Solução de Consulta SRE Nº 23 DE 14/08/2024


 


Consulta fiscal. ITCD. Doação de imóveis ao Fundo de Arrendamento Residencial – FAR. Imunidade tributária recíproca Declarada pelo stf em sede de repercussão geral. Hipótese de Não incidência constitucionalmente qualificada. 1) Doação de lotes ao Fundo de Arrendamento Residencial – FAR vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial – PAR, destinados à construção de casas do PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. 2) Fato não alcançado pela isenção do ITCD prevista no art. 166, V, da Lei nº 5.077/89. 3) Hipótese de imunidade tributária recíproca declarada por decisão do STF, proferida em sede de repercussão geral, e que fixou a seguinte tese para o Tema 884: Os bens e direitos que integram o patrimônio do fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial – PAR, criado pela Lei 10.188/2001, beneficiam-se da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. 4) Decisão que, em última análise, declara o patrimônio do referido Fundo como pertencente à União. 5) Possibilidade de aplicação imediata do entendimento jurisprudencial pela Administração Tributária, dado que: não implica controle de constitucionalidade de lei ou decreto, uma vez que não há norma estadual expressamente prevendo a incidência do ITCD sobre o patrimônio do FAR; e está em sintonia com o art. 3º, I, do Decreto nº 10.306/2011, que prevê a não incidência do ITCD sobre doações em que figurem como donatária a União.


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I. RELATÓRIO

Trata-se de processo iniciado por declaração de “ITCD – Doação – Declaração de Bens e Direitos” em que o Município de Barra de São Miguel, representado por seu prefeito, informa a doação de lotes do Loteamento Deputado Tarcísio de Jesus II, discriminados no pedido, com a seguinte destinação:

Doação de 200 lotes para construção de casas do PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA, conforme Contrato Por Instrumento Particular de Compra e Venda ou Doação de Imóvel e de Produção de Empreendimento Habitacional no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – Recursos FAR, com Pagamento Parcelado.

Com a declaração de doação foi anexado o “PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE ISENÇÃO DE ITCD – Habitação Social”, em que consta como donatário o FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL, CNPJ 03.190.167/0001-50, e que requer o reconhecimento de isenção do ITCD nos termos do inciso II do § 2º do art. 2º da Instrução Normativa SEF nº 18/2013

Em despacho (doc. SEI nº 25971461), a Chefia de ITCD, citando o art. 166, V, da Lei nº 5.077/89, afirmou que a isenção pretendida somente alcança as doações de imóveis que tenham como beneficiários pessoas carentes ou de baixa renda. Nesses termos, afirmou a impossibilidade de emissão da Certidão de Reconhecimento de Isenção para pessoa jurídica e ressaltou que já houve “anteriormente emissão de Certidão pelo Sr. Secretário de Estado George André Palermo Santoro, em caso semelhante, conforme Certidão SEFAZ GABINETE (SEI nº 5615938)”.

No âmbito da Superintendência de Crédito Tributário – SUCRE, o processo foi encaminhado à Superintendência de Tributação – SUTRI para conhecimento e “demais providências que entender necessário.” Por seu turno, a SUTRI remete os autos a esta Gerência de Tributação para “ciência, análise e providências pertinentes.”

É o relatório.

II. FUNDAMENTAÇÃO E ANÁLISE

Versa o presente processo sobre “PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE ISENÇÃO DE ITCD”.

Inicialmente, cumpre registrar que não foi indicada a finalidade do envio dos autos a esta Gerência Tributação. Contudo, da leitura das laudas processuais deduz-se que há dúvidas quanto à incidência do ITCD na doação descrita no documento inicial. Em sendo assim, recebe-se o processo como consulta fiscal interna sobre o tema.

Passando à análise da matéria, observa-se que o pedido de isenção formulado foi indeferido pela Chefia de ITCD, uma vez que a norma isentiva citada como fundamento somente tinha aplicação aos casos de doação de bem imóvel realizada para pessoas carentes ou de baixa renda.

