Resposta à Consulta Nº 141 DE 23/06/2022


 


ICMS - OBRIGAÇÃO PRINCIPAL - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE - CARGA PRÓPRIA - VEÍCULO - INCIDÊNCIA Não configura hipótese de incidência do ICMS o transporte de carga própria, que consiste naquele realizado pelo destinatário em veículo de sua propriedade ou locado, ainda, se realizado por motorista que possua vínculo empregatício com o destinatário/transportador ou empregado de empresa terceirizada de mão-de-obra, contratada pelo destinatário. Se o transporte é realizado em veículo locado com condutor, configura-se a prestação de serviço e haverá a incidência do ICMS.


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Texto

..., pessoa jurídica de direito privado, estabelecida na ..., ..., ..., em .../PE, inscrita no CNPJ sob o n° ..., não inscrita no Cadastro de Contribuintes deste Estado, formula consulta sobre a incidência do ICMS na prestação de serviço de transportes.

A consulente informa, que:

a) transporta combustíveis líquidos;

b) estuda a possibilidade de abrir filial no Estado de Mato Grosso;

c) presta o serviço de transporte rodoviário de carga se utilizando de frota própria, constituída de veículos próprios e arrendados;

d) além da prestação de serviço de transporte para terceiros (seus clientes), também realiza o transporte de cargas para o seu próprio consumo (caso em que, o destinatário e o transportador, são a própria consulente).

Isto posto, a consulente transcreve as seguintes disposições do artigo 4º do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 2.212, de 20 de março de 2014:

Art. 4° Para os efeitos da aplicação da legislação do imposto:

...

III – não se considera prestação de serviço o transporte realizado em veículo próprio, assim entendido aquele registrado em nome do remetente ou destinatário constante da Nota Fiscal.

...

§ 3° A exclusão prevista no inciso III do caput deste artigo alcança, ainda, o transporte realizado em veículo operado em regime de locação, inclusive arrendamento mercantil, ou outra forma similar. (v. parágrafo único do art. 10 do Convênio SINIEF 6/89, alterado pelo Ajuste SINIEF 14/89)

...

Da norma, a consulente conclui que a expressão “veículo próprio”, engloba veículos próprios, locados ou arrendados (ou formas similares) por ela.

A consulente informa que a legislação mato-grossense é silente em relação a condição dos condutores dos veículos para fins de configuração da expressão “veículo próprio”.

Em relação a esse tema, cita a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF º 324 e no RE nº 958252, a saber: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Isto posto, entende que estará configurado o transporte de carga própria, por intermédio de “veículo próprio” na hipótese de o motorista portar os documentos que comprovem a propriedade do veículo (veículo de propriedade da consulente) ou sua locação formal (veículo locado pela consulente), e ainda, este motorista, seja (1) funcionário (vínculo empregatício) da consulente ou, (2) de empresa terceirizada de mão-de-obra, contratada pela consulente.

Nesse diapasão, indaga se seu entendimento está correto.

Declara ainda a consulente que não se encontra sob procedimento fiscal iniciado ou já instaurado para apurar fatos relacionados com a matéria objeto da presente consulta, que a dúvida suscitada não foi objeto de consulta anterior já respondida, bem como que a matéria consultada não foi objeto de decisão proferida em processo administrativo já findo, em que tenha sido parte.

É a consulta.

A seguir, transcrição da ementa da ementa de julgamento da ADPF nº 324, citada pela consulente (grifos acrescidos):

DIREITO DO TRABALHO. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.

TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM E DE ATIVIDADE-MEIO. CONSTITUCIONALIDADE.

1. A Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade.

2. A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade.

3. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações.

4. Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993).

5. A responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços pressupõe a sua participação no processo judicial, bem como a sua inclusão no título executivo judicial.

6. Mesmo com a superveniência da Lei 13.467/2017, persiste o objeto da ação, entre outras razões porque, a despeito dela, não foi revogada ou alterada a Súmula 331 do TST, que consolidava o conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria, a indicar que o tema continua a demandar a manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito dos aspectos constitucionais da terceirização.

Além disso, a aprovação da lei ocorreu após o pedido de inclusão do feito em pauta.

7. Firmo a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”.

8. ADPF julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio. Restou explicitado pela maioria que a decisão não afeta automaticamente decisões transitadas em julgado.

Da ementa transcrita, verifica-se que o debate girava em torno de reconhecimento ou não de vínculo empregatício em terceirizações (possibilidade ou não de terceirizações), sendo dessa forma, tema afeto ao Direito do Trabalho.

