Interpretação finalística da Lei Complementar nº 188/2020.
RELATÓRIO
Trata-se de consulta tributária formulada pela AMPLA ENERGIA E SERVICOS S.A., inscrita no CNPJ/ME sob o n° 33.050.071/0001-58, inscrição estadual nº 80.046.561, e LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 60.444.437/0001-46, inscrição estadual nº 81.380.023.
Trata a inicial (doc. 13717399) de consulta tributária formulada por duas empresas concessionárias de energia elétrica, conjuntamente, tendo sido acostados dois comprovantes de pagamento de taxa de serviços estaduais, um para cada consulente (doc. 13717406 e doc. 13717407).
A AFE-03, além de informar que o “processo encontra-se instruído com copias de documentos que comprovam o pagamento da TSE e documentos e a habilitação dos signatários da petição inicial”, declara “que não há no momento ação fiscal ou auto de infração relacionados à matéria consultada (LCE nº 188/2020)” (doc. 15670187).
Informam as consulentes que as duas empresas exercem a atividade de distribuição de energia elétrica a diversos em municípios dentro dos limites territoriais do Estado do Rio de Janeiro, e indicam que a consulta está “exclusivamente direcionada a dirimir dúvidas acerca da correta forma de tributação, pelo ICMS, das operações de fornecimento de energia elétrica aos clientes, de ambas as Consulentes, que se caracterizam como igrejas ou templos de qualquer culto”, tendo em vista as “sucessivas alterações legislativas” que envolvem o tema.
Após indicar a edição na Lei Estadual nº 3.266, de 06/10/1999, e apontar para as diversas alterações realizadas pelo parlamento estadual na lei ordinária, especialmente aquela realizada pela Lei Complementar nº 182/2018, vigente a partir de 21.09.2018, reconhecem que “o Decreto Estadual nº 46.409 de 30/08/2018, que, alterado pelo Decreto Estadual nº 46.637 de 15/04/2019, limitou a fruição do benefício de isenção previsto na Lei Estadual nº 3.266/1999 até 30/09/2019”.
Os consulentes aludem, ainda, que em “âmbito federal, foi editada, em 19/12/2019, a Lei Complementar nº 170, a qual modificou a Lei Complementar nº 160/2017, para prorrogar o prazo de gozo dos incentivos destinados a igrejas e templos de qualquer culto”. Indicam, ainda, que “na justificativa da propositura da Lei Complementar nº 170 (PLP 55/2019 – Doc. 05), há expressa menção ao benefício instituído, no Estado do Rio de Janeiro, mediante a Lei Estadual nº 3.266/1999, com o fim de explicitar as razões pelas quais a prorrogação da isenção seria de extrema relevância e forte impacto no desenvolvimento das atividades desses tipos de instituição”.
Apontam, também, no sentido da edição, no Estado do Rio de Janeiro, em 27/01/2020, da Lei Complementar nº 188 (LCE nº 188/2020), norma que dispõe que “para fins previstos na alínea "b", do inciso VI, do art. 196 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, fica vedado ao governo do Estado do Rio de Janeiro e aos seus Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto religioso.”.
Salientam, ainda, que o projeto de lei complementar estadual, “que deu origem à norma supracitada, foi respaldado no entendimento do Supremo Tribunal Federal (“STF”) acerca da necessidade de incentivar igrejas e templos de qualquer culto, mediante redução da carga tributária incidente nas contas de consumo, como, luz, água, gás e telecomunicações”.
Em seguida, as consulentes indicam o entendimento conjunto “no sentido de que a LCE nº 188/2020 tem por objeto isentar o ICMS no fornecimento de energia elétrica a igrejas e templos de qualquer culto”. Em síntese, sob o ponto de vista formal, justificam a interpretação extensiva pelo fato de que a lei complementar não poderia tratar da imunidade já “prevista no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal”[1]. Dessa forma, concluem que “a LCE nº 188/2020 só existe no ordenamento jurídico para estabelecer isenção”.
