Parecer CECON Nº 1275 DE 30/08/2024


 Publicado no DOE - CE em 30 ago 2024


ICMS. consulta. carga tributária líquida. alíquota ICMS 12% (doze por cento). regime especial de tributação. importação de câmara de ar de borracha. Lei n.º 14.237, de 10 de novembro de 2008. interpretação literal de benefícios fiscais. não exclusão de interpretação teleológica. limites interpretativos do quadro normativo.


Comercio Exterior

ICMS. consulta. carga tributária líquida. alíquota ICMS 12% (doze por cento). regime especial de tributação. importação de câmara de ar de borracha. Lei n.º 14.237, de 10 de novembro de 2008. interpretação literal de benefícios fiscais. não exclusão de interpretação teleológica. limites interpretativos do quadro normativo.

1. DO RELATO

A Consulente, sociedade empresarial suso qualificada, inscrita sob o regime normal, protocolou a consulta em epígrafe, dirige-se a esta Secretaria da Fazenda, solicitando alteração do valor do ICMS a recolher, em razão de entender estar enquadrada em carga tributária líquida reduzida equivalente à alíquota do ICMS de 12% (doze por cento), na forma estabelecida na alínea “b” do inciso I da Cláusula Quarta do Regime Especial de Tributação nº XXXX, celebrado entre a requerente e a Secretaria da Fazenda, quando da importação de Câmara de Ar de Borracha - NCM 4013 .

Destaca-se que, a Consulente possui cadastro de contribuinte nesta Secretaria da Fazenda do
Estado do Ceará, sob o regime de recolhimento “Normal”, e com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) principal n.º 4649403 - Comércio atacadista de bicicletas, triciclos e outros veículos recreativos.

É o relato.

2. DO PARECER

2.1. Do Quadro Normativo

Inicialmente, passa-se a análise dos atos normativos vigentes para verificar se a operação descrita na solicitação da Consulente corresponde integralmente às características abstratas e hipotéticas do Regime Especial de Tributação nº XXX e da legislação vigente.

A Lei nº 14.237, de 10 de novembro de 2008, estabelece em seu art. 4º uma sistemática de tributação específica para o contribuinte que exerce a atividade constante do Anexo I da referida lei, por meio do Regime Especial de Tributação, em que poderá aplicar, como carga líquida, aquela prevista no anexo III da mencionada Lei, que será ajustada proporcionalmente, juntamente com o imposto de que trata o inciso I do § 1º do art. 2º, até o limite da carga tributária efetiva de 10,59% (dez vírgula cinquenta e nove por cento), constante do art. 1º da Lei nº 13.025, de 20 de junho de 2000.

O § 7º do art. 4º da referida lei permite a aplicação da carga tributária equivalente à alíquota de 12% (doze por cento) para alguns produtos especificados, nos seguintes termos:

Art. 4º (...)

(...)

§ 7º Na hipótese do inciso I do § 1º do art. 2º:

I - nos termos definidos em regulamento, em relação às mercadorias abaixo especificadas, sem similar produzido neste Estado, quando importadas do exterior e destinadas à comercialização em outra unidade da Federação, poderá ser aplicada a alíquota do ICMS equivalente a 12%:

a) bebidas quentes, exceto aguardente;

b) vinhos e sidras;

c) pneus para: motos, motonetas, motocicletas, triciclos, quadriciclos, ciclomotores e bicicletas;

d) peças e acessórios para veículos;

e) tecidos, malhas e plásticos;

f) equipamentos médico-hospitalares;

g) rochas ornamentais em estado bruto ou laminadas;

h) equipamentos elétricos de uso pessoal e doméstico;

i) máquinas, aparelhos e equipamentos para uso odonto-médico-hospitalar, suas partes e peças;

j) material para construção;

k) material elétrico e eletrônico;

l) móveis e eletrodomésticos;

(...)

O Decreto nº 30.519, de 2011, que regulamentou a Lei nº 14.237, de 2008, ao estabelecer o regime de substituição tributária com carga líquida de ICMS nas operações com peças, componentes e acessórios para veículos, permitiu, no § 3º do art. 4º, a aplicação da carga tributária equivalente à alíquota de 12% (doze por cento) para pneus, peças e acessórios para veículos, nos seguintes termos:

Art. 4º (...)

(...)