O RE apontado também tratava do mesmo debate.

Dessa forma, a expressão “veículo próprio”, prevista no inciso III do artigo 4º do RICMS, não sofre alteração em seu escopo ou conteúdo de abrangência por conta da discussão sobre a existência ou não de vínculo trabalhista em terceirizações.

O conteúdo e a abrangência da expressão “veículo próprio”, está prevista na própria literalidade da expressão (veículo de propriedade do remetente ou destinatário da mercadoria transportada, nos moldes do inciso III do artigo 4º do RICMS), sendo alargada pelo § 3º do artigo 4º do RICMS, para fins exclusivos da aplicação da legislação tributária do ICMS:

Art. 4° Para os efeitos da aplicação da legislação do imposto:

...

III – não se considera prestação de serviço o transporte realizado em veículo próprio, assim entendido aquele registrado em nome do remetente ou destinatário constante da Nota Fiscal.

...

§ 3° A exclusão prevista no inciso III do caput deste artigo alcança, ainda, o transporte realizado em veículo operado em regime de locação, inclusive arrendamento mercantil, ou outra forma similar. (v. parágrafo único do art. 10 do Convênio SINIEF 6/89, alterado pelo Ajuste SINIEF 14/89)

...

Dessa forma, apenas se atendidos os critérios previstos no inciso III, ou no § 3º do artigo 4º do RICMS, pode se falar em “veículo próprio”, para fins de aplicação da legislação tributária do ICMS no Estado de Mato Grosso.

Então, voltando ao entendimento exposto pela consulente:

(1) motorista portar os documentos que comprovem a propriedade do veículo (veículo de propriedade da consulente) ou sua locação formal (veículo locado pela consulente), e ainda, este motorista, seja funcionário (vínculo empregatício) da consulente;

Nessa hipótese, estará configurado o transporte de carga própria (o destinatário e o transportador, são a própria consulente), por intermédio de “veículo próprio”, não incidindo o ICMS relativo ao transporte de carga.

(2) motorista portar os documentos que comprovem a propriedade do veículo (veículo de propriedade da consulente) ou sua locação formal (veículo locado pela consulente), e ainda, este motorista, seja funcionário de empresa terceirizada de mão-de-obra, contratada pela consulente;

Nessa hipótese, estará configurado o transporte de carga própria (o destinatário e o transportador, são a própria consulente), por intermédio de “veículo próprio”, não incidindo o ICMS relativo ao transporte de carga.

Finalmente, apenas à título de conhecimento, é oportuno informar que na hipótese de locação de veículo com condutor, seja este autônomo ou funcionário da empresa locadora dos veículos, resta configurada a prestação de serviços, e por consequência haverá incidência do ICMS, na medida em que a posse do veículo continua na égide do locador, não se configurando a locação de coisa não fungível, de que tratam os artigos 565 e seguintes do Código Civil Brasileiro.

Por fim, registra-se que não produzirá os efeitos legais previstos no artigo 1.002 e no parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS a consulta respondida sobre matéria que esteja enquadrada em qualquer das situações previstas nos incisos do caput do artigo 1.008 do mesmo Regulamento.

Alerta-se que, em sendo o procedimento adotado pela consulente diverso do aqui indicado, respeitado o quinquênio decadencial, deverá, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da ciência da presente, regularizar suas operações, inclusive com recolhimento de eventuais diferenças de imposto, ainda sob os benefícios da espontaneidade, com acréscimo de correção monetária, juros e multa de mora, calculados desde o vencimento da obrigação até a data do efetivo pagamento.

Após o transcurso do prazo apontado, ficará o estabelecimento consulente sujeito ao lançamento de ofício, para exigência de eventuais diferenças, nos termos do artigo 1.004 do RICMS.

Assinala-se que esta resposta não se enquadra nas hipóteses das alíneas do inciso I do § 2° do artigo 995 do RICMS, conforme redação dada pelo Decreto n° 1.076, de 24 de agosto de 2021, logo, não se submete à análise da Câmara Técnica pertinente.

É a informação, ora submetida à superior consideração, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.

Coordenadoria de Divulgação e Consultoria de Normas da Receita Pública da Superintendência de Consultoria Tributária e Outras Receitas, em Cuiabá/MT, 23 de junho de 2022.

Flavio Barbosa de Leiros

FTE

DE ACORDO.

Elaine de Oliveira Fonseca

Coordenadora – CDCR/SUCOR

APROVADA.

José Elson Matias dos Santos

Superintendente de Consultoria Tributária e Outras Receitas