ICMS – CONSULTA FISCAL. 1. Indagação acerca do tributo incidente em contrato firmado com a Administração Pública Estadual, se ICMS ou ISS. 2. Contrato por empreitada global, envolvendo todas as etapas desde o fornecimento de equipamentos (moto bombas) até a instalação e partida. 3. Não caracteriza obra de construção hidráulica a instalação de maquinário que não se incorpora de forma definitiva ao edifício, podendo ser retirado sem dano ou perda de funcionalidade. 4. A natureza do contrato celebrado não tem o condão de afastar os efeitos jurídicos dos diversos fatos geradores dele decorrentes, quais sejam: o fornecimento do equipamento moto bomba, operação de circulação de mercadoria que está sujeita ao ICMS; e a prestação de serviço de instalação e montagem tributada integralmente pelo ISS nos termos do item 7.02 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
Por conduto do Despacho PGE SUBCTPFE 20818550, chegam os autos com solicitação da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas - PGE/AL para que seja aceito o documento inaugural do presente processo como consulta sobre a aplicação da legislação tributária.
Examinando a peça inicial referida (documento SEI nº 18234804), constata-se tratar de carta ofício expedida pela pessoa jurídica XXXXXXXXXXXXXXXXX, na qual expõe seu entendimento sobre questões tributárias relacionadas ao “Contrato Nº 49/204 – CPL/AL”, firmado com o Estado de Alagoas por intermédio da Secretaria de Estado da Infraestrutura – SEINFRA.
Tal contrato tem como objeto a “execução dos Serviços de Montagem, Instalação, Partida Técnica e testes com Supervisão dos Fabricantes de Bombas e Motores, Start up e colocação em operação de 1 (um) conjunto moto bomba para Estação Elevatória do Canal do Sertão, incluído Fornecimento de Equipamentos”. Para cumprimento do pactuado, a fornecedora fará a montagem do conjunto moto bomba em sua fábrica no Rio de Janeiro, transportará o equipamento até o cliente (SEINFRA/AL) e prestará o serviço de instalação no local.
Manifestando-se sobre as tratativas na entrega deste objeto, afirmou a contratada que o fornecimento do equipamento (moto bomba) é operação tributada pelo ICMS nos termos do art. 2º, IV, da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), pois se trata de fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.
Fundamentando seu entendimento, afirmou que, à luz do item 14.06 da Lista anexa de serviços da Lei Complementar nº 116/2003, a instalação e montagem de equipamentos somente seria tributada pelo ISS se o material utilizado fosse fornecido exclusivamente pelo tomador do serviço.
No que tange ao serviço de “montagem e instalação” posterior ao fornecimento da mercadoria, aduziu que, em se tratando de licitações e contratações junto à Administração Pública, deveriam ser observados os conceitos próprios desse contexto. Assim, citando o art. 6º da Lei nº 8.666/93 e a “ORIENTAÇÃO TÉCNICA OT - IBR 002/2009” do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas, afirmou que este serviço, quando exige o acompanhamento de profissional engenheiro habilitado, é tributado pelo ISS, consoante itens 7.02 e 7.05 da Lista anexa de serviços da Lei Complementar nº 116/2003.
Contrapondo-se a esse entendimento, a SEINFRA/AL emitiu posicionamento (doc SEI nº 20604322) sustentando que o contrato foi celebrado na modalidade de empreitada global, ou “turnkey”, ficando a cargo da contratada a entrega da obra em sua integralidade, já em condições de funcionamento. Acrescentou que o equipamento fornecido (moto bomba) passaria a integrar o próprio edifício, agregando-se ao solo, “não podendo mais ser removidos sem danificação dos próprios bens móveis ou do edifício”. Assim, concluiu afirmando que, diante das peculiaridades do contrato, a instalação desse equipamento se configuraria em serviço tributado pelo ISS, conforme descrito na parte final do item 7.02 (“instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos”).
Diante da divergência de entendimento, a SEINFRA/AL remeteu os autos à PGE/AL “PARA QUE SE ESGOTEM OS ENTENDIMENTOS DUBIOSOS QUANTO À POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO DA SITUAÇÃO COMO VENDA DE MERCADORIA, ASSIM IMPLICANDO EM TRIBUTAÇÃO NA NATUREZA DO ICMS, BEM COMO QUE DISCIPLINE SOBRE A POSSIBILIDADE DE EMISSÃO DE NOTA FISCAL DE VENDA COM ENTREGA FUTURA PARA A ADMINISTRAÇÃO.”
A seu turno, a PGE assinalou que a dúvida ora posta seria do particular contratado, pessoa jurídica que figura como sujeito passivo de uma obrigação tributária. Desse modo, não lhe competiria emitir entendimento no presente caso, dado que sua missão institucional inclui posicionar-se acerca de questão em matéria tributária “no âmbito da Administração Direta e Indireta (art. 25, IV, do Decreto nº 4.804/10 – Regulamento Interno).”
