE 30/04/2021


 


ICMS – Obrigações Acessórias – Fornecimento de produtos líquidos para uso de higiene pessoal a serem utilizados em equipamento locado – CFOP. I. A saída/remessa de bens em virtude de contrato de locação está fora do campo de incidência do ICMS (artigo 7º, inciso IX, do R ICMS/2000), mas, desde que tal contrato não seja desvirtuado para encobrir negócios jurídicos de outra natureza. II. O fornecimento produtos líquidos para uso de higiene pessoal a serem utilizados em equipamentos locados encontra-se sujeito à tributação do ICMS por não serem, em si, objeto de locação. Os produtos líquidos para uso de higiene pessoal são consumidos e exauridos em benefício do locatário do equipamento, portanto, em desacordo com as normas civis de locação (art. 565 a 578 do Código Civil). III. O remetente deverá utilizar o CFOP 5908 na saída da máquina locada para seu cliente e o CFOP 5405 na saída do produto líquido para uso de higiene pessoal sujeito à substituição tributária, dado a operação ser análoga e equiparada operação de venda.


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ICMS – Obrigações Acessórias – Fornecimento de produtos líquidos para uso de higiene pessoal a serem utilizados em equipamento locado – CFOP.

I. A saída/remessa de bens em virtude de contrato de locação está fora do campo de incidência do ICMS (artigo 7º, inciso IX, do R ICMS/2000), mas, desde que tal contrato não seja desvirtuado para encobrir negócios jurídicos de outra natureza.

II. O fornecimento produtos líquidos para uso de higiene pessoal a serem utilizados em equipamentos locados encontra-se sujeito à tributação do ICMS por não serem, em si, objeto de locação. Os produtos líquidos para uso de higiene pessoal são consumidos e exauridos em benefício do locatário do equipamento, portanto, em desacordo com as normas civis de locação (art. 565 a 578 do Código Civil).

III. O remetente deverá utilizar o CFOP 5908 na saída da máquina locada para seu cliente e o CFOP 5405 na saída do produto líquido para uso de higiene pessoal sujeito à substituição tributária, dado a operação ser análoga e equiparada operação de venda.

Relato

1. A Consulente, enquadrada no regime tributário do Simples Nacional, tem como atividade principal o “Comércio atacadista de produtos de higiene pessoal” (CNAE 46.46-0/02) e, como atividades secundárias, a “Manutenção e reparação de equipamentos e produtos não especificados anteriormente” (CNAE 33.19-8/00), o “Comércio atacadista de cosméticos e produtos de perfumaria” (CNAE 46.46-0/01), o “Comércio atacadista de produtos de higiene, limpeza e conservação domiciliar” (CNAE 46.49-4/08), o “Comércio atacadista de outras máquinas e equipamentos não especificados anteriormente; partes e peças” (CNAE 46.69-9/99), o “Comércio varejista de cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal” (CNAE 47.72-5/00) e o “Aluguel de outras máquinas e equipamentos comerciais e industriais não especificados anteriormente, sem operador” (CNAE 77.39-0/99).

2. Expõe que realiza a compra para comercialização, utilizando o CFOP 1403 (Compra para comercialização em operação com mercadoria sujeita ao regime de substituição tributária) de um produto líquido para uso de higiene pessoal, cosmético antisséptico, classificado no código 3401.30.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, sendo a sua unidade medida em galão de 5 ou 20 litros, cujo ICMS foi retido anteriormente pelo contribuinte substituto tributário, conforme o artigo 313-E do Regulamento do ICMS (RICMS/2000) e da Portaria CAT 68/2019.

3. Além disso, informa que é firmado com o cliente um contrato de locação da máquina de pulverização, no qual é cobrado um valor fixo mensal pelo qual a Consulente (locador) se compromete a fornecer, sem custo, uma determinada quantidade mensal do produto líquido para uso de higiene pessoal (cosmético antisséptico) que será consumido no equipamento locado. Afirma, ainda, que a cobrança dessa locação é mensal para qual é fornecido o recibo de locação.

4. Acrescenta que, conforme previsto no contrato, na remessa da máquina é emitida Nota Fiscal com o CFOP 5949 (Outra saída de mercadoria ou prestação de serviço não especificado), na remessa do produto líquido para uso de higiene pessoal, estipulado no contrato de locação, é emitida Nota Fiscal com o CFOP 5910 (Remessa em bonificação, doação ou brinde) e, por fim, quando da remessa adicional do produto, que ocorre quando o consumo é maior do que o determinado no contrato, é emitida a Nota Fiscal com o CFOP 5405 (Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros em operação com mercadoria sujeita ao regime de substituição tributária, na condição de contribuinte substituído).

