Consulta Fiscal interna. ITCD - Lei nº 5.077/89 – Prazo para constituição do Crédito Tributário - Indagado Poderá a Fazenda Estadual consituir o crédito tributário incidente sobre a doação de quotas societárias ocorridas há mais de 5 anos. Resposta: 1. Em se tratando do imposto sobre a transmissão de bens ou direitos mediante doação, o fato gerador ocorrerá: (i) no tocante aos bens imóveis, mediante efetiva transcrição realizada no registro de imóveis (art. 1.245 do CC/2020); (i) em relação aos bens móveis, ou direitos, a transmissão da titularidade, que caracteriza a doação, se dará mediante tradição (art. 1.267 do CC/2020), eventualmente objeto de registro administrativo (por exemplo, os veículos, no departamento de trânsito; as quotas de capital ou ações, na junta comercial ou registro de títulos e documentos). 2. Para fins da averiguação do transcurso do prazo decadencial, o marco inicial para constituição do crédito tributário é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I, do CTN).
Trata-se de consulta fiscal interna iniciada por despacho da Chefia de ITCD, através do qual se solicita parecer desta Gerência de Tributação quanto ao prazo que a Fazenda Estadual tem para constituição do Crédito Tributário concernente a doação de quotas societárias ocorridas há mais de 5 anos.
Expõe que o setor de ITCD vem se deparando com situações de descoberta de doação de quotas societárias, quando da análise de inventários.
Informa que referidas doações foram efetuadas em 2014, 2015, (...) e quando da cobrança de tais doações deparou-se com “Pedido de Desconstituição do Crédito Tributário por Decadência, sendo arguído o art. 173, I, do CTN concomitante com o Recurso Especial Repetitivo STJ - REsp: 1841771 MG 2019/0298352-7.
É o relatório.
II – DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, cabe observar que a interpretação normativa da legislação tributária estadual compete a esta Gerência de Tributação via parecer normativo, conforme estabelecido no art. 15 da Lei nº 6.771/06, verbis:
Art. 15. A interpretação normativa da legislação tributária estadual será feita por meio de instruções normativas do Secretário Executivo de Fazenda e/ou Secretário Adjunto da Fazenda Estadual e de pareceres normativos elaborados pela Diretoria de Tributação da Secretaria Executiva de Fazenda - SEFAZ, devidamente aprovados por aquelas autoridades. (grifou-se)
Nesse mesmo sentido, veja-se o teor do art. 51, II, do Regulamento do PAT/AL (Decreto nº 25.370/2013) e do art. 69, V, do Decreto nº 68.902/2013 (dispõe sobre o regimento interno da SEFAZ-AL):
Decreto nº 25.370/2013 (Regulamento do PAT/AL):
DA INTERPRETAÇÃO NORMATIVA DA LEGISLAÇÃO
Art. 51. Para o exercício de atribuição legal da Secretaria de Estado da Fazenda, a interpretação da legislação tributária estadual será feita por meio de:
I – instrução normativa expedida pelo Secretário de Estado da Fazenda; ou
II – parecer normativo expedido pela Diretoria de Tributação e aprovado pelo Secretário de Estado da Fazenda.
(grifou-se)
Decreto nº 68.902/2020 (Dispõe sobre o regimento interna da SEFAZ):
Da Gerência de Tributação – GTR
Art. 69. À Gerência de Tributação – GTR compete:
(...)
V – responder a consultas tributárias de interpretação e aplicação da legislação, emitindo parecer técnico;
(...)
VII – orientar os servidores e os contribuintes quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária;
(...) (grifou-se)
Isto posto, passa-se, pois, à análise da matéria.
Cinge-se a consulta a definir o início da contagem do prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN para a constituição do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) referente a doação de quotas societárias ocorridas há mais de 5 anos.
Para enfrentar o tema da decadência tributária para a constituição do imposto estadual incidente sobre as doações, relevante descortinar preliminarmente o momento da ocorrência do fato gerador da respectiva hipótese de incidência tributária.
O imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos, está previsto no art. 155, I, da CF/1988, que tem a seguinte redação:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
A base econômica tributada pelo ITCMD é a transmissão de qualquer bem ou direito, desde que tenha por causa a morte ou a doação. A transmissão de bens ou direitos representa a mutação patrimonial subjetiva. Ou seja, quando o patrimônio muda de titularidade, a Constituição Federal identifica um fato que gera capacidade para contribuir com a existência e o agir do Estado.