Nesse contexto, ponderou que estaria mais bem caracterizada a incidência da competência dos órgãos fazendários para responder Consulta, tal como prevê o art. 56 da Lei nº 6.771/06 (Lei do PAT). Solicitou ainda que, acaso o órgão fazendário tivesse posição diversa sobre a natureza do pedido e seu enquadramento como consulta, que fossem os autos devolvidos à PGE com manifestação escritura externando seu posicionamento, neste último caso em caráter colaborativo.
Em síntese, é o que importa relatar.
II – DA ANÁLISE, INTERPRETAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO
De início, convém destacar que a peça inicial do presente processo não traz pedido de consulta sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária, mas sim o entendimento de pessoa jurídica, estabelecida em outra unidade da federação, acerca do tratamento tributário a ser dispensado na entrega de objeto de contrato celebrado com o Estado de Alagoas, através da Secretaria de Estado da Infraestrutura – SEINFRA/AL.
Em verdade, o imbróglio quanto à aplicação da legislação tributária surge com a divergência aberta pela SEINFRA/AL em relação ao tema. Provocada a dirimir a dúvida, a PGE/AL entendeu pela impossibilidade de sua manifestação no presente caso, dado que não teria sido originalmente suscitado por entidade ou órgão da Administração Direta ou Indireta e uma vez que já havia um posicionamento da Administração Pública.
Assim, chegam os autos como consulta ou, alternativamente, como solicitação de emissão de posicionamento escrito a ser proferido em caráter colaborativo.
Sobre a competência para se manifestar no caso em descortino, convém alertar que a contratada está estabelecida em outra unidade da federação, de sorte que o documento fiscal a ser emitido obedecerá a legislação própria de seu município ou estado, conforme o tributo incidente. Todavia, a partir das inovações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 87/2015, cujas disposições foram disciplinada em Alagoas pela Lei Estadual nº 7.734/15, é devido o ICMS relativo ao diferencial de alíquotas nas aquisições interestaduais de bens destinados a consumidor final não contribuinte do imposto estabelecido neste Estado. Sob essa perspectiva, é pertinente a manifestação desta Gerência de Tributação.
Esclarecida essa circunstância, observa-se que a questão, nos termos que foi delineada no Despacho PGE SUBCTPFE 20818550, atende ao disposto no inciso III do § 1º do art. 199 do RPAT, devendo ser recebida como consulta sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária.
Adentrando na análise da matéria, verifica-se que a dúvida quanto ao imposto incidente, se ICMS ou ISS, surge no momento da definição dos procedimentos a serem adotados na entrega e faturamento do seguinte objeto contratual: “Serviços de Montagem, Instalação, Partida Técnica e testes com Supervisão dos Fabricantes de Bombas e Motores, Start-up e colocação em operação comercial de 04 (quatro) Conjuntos Moto Bombas para Estação Elevatória do Canal do Sertão, incluindo fornecimento dos Equipamentos (...)”.
Da leitura do excerto acima, fica evidente que o cumprimento do contrato envolve o fornecimento de equipamentos moto bombas e o subsequente serviço de montagem, instalação, partida técnica e testes. Nada obstante, alegou a SEINFRA/AL que a contratação ocorreu na modalidade de empreitada global, compreendendo a entrega de uma obra como um todo, já em condições de uso, hipótese em que, no seu entender, estaria caracterizado o serviço de construção civil (hidráulica), integralmente tributado pelo ISS, sendo os materiais fornecidos mero insumos, não se sujeitando ao ICMS.
Logo, na análise do caso vertente, cumpre examinar se a fase inicial do cumprimento do contrato configuraria etapa de uma obra de construção civil, como alegado.
Para tanto, mostra-se necessário conceituar o que seria uma obra de construção. De pronto, deve-se observar que essa expressão não tem um contorno bem definido no direito e que, no ordenamento jurídico brasileiro, alguns diplomas normativos já abordaram esse tema. Apenas para exemplificar, o Regulamento do ICMS do Estado de Alagoas aprovado pelo Decreto nº 35.245/91 adotou o seguinte conceito:
§1º São obras de construção civil, dentre outras:
I - a construção, demolição, reforma ou reparação de prédios ou de outras edificações;
II - a construção e reparação:
...
c) de sistemas de abastecimento de água e de saneamento;
...
b) hidráulicas, marítimas ou fluviais;
...
d) de montagem e construção de estruturas em geral;
IV - a prestação de serviços auxiliares ou complementares necessários à execução de obras, tais como serviços de alvenaria, de instalação de gás, de pintura, de marcenaria, de carpintaria, de serralharia, de vidraçaria;
Portanto, o conceito de obra construção civil está intimamente ligado à criação de imóveis ou edificações.