5. Diante do exposto, questiona:

5.1. Está correta a operação de remessa em doação/bonificação, utilizando o CFOP 5910, do produto líquido antisséptico para uso de higiene pessoal que foi firmado no contrato de locação a sua remessa sem custos para o cliente?

5.2. Está certo o entendimento de que na remessa para locação da máquina de pulverização o CFOP 5949 é o mais apropriado, visto que não seria uma operação de “Remessa de bem por conta de contrato de comodato”, visto que esse é um empréstimo gratuito de coisa não fungível?

Interpretação

6. Preliminarmente, cabe registrar que, não foram trazidas informações mais detalhadas acerca da operação realizada pela Consulente, tampouco foram fornecidos instrumentos contratuais que amparam o contrato de locação em comento. Nesse sentido, a presente resposta será dada de maneira geral e teórica, sem a pretensão de validar que a atividade da Consulente é, de fato e de direito, efetiva locação de bens móveis (equipamentos).

6.1. Além disso, e ainda em sede preliminar, em vista de não ter sido questionamento da Consulente e, bem como, ante a falta de maiores informações acerca do produto, esta resposta não se manifestará acerca da aplicação do regime de substituição tributária sobre as operações com o produto em comento.

7. Isso posto, cumpre salientar que o contrato de locação não anexado pela Consulente, ainda que de suma importância, é apenas um dos elementos para se averiguar em relação as operações efetivamente praticadas.

8. Nesse sentido, importante alertar que os tributos – e aqui se tratando do ICMS – não incidem sobre as locações em si, mas sim sobre o fato econômico a ele subjacente, sendo os contratos meras qualificações jurídicas do fato dadas pelas partes. Assim, ainda que para fins privados, as partes tenham total liberdade para fixar os termos contratuais que lhes convier, esses termos não se repercutem necessária e automaticamente na esfera tributária. Desse modo, mesmo que as partes tenham acordado de modo diverso (ex.: locação), os tributos não incidem, ipsis litteris, sobre o contrato tal como acordado, mas sim, sobre a materialidade do fato econômico subjacente ao contrato e efetivamente praticado.

8.1. Explica-se melhor. O Direito Tributário não se serve de condutas sociais puras, mas tampouco está adstrito ao pactuado em contrato. Com efeito, a incidência tributária visa buscar o fato econômico subjacente ao contrato, o qual, em regra, se revela na qualificação jurídica disposta contratualmente pelas partes. No entanto, essa qualificação pode se mostrar precária em relação a terceiros, em especial, em relação ao Fisco, sobretudo quando o fato econômico não corresponde à qualificação contratual dada pelas partes. Portanto, ao não juridicizar condutas sociais puras, o Direito Tributário se serve de situações previamente normatizadas pelo Direito Privado, mas incide sobre atos, fatos e negócios jurídicos efetivamente realizados pelo contribuinte. Assim, ao procedimento fiscalizatório, cabe a persecução da verdade material subjacente às disposições privadas, isso é, cabe ao Fisco a persecução dos fatos jurídicos que efetivamente tenham ocorrido in concreto. E, nesse contexto, recorda-se que, de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade fiscal tem competência para desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

8.2. Dessa maneira, tendo praticado uma efetiva operação de circulação de mercadoria, não pode o particular, por mera convenção entre as partes, subverter o negócio jurídico e classificá-lo como de locação. Caso isso ocorra (subversão contratual), caberá a desconsideração do negócio jurídico por parte das autoridades fiscais a fim de que seja adequada a tributação de acordo com a natureza do negócio efetivamente ocorrido.

9. Nesse ponto, salienta-se que a locação de bens está disciplinada nos artigos 565 e seguintes do Código Civil e, de acordo com o artigo 569, inciso IV, o locatário deve “restituir a coisa finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais”. Assim, a restituição do bem ao final do contrato é um dos requisitos essenciais para a configuração da locação (e, inclusive, prevista na disposição da não incidência do artigo 7º, inciso IX, do RICMS/2000). Mas não só. O bem deve retornar ao locador nas condições em que recebeu. Assim, findo o contrato de locação, o equipamento locado deve retornar à Consulente em condições de uso, de tal modo que se permita nova locação. Portanto, para que seja configurada locação, ao se retornar o equipamento, esse não pode estar substancialmente depreciado, desgastado ou avariado, situação estar em que se denotaria o intuito de cessão definitiva da coisa, desvirtuando, assim, o contrato de locação.