Sob o ponto de vista material, fundamentam a mencionada conclusão, no fato de que o Projeto de Lei Complementar nº 02/2019, o qual ensejou a edição da citada Lei Complementar nº 188/2020, faz “referência ao entendimento do STF esposado quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.421, proposta, pelo Governador do Estado do Paraná, contra a Lei Estadual (PR) nº 14.586/2004, que concedia isenção de ICMS o fornecimento de energia elétrica, água, gás e telefone a clientes que se caracterizassem como igrejas e templos de qualquer culto”. Nessa esteira, ressalta que no bojo da citada ADI, o “Ministro Relator Marco Aurélio deixou bastante claro que se tratava de típica hipótese de isenção do ICMS e não de imunidade. Em complemento, afirmou que não seria necessário haver o consenso de todas as unidades federativas mediante celebração de Convênio previsto na Lei Complementar Federal nº 24/1975, pois a concessão desse tipo de benesse a entidade que já seria imune aos demais impostos não causaria o efeito de guerra fiscal”.
Portanto, de acordo com o entendimento dos consulentes a isenção na hipótese não pressupõe a edição de Convênio ICMS com fundamento na Lei Complementar nº 24/1975.
Ainda, com fundamento em decisão do Superior Tribunal de Justiça[2], expressam entendimento no sentido de que a interpretação da hipótese de isenção em apreço também deve utilizar “o método teleológico para interpretação de normas que desoneram tributos”.
Por fim, após enfatizar a necessidade de uma “interpretação finalística da LCE nº 188/2020” questiona, objetivamente:
“1 – Está correto o entendimento das Consulentes no sentido de que a LCE nº 188/2020 isenta o ICMS nas faturas de energia elétrica emitidas contra igrejas e templos de qualquer culto?
2 – Caso a resposta acima seja positiva, como as Consulentes devem operacionalizar o benefício na obrigação acessória DUB-ICMS (Documento de Utilização de Benefício Fiscal)?”.
É o relatório.
[1] “Dessa forma, fica claro que, pelo fato de a imunidade ser uma norma de eficácia plena eimediata que independe de validação pela legislação infraconstitucional, a LCE nº 188/2020 jamais teria por objetivo apenas reiterar / replicar a benesse já concedida pela Constituição. Dito de outra forma, se a LCE nº 188/2020 tivesse por finalidade apenas confirmar a imunidade constitucionalmente prevista, ela seria uma lei sem qualquer conteúdo normativo.”
[2] “1. O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal da norma, não pode levar oaplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos lógicosistemático, histórico e finalístico ou teleológico, os quais integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas”. REsp 192.531/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2005, DJ 16/05/2005, p. 275
2. ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, cumpre destacar que não há previsão expressa no Decreto-lei nº 05/1975[1], no Decreto nº 2.473/79[2] ou na Resolução SEF nº 109/76, normas que disciplinam o instituto da consulta no âmbito do estado do Rio de Janeiro, acerca da possibilidade, ou vedação, que a consulta tributária seja formulada por dois sujeitos passivos da obrigação tributária conjuntamente, isto é, no mesmo processo administrativo.
No entanto, haja vista as peculiaridades da matéria sobre a qual versam as dúvidas já indicadas (aplicabilidade da isenção no fornecimento de energia elétrica para templos de qualquer culto), a estrutura do setor econômico em que se inserem as consulentes e tendo em vista, ainda, que foram recolhidas duas taxas de serviços públicos, uma por cada empresa consulente, entendo, s.m.j, levando-se em consideração o princípio da economia processual, que não há óbice à resposta aos dois
contribuintes nos mesmos autos. Na realidade, cada sujeito passivo poderia ter protocolado a mesma consulta em processos independentes, razão pela qual não vislumbro, neste momento, qualquer argumento para exigir o processamento das mesmas indagações em dois autos separados e distintos.
Nesse sentido, parece-me importante ressaltar que os efeitos e disciplina da presente resposta, se aprovada, serão os mesmos aplicáveis à consulta individualmente formulada, com a única diferença que os dois consulentes devem ser individualmente intimados do seu resultado e, cada qual, adotar as providências cabíveis.
Ainda em caráter liminar, ressalto, na mesma linha do que sustentado na inicial, que sempre me posicionei no sentido de que não se aplica exclusivamente o método literal na hipótese de interpretação da norma que afasta a incidência de tributo, ou prevê regime tributário menos oneroso ao contribuinte, inobstante implicar efeitos restritivos, posicionamento que não parece ser adotado pelos consulentes, que advogam interpretação extensiva do que entendem ser hipótese de isenção. Nos termos indicados já me manifestei em diversas ocasiões, ou seja, no sentido da adoção da “pluralidade metodológica” ou múltiplos “pontos de vista diretivos”[3], como, por exemplo, nos autos do processo E- 04-079-3589-2017 e SEI-040079000499-2020, conforme a seguir transcrito:
Preliminarmente, cumpre ressaltar que interpretar é determinar o sentido e alcance da norma, ou seja, descobrir (quando há um sentido predeterminado) ou atribuir significado próprio (quando há mais de um sentido possível), tornando possível a sua aplicação ao caso concreto.