§ 3º Às operações de importação do exterior dos produtos abaixo especificados, sem similar produzido neste Estado, quando destinadas à comercialização em outra unidade da Federação, poderá ser aplicada à alíquota do ICMS equivalente a 12%:

I - pneus para: motos, motonetas, motocicletas, triciclos, quadriciclos, ciclomotores e bicicletas;

II - peças e acessórios para veículos;

(...)

A Consulente celebrou com a Secretaria da Fazenda o Regime Especial de Tributação nº XXXX, no qual a alínea “b” do inciso I da Cláusula Quarta estabelece uma carga tributária líquida de 7,06% nas operações de importação de mercadorias do exterior, abrangendo pneus para motos, motonetas, motocicletas, triciclos, quadriciclos, ciclomotores e bicicletas, além de peças e acessórios para veículos, conforme segue:

CLÁUSULA QUARTA. O ICMS recolhido na forma da Cláusula terceira não dispensa a exigência do ICMS relativo:

I - às operações de importação de mercadorias do exterior, calculado mediante a aplicação, sobre a base de cálculo composta de acordo com o art. 15 do Decreto nº 31.471, de 30 de abril de 2014, das seguintes alíquotas:

a) com similar produzido neste Estado, 18%, sem a aplicabilidade da Lei nº 13.025, de 20 de junho de 2000;

b) com pneus para motos, motonetas, motocicletas, triciclos, quadriciclos, ciclomotores e bicicletas; e peças e acessórios para veículos, sem similar produzido neste Estado, 12%, observados os termos do art. 4º do Decreto nº 30.519, de 26 de abril de 2011, resultando em uma carga tributária líquida de 7,06%;

(...)

Considerando que a Lei nº 18.305, de 15 de fevereiro de 2023, alterou a alíquota modal para 20% (vinte por cento), bem como estabeleceu novos percentuais de cargas tributárias líquidas no Anexo III da Lei nº 14.237, de 2008, ainda determinando, em seu art. 5º, o reajuste de quaisquer benefícios fiscais relacionados a operações sujeitas à alíquota de 18%, para que no cálculo da carga tributária reduzida seja considerada a alíquota de 20%, conforme segue:

Art. 5º Ficam reajustados, a partir da produção dos efeitos das alterações introduzidas pelo art. 1º desta Lei, quaisquer benefícios fiscais previstos na legislação tributária referente ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, os quais, em momento anterior ao início da produção daqueles efeitos, se refiram a operações ou prestações sujeitas à alíquota de 18%, de modo que no cálculo da respectiva carga tributária reduzida seja considerada a alíquota de 20%.

É fundamental observar que as alterações na legislação tributária ocorridas após a assinatura do Regime Especial de Tributação devem ser observadas pelos contribuintes, conforme estipulado na Cláusula Décima Segunda do Regime Especial de Tributação nº XXXX. Esse entendimento foi aplicado de acordo com a Instrução Normativa nº 151/2023, que, em seu art. 5º, alterou a alínea “b” do inciso I da Cláusula Quarta do Regime Especial de Tributação celebrado entre o contribuinte e a Secretaria da Fazenda, com base no art. 4º do Decreto nº 30.519, de 2011, e em razão do disposto no art. 5º da Lei nº 18.305, de 2023:

Art. 5º O Regime Especial de Tributação celebrado entre o contribuinte e a Secretaria da Fazenda com base no art. 4º do Decreto nº 30.519, de 26 de abril de 2011, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(...)

II - a Cláusula Quarta, com nova redação das alíneas “a” e “b” e do item 2 da alínea “c” do inciso I, e o inciso III do parágrafo quarto:

“Cláusula Quarta. (...)

I - (...)

a) com similar produzido neste Estado, 20%, sem a aplicabilidade da Lei nº 13.025, de 20 de junho de 2000;

b) com pneus para motos, motonetas, motocicletas, triciclos, quadriciclos, ciclomotores e bicicletas; e peças e acessórios para veículos, sem similar produzido neste Estado, 12%, observados os termos do art. 4º do Decreto nº 30.519, de 26 de abril de 2011, resultando em uma carga tributária líquida de 7,80%;

(...)

(...)

2. Caso as mercadorias venham a ser internadas no território deste Estado, sobre a base de cálculo do ICMS incidente na importação mais recente, o contribuinte deverá complementar a carga tributária relativa à diferença entre a alíquota interna específica e o percentual de 7,80%, devendo ser ajustada proporcionalmente nos casos de outras alíquotas;

(...)”