9.1. De modo similar, observa-se que esse o assunto já foi, inclusive, objeto de Decisão Normativa (Decisão Normativa CAT 3/2000, “cessão de bens para consumo com a intenção de ser definitiva – Descaracterização do Contrato de Locação”), motivo pelo qual, recomenda-se a sua leitura.

10. Feitas essas considerações teóricas do negócio jurídico de locação e seus efeitos tributários, e partindo do pressuposto que se trata de fato e de direito de uma operação de locação nos termos acima expostos, na saída de bens do estabelecimento da Consulente em remessa para locação, deve ser emitida Nota Fiscal, sem destaque do imposto, nos termos do inciso IX do artigo 7º do RICMS/2000 (saída/remessa de bens em virtude de contrato de locação) consignando o CFOP 5.908 (“Remessa de bem por conta de contrato de comodato”). Com efeito, observa-se que ainda que a redação deste CFOP se refira especificamente a contrato de comodato, esta Consultoria Tributária já se posicionou em outras oportunidade de ele também ser o adequado para os casos de locação.

10.1. Não obstante a conclusão acima, reitera-se que a presente resposta não tem o condão de validar a operação da Consulente, no sentido de se tratar de fato uma atividade de locação. Frise-se, cabe à Consulente, no exercício regular de seus propósitos negociais, zelar pela lisura da prática de suas atividades. Assim, como exposto acima, na hipótese de a Consulente se utilizar indevidamente da figura jurídica da locação para denominar operações que seriam, em sua materialidade, tributadas por ICMS (a exemplo da compra e venda), poderá o Fisco descaracterizar o negócio jurídico tal como classificado pelas partes, para que, na esfera tributária, lhes incidam os devidos efeitos tributários de acordo com o negócio efetivamente praticado.

11. Isso posto, passa-se a análise da remessa dos produtos líquidos antissépticos para uso de higiene pessoal envolto no contrato de locação (a seu dizer “sem custos para o cliente”).

12. Nesse contexto, em linhas gerais, as mesmas considerações teóricas acima expostas acerca do negócio jurídico de locação cabem aqui. Com efeito, como se percebe da exposição acima, o fornecimento dos produtos líquidos para uso de higiene pessoal, cosméticos antissépticos, não pode se classificar como um negócio jurídico de locação, ainda amparado sob a mesma peça contratual. Embora possa estar envolto à locação de equipamentos, tratam-se de negócios jurídicos essencialmente distintos, cada qual com seu devido tratamento tributário.

13. Dessa forma, embora o equipamento principal possa estar locado, o fornecimento de produto líquido para uso de higiene pessoal, cosmético antisséptico, não se confunde com o negócio jurídico de locação, estando em total desacordo com as normas civis acerca desse negócio jurídico (artigos 565 a 578 do Código Civil).

14. Nesse sentido, destaca-se que o produto líquido para uso de higiene pessoal, cosmético antisséptico, sequer retornará em condições de uso ao estabelecimento do locador (afastando de plano a não incidência do artigo 7º, IX, do RICMS/2000), de modo que são consumidos e exauridos em benefício do locatário do equipamento. Tanto é assim que a Consulente realiza a compra dessa mercadoria para comercialização, bem como a comercializa posteriormente, caso a remessa inicial seja insuficiente. Portanto, é ele, locatário, que arcará com os custos do consumo do cosmético antisséptico – ainda que esses custos estejam inclusos no valor mensal de um contrato que as partes tenham qualificado como locação (mas que, ao fim, no que tange ao produto líquido para uso de higiene pessoal, cosmético antisséptico, enquadra-se muito mais como compra e venda envolto em um contrato de locação).

15. Desse modo, a remessa do produto líquido para uso de higiene pessoal, cosmético antisséptico, se trata de efetiva circulação de mercadoria, sujeita às regras gerais do ICMS . Portanto, verificado que a remessa de produto líquido para uso de higiene pessoal, cosmético antisséptico, está sujeita às regras gerais do ICMS, também devem ser observadas as obrigações acessórias relacionadas com essas operações.

16. Sem prejuízo do exposto, respondendo objetivamente acerca do CFOP a ser utilizado na saída do produto líquido para uso de higiene pessoal, cosmético antisséptico, envolto ao contrato de locação (“sem custo”), deverá ser utilizado o CFOP 5405 (Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros em operação com mercadoria sujeita ao regime de substituição tributária, na condição de contribuinte substituído), dado a operação ser análoga e equiparada operação de venda.

17. Com isso, dá-se por respondidos os questionamentos apresentados.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.