Na hipótese de interpretação e aplicação de norma concessiva de incentivos e benefícios fiscais, como é o caso de que trata o presente administrativo, há limites muito estritos para a construção de significados e a realização de integração normativa. A hipótese é disciplinada pelo art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN), o qual estabelece que as causas de exclusão do crédito tributário, regra que se aplica também à interpretação das normas concessivas de incentivos e benefícios fiscais, devem ser interpretadas de forma “literal” e “restritivamente”.
Nesse caso, obviamente, é defeso ao hermeneuta aplicar interpretação extensiva ao comando normativo. Nesse sentido aponta Celso Ribeiro Bastos[4]:
(...) a interpretação literal tende a ser mais restritiva na medida em que exige do intérprete que se mantenha atrelado a expressões contidas nas palavras das leis. Mas aqui há a observar-se o seguinte: a interpretação jurídica não se detém na interpretação literal ou gramatical, embora deva por esta começar.
No mesmo sentido, de aplicação de interpretação literal e restritiva, ainda que não de forma exclusiva, isto é, sem afastar a possibilidade de também aproveitar-se dos benefícios do método sistemático, teleológico ou histórico, já apontou o Superior Tribunal de Justiça em diversas ocasiões, como, por exemplo, no Resp 14.400/SP, (1ªT., rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 20-11-1991), cujo trecho da ementa declara de forma expressa:
O real escopo do artigo 111 do CTN não é o de impor a interpretação apenas literal – a rigor impossível – mas evitar que a interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica amplie o alcance da norma isentiva. Recurso provido, por unanimidade.
Na realidade, esse posicionamento da jurisprudência, e da doutrina nacional indicada, consagra um postulado que produz efeitos em qualquer ramo jurídico, isto é, “o que é regra se presume; o que é exceção deve estar expresso em lei”. Portanto, como a regra geral é a tributação, deve-se conferir às suas exceções, como a isenção, os créditos presumidos, reduções de base de cálculo ou diferimentos, interpretação literal e restritiva, adotando-se, para determinação do sentido e alcance da norma, também a interpretação sistemática teleológica e histórica, quando cabível e adequado.
No entanto, apesar da utilização dos múltiplos métodos interpretativos, importante repisar não ser cabível a adoção de interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica que amplie o alcance da norma concessiva de benefício fiscal.
Assim, não obstante os múltiplos métodos interpretativo, o conteúdo e alcance dos incentivos fiscais devem, necessariamente, estar expressos na norma concessiva, não sendo papel do intérprete construir teses ou sentidos que não estejam indicados na lei concessiva de forma clara e inequívoca.
Com efeito, deve-se ressaltar que a interpretação e a integração não se confundem.
A interpretação, que se inicia com a leitura do texto, encontra como limite as possibilidades oferecidas pelo sentido literal linguisticamente possível, não podendo o intérprete extrapolar os limites que estão fixados pelo próprio legislador, conforme ensina Karl Larenz[5].
Por sua vez, a integração[6] inicia-se quando a interpretação já não tem mais alcance, em razão da ausência de texto normativo que lhe permita avançar. Assim, a integração vai além das possibilidades interpretativas, revelando-se pelo preenchimento das lacunas não alcançadas pelo legislador (o direito para além da lei).
Considerando o exposto, importante iniciarmos o exame da matéria com a leitura da mencionada Lei Complementar nº 188/2020, a qual possui apenas 3 artigos:
Art. 1º Para fins previstos na alínea “b”, do inciso VI, do art. 196 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, fica vedado ao governo do Estado do Rio de Janeiro e aos seus Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto religioso.
Art. 2º As despesas com a execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.
O artigo 1º é claro ao indicar como objeto da disciplina o disposto “na alínea “b”, do inciso VI, do art. 196 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro” e, ainda, que a vedação dirigida ao estado e aos municípios alcança tão somente os “impostos sobre templos de qualquer culto religioso”.