Em suma, a análise dos atos normativos vigentes demonstra a complexidade e a importância de uma interpretação rigorosa e atualizada das legislações aplicáveis, especialmente em relação aos Regimes Especiais de Tributação. As alterações introduzidas pelas leis mais recentes, como a Lei nº 18.305/2023, ressaltam a necessidade de adaptação contínua por parte dos contribuintes para garantir o cumprimento das obrigações fiscais de maneira precisa e eficaz.

Diante desse contexto, torna-se essencial discutir os limites interpretativos dos benefícios fiscais, que constituem um aspecto crucial para a aplicação correta da legislação tributária, evitando equívocos que possam resultar em sanções ou perda de vantagens fiscais.

3. INTERPRETAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS

A interpretação dos benefícios fiscais no Direito Tributário brasileiro é um tema de grande relevância, especialmente considerando a aplicação de normas que visam à concessão de isenções ou outras formas de desoneração fiscal.

Conforme estabelece o artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN), as disposições que tratam de isenções devem ser interpretadas literalmente. Contudo, a aplicação estrita dessa regra não está isenta de controvérsias e desafios práticos, particularmente em contextos onde a literalidade pode limitar a realização das finalidades sociais e econômicas subjacentes às normas tributárias.

3.1 A Insuficiência da Interpretação Literal

Na dissertação de Raquel Bernardes de Freitas, intitulada A Interpretação ‘Não Literal’ das Isenções, a autora argumenta que a interpretação literal muitas vezes falha em alcançar as finalidades para as quais as normas isencionais foram criadas.

Freitas enfatiza que o simples formalismo e a visão estritamente descritiva não são instrumentos adequados à persecução das finalidades que a Ciência do Direito busca realizar. Se a função descritiva bastasse, diante da avançada tecnologia da robótica, máquinas estariam aptas a assumir as tarefas afeitas aos julgadores, aplicando a lei conforme um banco de dados pré-alimentado em um sistema (Freitas, 2015, pp. 11-12).

Essa crítica é direcionada à aplicação rígida do artigo 111 do CTN, que pode limitar o objeto de estudo e o sentido prático da Ciência do Direito, sugerindo que a interpretação das isenções deve considerar a teleologia das normas, ou seja, seus objetivos e finalidades mais amplos (Freitas, 2015).

Freitas ilustra essa problemática com exemplos práticos, como a negação de isenção de imposto de renda para contribuintes portadores de moléstias graves, quando a doença em questão não está listada na legislação específica. Ela cita um caso onde foi negada a isenção tributária de imposto de renda por moléstia grave a um contribuinte portador de espondiloartroses, pelo fato de a doença não constar no 'rol taxativo' do art. 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88 (Freitas, 2015, p. 15).

Esse exemplo demonstra como a aplicação estrita da literalidade pode levar a resultados que contradizem a finalidade social da norma, que é proteger a saúde e o bem-estar dos contribuintes.

3.2 A Proposta de uma Interpretação Sistêmica e Teleológica

Em contraposição à interpretação puramente literal, Freitas propõe a adoção de uma interpretação sistemática e teleológica, que leve em consideração a finalidade das normas isencionais e o contexto constitucional em que estão inseridas. Ela afirma que o processo hermenêutico não pode ficar restrito à interpretação literal, deve-se considerar o contexto mais amplo da ordem jurídica e os princípios que a fundamentam (Freitas, 2015). A autora defende que a interpretação das isenções deve ser orientada pela finalidade pública que elas visam promover, como o desenvolvimento socioeconômico ou a proteção de direitos fundamentais.

João de Souza Alho Neto, em sua dissertação sobre A Interpretação das Normas de Benefícios Fiscais, apoia essa visão ao afirmar que os dispositivos relativos a benefícios fiscais devem ser interpretados com base na finalidade constitucional que lhes é subjacente, devendo a teleologia da norma prevalecer sobre um eventual resultado literal que contemple um número menor de situações (Alho Neto, 2020).

Alho Neto ressalta que a interpretação literal pode, em muitos casos, não capturar a complexidade das situações que a norma visa regular, especialmente quando essas situações envolvem princípios constitucionais fundamentais, como a igualdade e a justiça social.

4. DA RESOLUÇÃO DO CASO

Em consulta ao Portal único da SISCOMEX, a câmara de ar de borracha está classificada na posição da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) 40.13, no Capítulo 40 (Borracha e suas obras), enquanto os pneus estão classificados na posição da NCM 40.11 (Pneumáticos novos, de borracha) e na posição da NCM 40.12 (Pneumáticos recauchutados ou usados, de borracha; pneus maciços ou ocos, bandas de rodagem para pneumáticos e flaps, de borracha). Já as peças e acessórios para veículos estão classificados na NCM 87.08 (Partes e acessórios dos veículos automóveis das posições 87.01 a 87.05.).