Considerando a base econômica tributável, o fato gerador do ITCMD especificamente no que diz respeito à doação será: (i) no tocante aos bens imóveis, a efetiva transcrição realizada no Registro de Imóveis; (i) em relação aos bens móveis, ou direitos, a transmissão da titularidade, que caracteriza a doação, se dará mediante tradição, se for o caso, com o respectivo registro administrativo (por exemplo, os veículos, no departamento de trânsito; quotas de capital ou ações, na junta comercial ou registro de títulos e documentos).
A identificação do momento do fato gerador, ou aspecto temporal da respectiva hipótese de incidência, leva em consideração as disposições constantes do Código Civil brasileiro, que assim disciplina, respectivamente, a transmissão da propriedade dos bens imóveis e móveis:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
(...)
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.
Portanto, o aspecto temporal da hipótese de incidência do imposto sobre a transmissão de bens, mediante doação, se consumará pelo registro da propriedade imóvel ou pela tradição da propriedade móvel.
No direito tributário, a decadência está relacionada ao direito de o Fisco constituir o crédito tributário mediante o procedimento do lançamento tributário, nos termos do art. 142 do CTN.
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
O lançamento tributário está relacionado à incidência de uma norma sobre fatos jurídicos; a partir dessa subsunção, se extraí a matéria tributável, sua quantidade, o devedor e eventual penalidade aplicável, nos termos do art. 142 do CTN, acima transcrito.
O lançamento tributário, conforme assinalado, se submete ao prazo decadencial para a sua efetivação. Por meio do lançamento, se constitui o crédito tributário e o CTN estabelece o seguinte regramento de contagem da decadência para essa atividade constitutiva:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
O ITCMD é um tributo sujeito a lançamento por declaração, o contribuinte traz ao Fisco os fatos, mediante uma declaração que os contenha, e o Fisco aplica o direito. Essa forma de constituição do crédito tributário vem prevista no art. 147 do CTN:
Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.
§ 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento.
§ 2º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela De posse dos fatos, a autoridade administrativa os tributará ou não, a depender dos contornos da norma jurídica e da respectiva atividade de subsunção normativa. Se os fatos se amoldarem à norma, o lançamento é feito pelo Fisco.
Pois bem, as obrigações jurídicas são nascidas para morrer, de modo que o direito lhes impõe um destino de finitude. Não é diferente no direito tributário, pois, conforme disposição do CTN, art. 156, V, a prescrição e a decadência extinguem o crédito tributário.
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
V - a prescrição e a decadência;
O STJ definiu o início da decadência para constituição do ITCMD em sede de recurso repetitivo.
No recurso especial nº 1.841.798, tema 1048, o STJ apreciou se o marco inicial da decadência do ITCMD, no caso de doação, é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que a Administração Fazendária toma conhecimento da doação ou o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (artigo 173, I do CTN).
Confira-se:
TEMA 1048
EMENTA TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 1048.
DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. CONTROVÉRSIA SOBRE O MARCO INICIAL A SER CONSIDERADO. FATO GERADOR. TRANSMISSÃO DE BENS OU DIREITOS MEDIANTE DOAÇÃO. CONTAGEM DA DECADÊNCIA NA FORMA DO ART. 173, I, DO CTN. IRRELEVÂNCIA DA DATA DO CONHECIMENTO DO FISCO DO FATO GERADOR.
1. NOS TERMOS EM QUE DECIDIDO PELO PLENÁRIO DO STJ NA SESSÃO DE9/3/2016, AOS RECURSOS INTERPOSTOS COM FUNDAMENTO NO CPC/2015 (RELATIVOS A DECISÕES PUBLICADAS A PARTIR DE 18 DE MARÇO DE 2016) SERÃO EXIGIDOS OSREQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL NA FORMA NELE PREVISTA (ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3).
2. DISCUSSÃO DOS AUTOS: NO RECURSO ESPECIAL DISCUTE-SE SE É JURIDICAMENTE RELEVANTE, PARA FINS DA AVERIGUAÇÃO DO TRANSCURSO DO PRAZO DECADENCIAL TRIBUTÁRIO, A DATA EM QUE O FISCO TEVE CONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS EDOAÇÃO (ITCMD) REFERENTE A DOAÇÃO NÃO OPORTUNAMENTE DECLARADA PELOCONTRIBUINTE AO FISCO ESTADUAL.
3. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA - TEMA 1048: DEFINIR O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ART. 173, I, DO CTN PARA A CONSTITUIÇÃO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO (ITCMD) REFERENTE A DOAÇÃO NÃO OPORTUNAMENTE DECLARADA PELO CONTRIBUINTE AO FISCO ESTADUAL.
4. NOS TERMOS DO ART. 149, II, DO CTN, QUANDO A DECLARAÇÃO NÃO SEJA PRESTADA, POR QUEM DE DIREITO, NO PRAZO E NA FORMA DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, SURGE PARA O FISCO A NECESSIDADE DE PROCEDER AO LANÇAMENTO DE OFÍCIO, NO PRAZO DE CINCO ANOS CONTADOS DO PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE À DATA EM QUE OCORRIDO O FATO GERADOR DO TRIBUTO (ART. 173, I,DO CTN).
5. EM SE TRATANDO DO IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS OU DIREITOS,MEDIANTE DOAÇÃO, O FATO GERADOR OCORRERÁ: (I) NO TOCANTE AOS BENS IMÓVEIS, PELA EFETIVA TRANSCRIÇÃO REALIZADA NO REGISTRO DE IMÓVEIS (ART.1.245 DO CC/2020); (I) EM RELAÇÃO AOS BENS MÓVEIS, OU DIREITOS, A TRANSMISSÃO DA TITULARIDADE, QUE CARACTERIZA A DOAÇÃO, SE DARÁ POR TRADIÇÃO (ART. 1.267 DO CC/2020), EVENTUALMENTE OBJETO DE REGISTRO ADMINISTRATIVO.
6. PARA O CASO DE OMISSÃO NA DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE, A RESPEITO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO IMPOSTO INCIDENTE SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS OU DIREITOS POR DOAÇÃO, CABERÁ AO FISCO DILIGENCIAR QUANTO AOS FATOS TRIBUTÁVEIS E EXERCER A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO MEDIANTE LANÇAMENTO DE OFÍCIO, DENTRO DO PRAZO DECADENCIAL.
7. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA TEM ENTENDIMENTO PACIFICADO NO SENTIDO DE QUE, NO CASO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO - ITCDM, A CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL TEM INÍCIO NO PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE ÀQUELE EM QUE O LANÇAMENTO PODERIA TER SIDO EFETUADO, OBSERVADO O FATO GERADOR, EM CONFORMIDADE COM OS ARTS. 144 E 173, I, AMBOS DO CTN,SENDO IRRELEVANTE A DATA EM QUE O FISCO TEVE CONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR (AG INT NO RESP 1.690.263/MG, REL. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 10/9/2019, DJE 16/9/2019). NO MESMO SENTIDO: AG INT NO RESP 1.795.066/MG, REL. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES,PRIMEIRA TURMA, JULGADO EM 16/9/2019, DJE 18/ 9/2019.
8. TESE FIXADA - TEMA 1048: O IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO - ITCMD, REFERENTE A DOAÇÃO NÃO OPORTUNAMENTE DECLARADA PELO CONTRIBUINTE AO FISCO ESTADUAL, A CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL TEM INÍCIO NO PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE ÀQUELE EM QUE O LANÇAMENTO PODERIA TER SIDO EFETUADO, OBSERVADO O FATO GERADOR, EM CONFORMIDADE COM OS ARTS. 144 E 173, I, AMBOS DO CTN.
9. [...] ACÓRDÃO SUJEITO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 1.036 E SEGUINTESDO CPC/2015.
(RESP 1841798 MG, REL. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO,JULGADO EM 28/04/2021, DJE 07/05/2021)
(RESP 1841771 MG, REL. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO,JULGADO EM 28/04/2021, DJE 10/05/2021) (GRIFOU-SE)
Com base no acima exposto, em resposta à indagação feita pela Chefia do ITCD, tem-se que: Considerando a tese firmada pelo STJ, o marco inicial para constituição do crédito tributário, relativamente a transmissão de bens ou direitos mediante doação, é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, na forma do art. 173, I do CTN.
É o parecer, que se submete à apreciação superior.
Gerência de Tributação, Maceió (AL), 11 de agosto de 2023.
Jacque Damasceno Pereira Júnior
Gerente de Tributação