O indicado dispositivo da Constituição estadual estabelece:
Art. 196 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto;
Portanto, parece-me que o objetivo da lei já foi expressamente fixado pelo próprio do legislador estadual, isto é, disciplinar o dispositivo da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que apenas reproduz a chamada imunidade dos “templos de qualquer culto”, ao contrário do que sustentam os consulentes, que enquadram a situação sob exame como hipótese de isenção, e procuram justificar a adoção de interpretação substancialmente extensiva do contido na norma estadual, distante do que denota a sua literalidade.
Nessa linha, saliente-se que o § 3º do citado artigo 196 da Constituição estadual, da mesma forma como estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)[7], limita o alcance da não incidência ao patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essências das entidades nelas mencionadas”.
Nesses termos, parece-me que a intributabilidade prevista tanto “na alínea “b”, do inciso VI, do art. 196 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro”, como na alínea “b” do inciso VI e o § 4º do artigo 150 da CRFB/88, não alcança o ICMS devido pelos fornecedores da entidade. De fato, o imposto estadual é espécie de tributo indireto, incidente sobre as operações de circulação de mercadorias e sobre as prestações de serviços de comunicações e transporte interestaduais e intermunicipais, e não sobre o “patrimônio, renda ou serviços” da entidade religiosa.
Com efeito, a igreja quando adquire a mercadoria “energia elétrica”, do concessionário, figura tão somente como contribuinte de “fato”, e não sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte de direito).
Este sempre foi o posicionamento no âmbito desta Superintendência de Tributação (SUT). Após a edição da Lei nº 3.266/1999, esta Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias manifestou- se no sentido da aplicabilidade da referida Lei nº 3.266/1999, como, por exemplo, nos autos do Processo E-04/053116/09[8] (Consulta n° 051/09), nos seguintes termos:
1 - Somente o imóvel destinado ao templo, ou seja, o descrito na alínea “a” do item 6 da consulta “centro espírita onde são realizados cultos e estudos religiosos”, pode ser beneficiado com a desoneração do ICMS de que trata o artigo 1º da Lei nº 3266/99, conforme dispõe seu artigo 2º, abaixo transcrito:
“Art. 2º - São definidas, para efeito do artigo 1º, as contas relativas a imóveis ocupados por templos de qualquer culto, devidamente registrados”. (grifamos)
A entidade deverá providenciar a instalação de medidor de consumo de energia elétrica exclusivo para esse imóvel e, em seguida, requerer a desoneração do imposto na Nota Fiscal/Conta de Energia Elétrica.
Portanto, esta Superintendência de Tributação reconheceu a eficácia da Lei nº 3.266/1999, dentro dos seus limites e possibilidades.
No entanto, fato novo, relevantíssimo, ocorreu no ano de 2019.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em julgamento ocorrido em 05.11.2019, no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5816[9], que a imunidade constitucional dos templos de qualquer culto se submete aos requisitos introduzidos pelo artigo 113 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)[10], dispositivo incluído pela Emenda Constitucional 95/2016, conforme revela a simples leitura da ementa do acórdão:
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE DE IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CRENÇA. ICMS. TRIBUTAÇÃO INDIRETA. GUERRA FISCAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL E ANÁLISE DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO. ART. 113 DO ADCT (REDAÇÃO DA EC 95/2016). EXTENSÃO A TODOS OS ENTES FEDERATIVOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A imunidade de templos não afasta a incidência de tributos sobre operações em que as entidades imunes figurem como contribuintes de fato. Precedentes. 2. A norma estadual, ao pretender ampliar o alcance da imunidade prevista na Constituição, veiculou benefício fiscal em matéria de ICMS, providência que, embora não viole o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF – à luz do precedente da CORTE que afastou a caracterização de guerra fiscal nessa hipótese (ADI 3421, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 5/5/2010, DJ de 58/5/2010) –, exige a apresentação da estimativa de impacto orçamentário e financeiro no curso do processo legislativo para a sua aprovação. 3. A Emenda Constitucional 95/2016, por meio da nova redação do art. 113 do ADCT, estabeleceu requisito adicional para a validade formal de leis que criem despesa ou concedam benefícios fiscais, requisitos esse que, por expressar medida indispensável para o equilíbrio da atividade financeira do Estado, dirigir-se a todos os níveis federativos. 4. Medida cautelar confirmada e Ação Direta julgada procedente.