Ocorre que a análise normativa e interpretativa conduzida ao longo deste parecer permite concluir que, embora a câmara de ar de borracha não esteja explicitamente classificada como peça ou acessório de veículo na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), isso não exclui sua natureza intrínseca de componente essencial ao funcionamento de veículos, como bicicletas e motocicletas, categorizados na atividade econômica principal da Consulente.

A NCM, adotada desde 1995 pelos países membros do Mercosul, incluindo o Brasil, é baseada no Sistema Harmonizado (SH), que organiza as mercadorias de forma sistemática e progressiva, levando em consideração o grau de elaboração e o material de composição dos produtos. Como destacado, as mercadorias estão ordenadas sistematicamente na NCM, a priori, de forma progressiva, de acordo com o seu grau de elaboração, principiando pelos animais vivos e terminando com as obras de arte, passando por matérias-primas e produtos semi-acabados.

Neste contexto, a câmara de ar de borracha foi classificada na posição que reflete o material de que é feita (capítulo 40 - Borracha e suas obras), e não sua função como peça ou acessório de veículos.

Contudo, conforme discutido, a interpretação dos dispositivos legais que tratam do benefício aqui discutido deve ser feita com uma perspectiva ampla, que considere não apenas o texto legal, mas também os princípios constitucionais e os objetivos de política pública que a norma visa atingir (Alho Neto, 2020).

Portanto, apesar da classificação diversa na NCM, é razoável concluir que a câmara de ar de borracha deve ser considerada dentro do escopo de aplicação do Regime Especial de Tributação nº XXXX, até porque os atos normativos e o regime especial, em nenhum momento, restringiram por NCM as mercadorias incluídas na sistemática em comento, bastando que se enquadrem na categoria de pneus para motos, motonetas, motocicletas, triciclos, quadriciclos, ciclomotores e bicicletas ou de peças e acessórios para veículos, esta última em que se encontram, repita-se, as câmaras de ar de borracha.

Ademais, é imperativo lembrar que o processo hermenêutico deve ser referendado por um processo lógico-argumentativo que justifique a adoção de tais métodos (Freitas, 2015).

Considerando a necessidade de uma interpretação que alinhe o texto legal com a realidade das operações e a finalidade das normas fiscais, recomenda-se o enquadramento da operação nas condições estabelecidas pelo Regime Especial de Tributação nº XXXX, aplicando-se a alíquota de 12% conforme pleiteado pela Consulente.

Em resumo, mesmo diante da classificação específica da câmara de ar de borracha na NCM, sua função como acessório essencial para veículos utilizados pela Consulente justifica a aplicação do benefício fiscal solicitado. Este entendimento reflete não apenas uma interpretação literal dos dispositivos, mas, sobretudo, uma aplicação teleológica que visa atender aos objetivos sociais e econômicos das políticas públicas tributárias.

5. CONCLUSÃO FINAL

Conclui-se que, com base na interpretação teleológica e na análise contextualizada dos dispositivos legais, a Consulente está correta ao solicitar a aplicação da alíquota de 12% no ICMS, conforme estabelecido no Regime Especial de Tributação nº XXXX. A classificação na NCM, por si só, não deve impedir o reconhecimento da câmara de ar como um acessório de veículo, especialmente quando considerada a sua função prática e a finalidade das normas fiscais. Portanto, é procedente a solicitação de alteração do valor do ICMS a recolher, na forma estabelecida no inciso I e II do § 3.º do art. 4.º, Decreto n.º 30.519, de 2011, de conforme requerido pela Consulente.

Encaminhe-se este parecer para o Núcleo de Controle do Comércio Exterior e para o Núcleo de Postos Fiscais, a fim de proceder às devidas alterações no sistema administrado pela Célula do Comércio Exterior utilizado para a gestão e execução da fiscalização das operações de importação.

É o Parecer. À consideração superior.

Referências Bibliográficas

Alho Neto, J. S. (2020). Interpretação literal e benefícios fiscais no Direito Tributário brasileiro

(Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo.

Freitas, R. B. (2015). A interpretação “não literal” das isenções (Dissertação de Mestrado).

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.