De fato, assim prevê o art. 166, V, da Lei nº 5.077, de 12 de junho de 1989, e os correspondentes art. 4º, V, do Decreto nº 10.306, de 24 de fevereiro de 2011, acrescentado pelo Decreto nº 53.609, de 1º de junho de 2017, e art. 2º, § 2º, III, da Instrução Normativa SEF nº 18/2013, adiante reproduzidos:

LEI Nº 5.077/89:

Art. 166 - São isentos do imposto:

...

V – a doação de bem imóvel destinado à moradia, vinculado a programa de assistência social e habitação, para pessoas carentes ou de baixa renda.

DECRETO Nº 10.306/2011:

Art. 4º É isenta do ITCD a transmissão de:

...

V – bem imóvel destinado à moradia, vinculado a programa de assistência social e habitação, para pessoas carentes ou de baixa renda; e

INSTRUÇÃO NORMATIVA SEF Nº 18/2013

Art. 2º O pedido de reconhecimento de não incidência ou isenção, nas hipóteses indicadas nos §§ 1º e 2º deste artigo, deverá ser efetuado pelo interessado, conforme modelos previstos nos anexos desta Instrução Normativa.

...

§ 2º Para fins de pedido de reconhecimento de isenção será utilizado o modelo previsto no Anexo:

...

III - quando se tratar de transmissão causa mortis e doação de bem imóvel destinado à moradia, vinculado a programa de assistência social e habitação, para pessoas carentes ou de baixa renda. 

Como se infere da leitura dos textos normativos citados, a isenção prevista na legislação estadual não alcança as doações efetuadas em favor do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, mas tão somente as doações de bens imóveis efetuadas diretamente às pessoas carentes ou de baixa renda. Sob essa ótica, foi acertado o indeferimento do pedido de isenção pela Chefia de ITCD.

Nada obstante, em 11 de março de 2016, o Supremo Tribunal Federal recebeu, em sede de repercussão geral, o Recurso Extraordinário nº 928.902/SP, em que se discutia a incidência do IPTU sobre imóveis pertencentes ao Programa de Arrendamento Residencial – PAR, instituído pela Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, que tem como fonte de recursos o Fundo de Arrendamento Residencial – FAR. À época, foi submetido a julgamento o seguinte tema:

Tema 884 - Imunidade tributária recíproca em relação ao IPTU incidente sobre bens imóveis mantidos sob a propriedade fiduciária da Caixa Econômica Federal, mas que não se comunicam com o patrimônio desta, porque integrados ao Programa de Arrendamento Residencial – PAR, criado e mantido pela União, nos termos da Lei 10.188/2001.”

Embora o debate inicial tenha sido empreendido em torno do IPTU, a discussão acabou sendo ampliada para todos os tributos incidentes sobre os bens e direitos do referido fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial. 