Dessa forma, a Suprema Corte pacificou o entendimento no sentido de que a não exigência de ICMS incidente nas aquisições realizadas por templos de qualquer culto consubstancia renúncia de receita, a exigir a estimativa de impacto orçamentário e financeiro no curso do processo legislativo para a sua aprovação, em obediência ao contido no art. 113 do ADCT.
Ainda, importante ressaltar trecho a seguir transcrito do voto do relator na mencionada ADI 5816, atual parâmetro para interpretação da imunidade constitucional, o qual aponta no mesmo sentido tradicionalmente sustentado por esta Superintendência de Tributação, conforme anteriormente indicado:
Sobre o primeiro ponto, observo que a norma pretendeu afastar a incidência do ICMS em operações nas quais a entidade imune, no caso, as igrejas e templos de qualquer culto, figura como contribuinte de fato da tributação indireta. Assim sendo, incide o entendimento jurisprudencial da CORTE de que imunidades subjetivas impedem a caracterização da relação tributária apenas na hipótese em que a entidade imune é contribuinte de direito do tributo. Nesse sentido, o julgamento do RE 608.872, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/2/2017, DJe de 26/9/2017, no qual a CORTE, em sede de Repercussão Geral, afirmou tese de que “a imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido”.
Nesses termos, o STF, em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, reconheceu a consolidação da jurisprudência da corte fixada no RE 608.872, segundo a qual “a imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido”.
Ratifica-se, portanto, o entendimento desta Superintendência de Tributação, no sentido de que a intributabilidade prevista na alínea “b” do inciso VI e o § 4º do artigo 150 da CRFB/88 não alcança o ICMS devido pelos fornecedores da entidade.
Em outro giro, importante salientar que o disposto no Art. 1º da Lei nº 3.266/ 1999, com a sua redação conferida pela Lei Complementar nº 182/2018[11], vigente a partir de 21.09.2018, é fruto de emenda do parlamento ao Projeto de Lei Complementar nº 56/2018, que não continha a previsão de alteração da citada lei ordinária quando o projeto foi encaminhado pelo Poder Executivo, o que pode ser verificado pela leitura da íntegra do projeto de lei[12]. Nesse sentido, não resta claro se há ou não a necessária estimativa de impacto orçamentário e financeiro no curso do processo legislativo para a sua aprovação, em obediência ao contido no art. 113 dos ADCT, tema que foge ao escopo das competências desta Coordenadoria de Consultas JurídicoTributária.
Ainda no âmbito da legislação estadual acerca do tema, importante ressaltar, consoante o disposto no item 20 do Anexo Único a que alude o art. 1º, do Decreto nº 46.409/2018, conforme reconhecido pelos próprios consulentes, que o prazo de fruição dos benefícios fiscais previstos na mencionada Lei nº 3.266/ 1999 encerrou-se em 30.09.2019. Dessa forma, ainda que cumpridos os requisitos orçamentários e financeiros a que se refere o artigo 113 do ADCT, há óbice atual na legislação tributária estadual à fruição do tratamento tributário previsto no art. 1º da Lei nº 3.266/1999, por força de ato expedido pelo Chefe do Poder Executivo que foi expressamente ratificado pelo art. 1º da Lei nº 8.481, de 26 de julho de 2019[13].
Por fim, no que alude à Lei Complementar nº 170/2019[14], a qual modificou o artigo 3º da Lei Complementar nº 160/2017, a plena eficácia das alterações objetivadas depende, conforme indicado indiretamente pelos próprios consulentes em nota de rodapé[15], da prévia alteração do Convênio ICMS 190/2017, pois o “Convênio a que se referem os dispositivos” das citadas leis complementares “é o Convênio 190/2017”. Em outras palavras, para que a previsão contida no inciso I do § 2º do Art. 3º da Lei Complementar nº 160/2017, com a sua redação conferida pela Lei Complementar nº 170/2019, tenha aplicabilidade para os “templos de qualquer culto e a entidades beneficentes de assistência social” é necessário: (1) que o citado Convênio ICMS 190/2017 seja atualizado e, também; (2) que a legislação tributária estadual incorpore aludidas alterações.
[1] Estabelecem os artigos 273 e 274 do Decreto-lei 05/1975:
“Art. 273. A consulta a ser apresentada, por escrito, sobre a matéria tributária, é facultada ao sujeito passivo da obrigação tributária e a outras pessoas, nas condições a serem determinadas pelo Poder Executivo.