Nesse sentido, vale citar também o art. 79 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que assim dispõe:
Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
Dessa rápida exposição, pode-se afirmar – na mesma linha da contratante – que uma obra de construção civil pressupõe a incorporação de bens a uma edificação, que passam a formar um todo agregado ao solo, “não podendo mais ser removidos sem danificação dos próprios bens móveis ou do edifício”.
Fincada essa premissa, impende analisar se a montagem e instalação do conjunto de moto bombas se enquadraria nessa concepção.
Nesse desiderato, vale inicialmente observar que, antes de serem colocados em funcionamento, os equipamentos de moto bombas requerem instalação a ser realizada por corpo técnico especializado, que compreende: conexões, ligações elétricas e fixação ao solo mediante utilização de calços metálicos (conforme descrito à fl. 24 do doc. SEI nº 20607164).
Todavia, essa aparelhagem não configura a fixação definitiva alegada porquanto, por exemplo, visualiza-se como perfeitamente possível uma eventual retirada do equipamento de um edifício para outro, sem que isso implique em dano à edificação ou ao equipamento ou, ainda, perda de funcionalidade deste último. Tanto é assim que, no bojo do contrato, está previsto um teste do equipamento ainda em fábrica, o que indica que sua funcionalidade não está restrita ao imóvel no qual será utilizado. Em verdade, no contexto descrito enxerga-se que já há toda uma obra de construção hidráulica pronta, denominada “Canal do Sertão”, à qual o equipamento será conectado. Em sendo assim, o equipamento moto bomba figura como maquinário que, embora indispensável ao funcionamento do sistema com um todo, não se incorpora em definitivo à edificação já existente.
Acrescente-se ainda que a instalação deste equipamento, etapa seguinte à entrega, poderia ser realizada mediante contratação de qualquer outra empresa especializada. Ou seja, o fato de o contrato ser celebrado por empreitada global, atribuindo a uma única empresa a responsabilidade por todas as etapas desde a produção até a entrega do equipamento em funcionamento no local, não desnatura os diversos fatos geradores que advêm do cumprimento do contrato.
Nesse sentido, nota-se que o equipamento a ser instalado será produzido pelo seu fornecedor em típica atividade de industrialização, conforme definição trazida pelo art. 4º, III, do Decreto nº 7.212/2010 – Regulamento do IPI e pelo art. 4º, II, "c", do RICMS/AL, uma vez que será obtido a partir da “reunião de produtos, peças ou partes”, resultando em “um novo produto ou unidade autônoma”. Em sendo assim, a atividade desenvolvida pela contratada na produção da moto bomba não se caracteriza como um serviço (obrigação de fazer), mas sim um “fazer para dar, em que o fazer constitui apenas meio para a produção e colocação do bem à disposição do comprador.” (STF. ADI 4.389 MC / DF. Voto vista do Min. Joaquim Barbosa. Julgamento em 13/04/2011).
Nesse ponto, vale salientar que esta atividade de montagem industrial do equipamento moto bomba somente poderia ser vista como serviço se realizada com material fornecido exclusivamente pelo tomador do serviço, conforme prevê o item 14.06 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, “verbis”:
14.06 – Instalação e montagem de aparelhos, máquinas e equipamentos, inclusive montagem industrial, prestados ao usuário final, exclusivamente com material por ele fornecido. Em resumo, no cumprimento do contrato em tela estão presentes dois fatos geradores distintos, quais sejam:
1) o fornecimento do equipamento moto bomba, operação de circulação de mercadoria que está sujeita ao ICMS; e
2) a prestação de serviço de instalação e montagem tributada integralmente pelo ISS nos termos do item 7.02 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
Com base no acima exposto, em resposta à consulta sobre a aplicação da legislação tributária que exsurge da manifestação das partes no cumprimento de contrato celebrado com a Administração Pública, conforme delineado pela PGE/AL, constata-se que estão presentes dois fatos geradores distintos:
a) o fornecimento do equipamento moto bomba, típica operação de circulação de mercadoria tributada pelo ICMS e sobre a qual é devido, inclusive, o diferencial de alíquotas para o Estado de Alagoas, imposto a ser recolhido pelo fornecedor em razão de se tratar de operação interestadual que destina mercadoria a consumidor final não contribuinte do imposto (art. 3º da Lei Estadual nº 7.734/2015); e
b) a prestação do serviço de instalação e montagem, tributada integralmente pelo ISS nos termos do item 7.02 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
É o parecer que se submete à apreciação superior.
Gerência de Tributação, Maceió (AL), 05 de fevereiro de 2024.
José Edson Lima e Silva
Chefe de Análises Tributárias
De acordo:
Elka Gonçalves Lima
Gerente de Tributação