Assim é que, em 2019, o STF proferiu decisão fixando, em sede de repercussão geral, a seguinte tese para o Tema 884:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL – PAR. POLÍTICA HABITACIONAL DA UNIÃO. FINALIDADE DE GARANTIR A EFETIVIDADE DO DIREITO DE MORADIA E A REDUÇÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIAS GOVERNAMENTAIS. INEXISTÊNCIA DE NATUREZA COMERCIAL OU DE PREJUÍZO À LIVRE CONCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. Os fatores subjetivo e finalístico da imunidade recíproca em relação ao Programa de Arrendamento Residencial estão presentes, bem como a estratégia de organização administrativa utilizada pela União – com a utilização instrumental da Caixa Econômica Federal – não implica qualquer prejuízo ao equilíbrio econômico; pelo contrário, está diretamente ligada à realização e à efetividade de uma das mais importantes previsões de Direitos Sociais, no caput do artigo 6º, e em consonância com um dos objetivos fundamentais da República consagrados no artigo 3º, III, ambos da Constituição Federal: o direito de moradia e erradicação da pobreza e a marginalização com a redução de desigualdades sociais. 2. O Fundo de Arrendamento Residencial possui típica natureza fiduciária: a União, por meio da integralização de cotas, repassa à Caixa Econômica Federal os recursos necessários à consecução do PAR, que passam a integrar o FAR, cujo patrimônio, contudo, não se confunde com o da empresa pública e está afetado aos fins da Lei 10.188/2001, sendo revertido ao ente federal ao final do programa. 3. O patrimônio afetado à execução do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) é mantido por um fundo cujo patrimônio não se confunde com o da Caixa Econômica Federal, sendo formado por recursos da União e voltado à prestação de serviço público e para concretude das normas constitucionais anteriormente descritas. 4. Recurso extraordinário provido com a fixação da seguinte tese: TEMA 884: Os bens e direitos que integram o patrimônio do fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial – PAR, criado pela Lei 10.188/2001,  beneficiam-se da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. (sem grifo no original) (RE 928902, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 11-09-2019 PUBLIC 12-09-2019) Como se observa, a decisão firmou o entendimento de que o patrimônio do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR não se confunde com o da empresa pública que o administra (Caixa Econômica Federal), mas é composto de recursos oriundos da União, a quem reverterá eventual saldo positivo. Ou seja, em última análise, tais bens e direitos constituem patrimônio da União, razão pela qual gozam da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, que veda aos entes da federação instituírem impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”.

Vale salientar que a tese firmada pelo STF tão somente declara o alcance da imunidade tributária ao patrimônio do FAR, não implicando inconstitucionalidade de lei ou decreto, dado que não há na legislação estadual norma prevendo a incidência do ITCD sobre os bens e direitos deste fundo. Por conseguinte, a aplicação deste entendimento jurisprudencial pela administração não resulta em controle de constitucionalidade e não se submete às condições descritas no § 1º do art. 28 da Lei nº 6.771, de 16 de novembro de 2006

Em resumo, no presente caso tem-se por configurada a hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada que, inclusive, já fora incorporada à legislação estadual pelo art. 3º, I, do Decreto nº 10.306, de 24 de fevereiro de 2011, adiante reproduzido:

Art. 3º O imposto não incide sobre a transmissão causa mortis ou doação em que figurem como herdeiros, legatários ou donatários:

I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (sem grifos no original)

Destarte, a tese fixada pelo STF tem aplicação imediata ao caso sob enfoque, devendo ser reconhecido que a doação de imóveis ao Fundo de Arrendamento Residencial não está compreendida no campo de incidência do ITCD, mas é alcançada pela imunidade recíproca de que trata o art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, cujo conteúdo foi incorporado à legislação estadual pelo art. 3º, I, do Decreto nº 10.306/2011.

III. CONCLUSÃO

Nos termos da tese fixada pelo STF para o Tema nº 884, a totalidade dos bens e direitos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR estão alcançados pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, razão pela qual não incide o ITCD na doação de imóveis em que o referido fundo conste como donatário.

Este entendimento jurisprudencial pode ser observado de imediato pela Administração Tributária, dado que: 1) sua aplicação não implica controle de constitucionalidade de lei ou decreto, uma vez que não há norma estadual expressamente prevendo a incidência do ITCD sobre o patrimônio do FAR; e 2) está em sintonia com o art. 3º, I, do Decreto nº 10.306/2011, que prevê a não incidência do ITCD sobre doações em que figurem como donatária a União.

É como penso. À consideração superior.

Gerência de Tributação, em Maceió/AL, na data da assinatura.

José Edson Lima e Silva

Chefe de Análises Tributárias

De acordo:

Aprovo o entendimento exposto no despacho e encaminho os autos à apreciação do Superintendente de Tributação, com recomendação de envio à Superintendência Especial da Receita Estadual.

Elka Gonçalves Lima de Oliveira

Gerente de Tributação