Art. 274. A petição deverá ser apresentada, no domicílio tributário do consulente, ao órgão incumbido de administrar o tributo sobre que versa”.
[2] Dispõe os artigos 150 e 164 do Decreto nº 2.473/79:
“Art. 150. A consulta sobre matéria tributária é facultada;
I - ao sujeito passivo da obrigação;
II - às entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais;
III - aos órgãos da administração pública em geral.
Art. 164. No caso de consulta formulada por entidade representativa de categoria econômica ou profissional, os efeitos referidos nos artigos 162 e 163 só alcançarão seus associados ou filiados depois de cientificado o consulente da resposta”.
[3] A partir da concepção de que interpretação não se dá a partir da escolha de um critério, masmediante um procedimento único em que o hermeneuta utiliza todos os métodos, prevalecendo, de acordo com o caso concreto, um ou outro, Karl Larenz evita falar em métodos, preferindo a expressão pontos de vista diretivos. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 450.
[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário, 2. Ed., São Paulo: Saraiva, 1992, pp. 183-184.
[5] LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 454.
[6] O art. 108 do Código Tributário Nacional elenca os métodos que devem ser utilizados para aintegração da lei tributária.
[7] Estabelece a alínea “b” do inciso VI e o § 4º, ambos do artigo 150, da Constituição daRepública Federativa do Brasil (CRFB/88):
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto;
(...)
§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
O transcrito § 4º do art. 150 da CRFB/88 delimita o escopo e a amplitude da chamada imunidade aos impostos incidentes sobre o “PATRIMÔNIO, RENDA OU SERVIÇOS” relacionados com as finalidades essenciais dos templos de qualquer culto.
[8] A parte inicial da consulta indica: “Senhora Coordenadora, O contribuinte acima identificado, concessionário de serviços públicos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, apresenta consulta nos seguintes termos:
1 - a Lei nº 3266/99 proíbe a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais - água, luz, telefone e gás - de igrejas e templos de qualquer culto, desde que o imóvel esteja comprovadamente na posse das igrejas ou templos; (...)”
[9] Disponível em Órgão julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 05/11/2019, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES
[10] Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
[11] “Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais - energia e gás- de igrejas, templos de qualquer culto, Santas Casas de Misericórdia, Hospitais Beneficentes que atendam majoritariamente pacientes oriundos do S.U.S. - Sistema Único de Saúde Associações Brasileiras Beneficentes de Reabilitação - ABBRs, Associação Fluminense de Reabilitação - FR, Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAEs e Associações Pestalozzi, desde que os imóveis estejam comprovadamente na posse dos respectivos templos, igrejas Santas Casas de Misericórdia, Hospitais Beneficentes, Associações Brasileiras Beneficentes de Reabilitação ABBRs, Associação Fluminense - AFR, Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais APAES e Associações Pestalozzi (NR)”. Disponível em http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/menu_structure/legislacao/legislacao-estadualnavigation/coluna1/menu_legislacao_decretos/Decretos-Tributaria? _afrLoop=19435162195590489&datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC333384&_adf.ctrlstat e=uu8c16133_116. Acesso em 16.03.2021.
[12] Disponível emhttp://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1519.nsf/6aa55451b1328067832566ec0018d821/35cf2045ae6f e238832582ec0070d4d1? OpenDocument. Acesso em 16.03.2021.
[13] Art. 1º Fica ratificado o disposto no Decreto Estadual nº 46409, de 30 de agosto de 2018, republicado no dia 28 de dezembro de 2018 e alterado pelo Decreto Estadual nº 46523, de 11 de dezembro de 2018, com Certificado de Registro e Depósito - SE/ CONFAZ nº 34/2019, da Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Política Fazendária, na forma prevista no Convênio ICMS nº 190, de 15 de dezembro de 2017.
[14] Art. 1º O art. 3º da Lei Complementar nº 160, de 7 de agosto de 2017, passa a vigorar com a seguinte alteração:
“Art. 3º .....................................................................................................
.......................................................................................................................
§ 2º ...........................................................................................................
I – 31 de dezembro do décimo quinto ano posterior à produção de efeitos do respectivo convênio, quanto àqueles destinados ao fomento das atividades agropecuária e industrial, inclusive agroindustrial, e ao investimento em infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano, bem como quanto àqueles destinados a templos de qualquer culto e a entidades beneficentes de assistência social;
...............................................................................................................” (NR)
[15] Nota de rodapé 1, à pg. 4: “O Convênio a que se referem os dispositivos é o Convênio 190/2017”.
