Solução de Consulta COTRI Nº 17 DE 16/07/2024


 Publicado no DOE - DF em 17 jul 2024


Processo nº 04034-00000746/2024-62. ICMS. Imunidade religiosa. Art.150, VI, "b" da Constituição Federal. Venda de artigos religiosos. Incidência.


Conheça o LegisWeb

PROCESSO Nº 04034-00000746/2024-62.

ICMS. Imunidade Religiosa. Art.150, VI, b da Constituição Federal. Venda de artigos religiosos. Incidência.

I – Relatório

1. Trata-se de consulta formulada por pessoa jurídica de direito privado, envolvendo a legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e legislação esparsa.

2. Na instrução processual, o consulente, estabelecido do Distrito Federal (DF), representante da comunidade religiosa: Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos últimos dias, apresenta questionamento acerca da extensão da imunidade religiosa preconizada pelo art. 150, VI, b, da Constituição Federal de 1988.

3. Nesse passo, declara que comercializa bens (livros sagrados, roupas religiosas e outros congêneres) a preço de custo a seus fiéis.

4. Argumenta que as prescrições do art. 14 do Código Tributário Nacional (CTN) não são aplicáveis às instituições religiosas. Aduz, ainda, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da presunção, até prova em contrário, de que todas as atividades e todos os recursos adquiridos pelas Entidades Religiosas estão relacionados às suas finalidades essenciais.

5. Finaliza o petitório apresentando literatura que firma entendimento de que inclusive a prática de atividades econômicas realizadas pelas citadas entidades estaria albergada pela imunidade religiosa.

6. Nesses termos, o consulente faz as seguintes indagações, senão vejamos:

“1. Sobre as operações de distribuição/venda de roupas sacras e artigos religiosos pela Consulente aos seus membros há incidência do ICMS ou se aplica a norma constitucional de imunidade tributária, consubstanciada no artigo 150, VI, b, da Constituição Federal, visto que as roupas sacras somente podem ser vendidas pela Entidade Religiosa aos seus membros dignos, não cabendo aqui falar em ofensa ao princípio da livre concorrência?

2. A referida imunidade tributária abrangeria os teclados, gravuras religiosas e outros artigos que são distribuídos/vendidos pela Consulente aos seus membros para culto familiar desses?

3. Caso as respostas anteriores seja a aplicação da norma de imunidade tributária, há obrigatoriedade de emissão de nota/cupom fiscal? Se sim, em qual campo da nota/cupom fiscal deverá se especificar que se trata de operação imune?"

7. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta Secretaria de Estado de Economia para as providências formais cabíveis.

8. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.

II - ANÁLISE - Fundamentação

9. Por oportuno, cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a Solução de Consulta.

10. Neste ponto, convém registrar que a Administração Fazendária está adstrita aos preceitos da legislação tributária do Distrito Federal e da Constituição Federal.

11. Assim, a construção argumentativa trazida na inicial de que qualquer atividade econômica estaria abarcada pela imunidade não encontra lastro no arcabouço legal que vincula a Administração Pública.

12. O art. 150, VI, b, da CF/88 (com redação dada pela EC 132/2023, Reforma
Tributária), veda que todos os entes federativos cobrem impostos sobre entidades
religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e
beneficentes:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(...)

b) entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

(...)

§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”

13. Como apontado pela literalidade do Constituição Federal, a chamada imunidade religiosa depende da correlação entre as atividades desenvolvidas e as finalidades essenciais das entidades.

14. Como forma de operacionalizar o gozo da imunidade religiosa, o Distrito Federal promulgou a Lei nº 6.409/2019 que instituiu o Cadastro de Templos Religiosos (CTR), o qual visa facilitar o reconhecimento do direito a isenção, imunidade ou não incidência tributária referente ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com as atividades essenciais dos templos de qualquer culto.

15. Além disso, os §§3º a 5º do art. 1º da citada lei apontam os impostos objeto do beneplácito constitucional e a eventual maneira de extensão a outros impostos:

“§3º O deferimento do CTR importa no reconhecimento de isenção, imunidade ou não incidência em relação aos seguintes tributos:

I - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU;

II - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA;

III - Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis por Natureza ou Acessão Física e de Direitos Reais sobre Imóveis - ITBI;

IV - Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCD.

§4º O reconhecimento da imunidade estende-se aos demais impostos que incidam sobre o patrimônio, renda ou serviços do interessado, se dispensável a análise de situação fática específica.

§5º Na hipótese da extensão a que se refere o §4º, deve a autoridade competente fazer constar da decisão os termos em que aquela se opera e o patrimônio, renda ou serviço sobre os quais recai.”

16. Como se depreende da literalidade da norma, é necessário que o imposto abrangido pela imunidade religiosa tenha seu fato gerador diretamente ligado ao patrimônio, à renda ou aos serviços relacionados com as atividades essenciais dos templos de qualquer culto.

17. Nessa linha, o ICMS afeto à operação relativa à circulação de mercadorias tem relação com o exercício de atividade econômica, que “prima facie” não corresponde a um patrimônio, a um serviço ou a uma renda da entidade.

18. Nesse sentido, Paulsen1 aponta que operações são negócios jurídicos; circulação é transferência de titularidade, e não apenas movimentação física; mercadorias são bens objeto de comércio.

19. Além disso, o Decreto nº 42.273/2021, que regulamenta a Lei nº 6.409/2019, apresenta a seguinte redação para o seu §1º do art. 4° :

“§1º Constarão do ato declaratório de reconhecimento da imunidade ou isenção tributárias os termos em que opera, especificando os impostos sobre patrimônio, renda e serviços sobre os quais recai.” (grifos nossos)

20. Portanto, a legislação, em diversos momentos, indica a necessidade de observância de classificação do imposto imune a uma das tipologias expressas na Constituição Federal (patrimônio, renda ou serviços).