3. RESPOSTA
Ante todo o exposto, concluo que:
1. o objetivo da Lei Complementar nº 188/2020 foi expressamente indicado pelo próprio legislador estadual no artigo 1º do diploma legal, isto é, disciplinar a alínea “b”, do inciso VI, do art. 196 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, o qual apenas reproduz a chamada imunidade dos “templos de qualquer culto”, ao contrário do que sustentam os consulentes. O § 3º do citado art. 196 da Constituição estadual, da mesma forma como estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), limita o alcance da não incidência ao patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essências das entidades nelas mencionadas”, razão pela qual a intributabilidade não alcança o ICMS devido pelos fornecedores
da entidade. O imposto estadual é espécie de tributo indireto, incidente sobre as operações de circulação de mercadorias e sobre as prestações de serviços de comunicações e transporte interestaduais e intermunicipais, e não sobre o “patrimônio, renda ou serviços” da entidade religiosa. Com efeito, a igreja quando adquire a mercadoria “energia elétrica”, do concessionário, figura tão somente como contribuinte de “fato”, e não sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte de direito).
2. a isenção de ICMS incidente nas aquisições realizadas por templos de qualquer culto, como é o caso da energia elétrica, consubstancia renúncia de receita, a exigir a estimativa de impacto orçamentário e financeiro no curso do processo legislativo para a sua aprovação, em obediência ao contido no art. 113 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com a sua redação conferida pela Emenda Constitucional 95/2016;
3. consoante o disposto no item 20 do Anexo Único a que alude o art. 1º, do Decreto nº 46.409/2018, o prazo de fruição dos benefícios fiscais previstos na mencionada Lei nº 3.266/ 1999 encerrou-se em 30.09.2019. Assim, ainda que cumpridos os requisitos orçamentários e financeiros a que se refere o artigo 113 do ADCT, atualmente há óbice na legislação tributária estadual à fruição do tratamento tributário previsto no art. 1º da Lei nº 3.266/1999, por força de ato expedido pelo Chefe do Poder Executivo, o qual foi expressamente ratificado pelo art. 1º da Lei nº 8.481, de 26 de julho de 2019;
4. para que a previsão contida no inciso I do § 2º do Art. 3º da Lei Complementar nº 160/2017, com a sua redação conferida pela Lei Complementar nº 170/2019, tenha aplicabilidade para os “templos de qualquer culto e a entidades beneficentes de assistência social” é necessário: (1) que o citado Convênio ICMS 190/2017 seja atualizado e, também; (2) que a legislação tributária estadual incorpore aludidas alterações.
Por fim, respondendo objetivamente às duas questões formuladas pelos consulentes:
“1 – Está correto o entendimento das Consulentes no sentido de que a LCE nº 188/2020 isenta o ICMS nas faturas de energia elétrica emitidas contra igrejas e templos de qualquer culto?”
Não, a Lei Complementar nº 188/2020, conforme expressamente indicado pelo próprio do legislador estadual no artigo 1º do diploma legal, visa tão somente disciplinar a alínea “b”, do inciso VI, do art. 196 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, o qual reproduz a chamada imunidade dos “templos de qualquer culto”.
2 – Caso a resposta acima seja positiva, como as Consulentes devem operacionalizar o benefício na obrigação acessória DUB-ICMS (Documento de Utilização de Benefício Fiscal)?”.
Prejudicada[1].
Ressalte-se que os efeitos e disciplina da presente resposta de consulta, se aprovada, são os mesmos aplicáveis à consulta individualmente formulada, com a única diferença, os dois consulentes devem ser individualmente intimados do seu resultado e, cada qual, adotar as providências cabíveis.
CCJT, em 15 de abril de 2021.
[1] A questão nº 2 resta prejudicada, pois o pressuposto à sua análise não se realizou, isto é, a resposta à questão nº 1 foi negativa. No entanto, a título de informação apenas, saliente-se que a Resolução SEFAZ nº 208/21, publicada em 23/03/2021, extinguiu a obrigatoriedade de apresentação do DUB-ICMS, relativamente às operações e prestações realizadas a partir de 1º de julho de 2020. Portanto, o documento com prazo de entrega em março de 2021 já não é devido. Entretanto, a extinção não afasta a apresentação e retificação do documento relativo a períodos anteriores.