21. Dessa forma, atualmente o arcabouço legal do Distrito Federal veda a adoção de interpretação extensiva à imunidade religiosa para além dos impostos diretamente ligados ao patrimônio, renda e serviços.

22. Em reforço argumentativo, esse é o entendimento do Tribunal Pleno do TribunalAdministrativo de Recursos Fiscais (TARF), vejamos:

“ACÓRDÃO DO TRIBUNAL PLENO No. 1 / 2024

EMENTA : ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

INSTITUIÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. ICMS. IMPOSTO NÃO CONTEMPLADO NA NORMA IMUNIZANTE.

1. A imunidade constitucional estabelecida pelo artigo 150, inciso VI, alínea ?c?, da Constituição Federal é prevista apenas para as hipóteses em que os impostos recaem diretamente sobre o patrimônio, a renda e os serviços das instituições sem fins lucrativos.

2. O ICMS, afora as prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, tem como objeto as operações relativas à circulação de mercadorias, não se enquadrando, assim, no conceito de impostos sobre patrimônio, renda e serviços. 3. Recurso de jurisdição voluntária conhecido e desprovido.” (grifos nossos)

23. No que pertine à emissão de documento fiscal e inscrição no cadastro fiscal - CF/DF, convém apontar a literalidade do RICMS/DF:

“Art. 20. Os contribuintes definidos no art. 12 inscrever-se-ão no Cadastro Fiscal do Distrito Federal – CF/DF, antes do início de suas atividades.

Art. 78. O contribuinte é obrigado a emitir o documento fiscal e a entregá-lo ao destinatário, juntamente com a mercadoria, bem ou serviço objeto da operação ou prestação, ainda que não seja por este solicitado (Lei nº 1.254, de 08 de novembro de 1996, art. 49).

Art. 158. Quando a operação estiver beneficiada por isenção, redução de base de cálculo, ou amparada por imunidade, não incidência ou suspensão de recolhimento do imposto, ou ainda, quando se tratar de mercadoria sujeita à substituição tributária, essa circunstância será mencionada em todas as vias do documento fiscal, indicando-se o dispositivo legal ou regulamentar respectivo (Convênio SINIEF s/nº, de 15/12/70, art. 9°)”

24. Nesse passo, a emissão de documento fiscal e a inscrição no cadastro fiscal são obrigações acessórias do contribuinte do imposto, independentemente do gozo de qualquer benefício fiscal ou não incidência, salvo expressa previsão da legislação tributária dispensando2.

III - Conclusão - Resposta

25. Pelo exposto, em resposta ao Consulente, destacamos os questionamentos apresentados:

26. “1. Sobre as operações de distribuição/venda de roupas sacras e artigos religiosos pela Consulente aos seus membros há incidência do ICMS ou se aplica a norma constitucional de imunidade tributária, consubstanciada no artigo 150, VI, b, da Constituição Federal, visto que as roupas sacras somente podem ser vendidas pela Entidade Religiosa aos seus membros dignos, não cabendo aqui falar em ofensa ao princípio da livre concorrência?"

27. Resposta: A norma imunizante do art. 150, VI, b da Constituição Federal tem como escopo os impostos cuja incidência recai sobre o patrimônio, a renda e os serviços das entidades religiosas.

Além disso, com base no Decreto nº 42.273/2021 e na Lei nº 6.409/2019, a imunidade religiosa não abarca os impostos de incidência apenas reflexa ao patrimônio, renda ou serviços da entidade. Isso porque a base de incidência do ICMS, “in casu”, é a operação de circulação de mercadorias, o que não se confunde de modo direto ao patrimônio, renda ou serviços da entidade religiosa.

Pelo exposto, a não incidência do art. 150, VI, b da CF, no que tange às operações de circulação de mercadorias, não abrange as operações tributadas pelo ICMS.

28. “2. A referida imunidade tributária abrangeria os teclados, gravuras religiosas e outros artigos que são distribuídos/vendidos pela Consulente aos seus membros para culto familiar desses?"

29. Resposta: Não. Vide resposta do item 1.

30. “3. Caso as respostas anteriores seja a aplicação da norma de imunidade tributária, há obrigatoriedade de emissão de nota/cupom fiscal? Se sim, em qual campo da nota/cupom fiscal deverá se especificar que se trata de operação imune?”

31. Resposta: Prejudicada. Salvo disposição expressa em contrário, todas as obrigações acessórias serão devidas.

32. Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal – RPAF), a presente Consulta é eficaz aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.

À consideração de V.S.ª.

Brasília/DF, 11 de julho 2024

RODRIGO AUGUSTO BATALHA ALVES

Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal

1 - PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário completo. 15 ed. São Paulo:Saraiva.2024. p.209

2 - Parágrafo único do art. 175 do Código Tributário Nacional (CTN); e “As imunidades relativas a determinadas pessoas, operações ou bens não dispensam seu titular do dever de cumprir obrigações tributárias acessórias. “(PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário completo. 15 ed. São Paulo:Saraiva.2024. p.46)

À Coordenadora de Tributação da COTRI.

De acordo.

Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.

Brasília/DF, 15 de julho 2024

LUÍSA MATTA MACHADO FERNANDES SOUZA

Gerência de Esclarecimento de Normas

Gerente

Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "d" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 05 de julho de 2022, página 4).

A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.

Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.

Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o inciso II do art. 78 combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.

Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 252 da Portaria nº 140, de 17 de maio de 2021. Brasília/DF, 16 de julho de 2024

DAVILINE BRAVIN SILVA

Coordenação de Tributação

Coordenadora